Por Nabil Bonduki
A perspectiva de solução favorável ao conflito gerado pela
tentativa de reintegração de posse na ocupação chamada de Pinheirinho II por
seus moradores requer debater as alternativas para superar os processos de
exclusão territorial urbana que até hoje têm prevalecido.
A gleba ocupada situa-se no distrito de São Mateus, Zona
Leste, a cerca de trinta quilômetros do centro de São Paulo. A região simboliza
uma forma excludente de construção da cidade. Segundo a história oficial, na
década de 1940 a família Bei (cujo patriarca dá nome à principal avenida do
distrito) começou o processo de parcelamento do solo, vendendo lotes a
prestação, com a estratégia de doar tijolos e telhas para os trabalhadores que
buscavam realizar o sonho da casa própria por meio da autoconstrução da
moradia. Embora situada em São Paulo, a região foi procurada pelos operários do
ABC, que fica nas proximidades.
Enquanto a área central e o quadrante sudoeste de São Paulo
foram irrigados com grandes obras viárias e implantação de equipamentos urbanos
e sociais, São Mateus ficou abandonada, desenvolvendo-se pela iniciativa de
seus próprios moradores, embora seu crescimento populacional tenha sido
superior à média da cidade, caracterizado pela urbanização precária ao lado de
remanescentes da produção rural e industrial do começo do século passado.
Apesar da expansão de um forte comércio local nos últimos trinta anos, a região
ainda carece da presença do estado para usufruir dos benefícios que a cidade
produz.
O local onde se localiza o Pinheirinho 2 situa-se no extremo
do distrito, na divisa com a Cidade Tiradentes e próximo à nascente do Rio
Aricanduva, ao aterro sanitário São João e à APA (Área de Proteção Ambiental)
do Iguatemi. O lugar é cercado de um lado por antigos loteamentos populares
nascidos irregulares e regularizados a partir da década de 90, de outro por
imensas tiras de terras que ainda conservam sua condição natural. Por isso o
Plano Diretor Estratégico, aprovado em 2002, e os Planos Regionais Estratégicos
em 2004, classificaram parte do distrito como macroárea de urbanização e
qualificação, e outra parte como macroárea de proteção ambiental.
Segundo as lideranças da ocupação, a maioria das famílias que
mora no local foi removida em função da obra de extensão da Avenida
Jacu-Pêssego, que permitiu a ligação da Ayrton Senna ao Rodoanel, realizada
pelo governo do PSDB. Sem alternativa, as famílias optaram pela forma comum de
acesso à moradia na região – a compra ou ocupação de um lote, ainda que
irregular.
O proprietário, não se sabe se tão vítima assim ou se
conivente com a situação, recorreu ao Judiciário. O processo corre na 4ª Vara
Cível da Comarca de Itaquera (São Mateus não tem um Fórum Judiciário local,
apesar de sua população ser maior do que a maioria das cidades do estado). No
processo civil moderno jamais um juiz deveria conceder uma liminar de
reintegração sem antes procurar conhecer a realidade das pessoas envolvidas.
Há, inclusive, uma previsão expressa no projeto de novo Código de Processo
Civil que determina a obrigatoriedade da tentativa de conciliação entre as
partes antes da tomada de decisões com grande impacto social na vida daquelas
que mais precisam do Judiciário. É por isso que lamentamos profundamente o
posicionamento do Judiciário no caso.
Voltando aos aspectos políticos, o histórico da obra da
Avenida Jacu-Pêssego é típico de uma forma de administração ineficaz: pouco
diálogo entre os entes governamentais, completa desarticulação entre as obras
públicas e o atendimento da população moradora e o absoluto desrespeito ao
planejamento local. Ao lado da área ocupada há uma enorme gleba classificada no
PDE como ZEIS 2 (gleba vazia destinada à produção de habitação de interesse
social) e, portanto, disponível para a produção de moradia popular, que
continua completamente inutilizada.
Em vez de construir moradias dignas para as famílias que
foram removidas, o governo estadual preferiu, por meio da Dersa, conceder verba
indenizatória, “solução” rápida e mais barata mas que, sem resolver o problema
habitacional, acaba por levar as famílias para áreas de risco, ocupações
irregulares ou áreas de proteção ambiental.
O prefeito Fernando Haddad fez bem em intervir no conflito,
desapropriando a área por meio do decreto 53.797/13. Mas é apenas o começo
possível de um longo caminho para garantir habitação digna para essas famílias,
com segurança na posse, infraestrutura, serviços públicos e novas moradias. Sem
criar empregos em uma área situada na Zona Leste, a trinta quilômetros do
centro de São Paulo, esses trabalhadores continuarão a perder muitas horas por
dia para chegar ao trabalho. É por isso que precisamos implementar uma reforma
urbana em nossa cidade, como proposto no Plano de Governo de Fernando Haddad.
*Nabil Bonduki é vereador em São Paulo pelo PT. Arquiteto e
professor da FAU-USP, é livre-docente em Planejamento Urbano. Foi
superintendente de Habitação Popular (governo Luiza Erundina), vereador e
relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (2001-2004) e secretário
Nacional de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (governo Dilma).
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