Por Emiliano José* - Publicado no jornal A Tarde
Estava de malas prontas. Iria a Florença para mostrar a Renzo
o documentário que fizemos sobre ele. Iríamos – junto comigo, estariam Jorge
Felippi, parceiro essencial dessa empreitada, e Bruno, também um entusiasmado
participante do filme. Apressamos tudo, conscientes da gravidade do estado de
saúde dele. Não deu tempo. Morreu às 6 horas de hoje, horário de Florença, aos
87 anos.
O poeta Pedro Tierra que, como eu, sentiu os rigores dos
cárceres da ditadura e também foi beneficiado pela solidariedade dele , disse
hoje que “o anjo de asas invisíveis regressa à matéria do mundo para oferecer a
ele a luz de sua alegria”.
Sem favor nenhum, Renzo foi um homem especial. Absorveu do
cristianismo tudo que ele tem de bom. Sacerdote desde 1949, logo cedo
aproximou-se dos operários fiorentinos, a maioria dos quais comunista. Foi ali
que se deu o que chamava sua primeira conversão, ao conhecer um universo
diferente, que no primeiro momento não o queria por perto. Ele conquistou os
trabalhadores, e foi por eles conquistado.
Em 1965, desembarca no Brasil, disposto a encarar as
dificuldades dos povos da periferia. Abandonou os confortos do Primeiro Mundo e
o fausto da Igreja Católica de Florença para se embrenhar ali pelo território
da Fazenda Grande, São Caetano, Bom Juá, Fonte do Capim, em Salvador, onde, então, a miséria era
extrema. Missionário, ali pela metade dos anos 70, mergulha na solidariedade
aos presos políticos de todo o Brasil. Conhece o terror da ditadura.
Desenvolve uma pastoral de fronteira, como o chama frei
Betto, ao prefaciar o livro que fiz sobre ele. Visita todos os presídios
políticos do Brasil. Nunca pretendeu converter ninguém, outra vez
defrontando-se com uma maioria de materialistas. Impressionou-se com as noções
de justiça dos presos políticos, com a capacidade deles de manter acesa a
esperança nas duras condições das prisões, e isso depois de terem sempre
enfrentado torturas brutais. Experimenta, então, a sua segunda e mais
importante conversão.
Aprofundou o seu cristianismo, mas era outro homem, muito
mais aberto a outras visões de mundo. Compreende que homens e mulheres com
convicções diferentes das dele podiam dedicar-se aos mesmos ideais de tornar o
mundo melhor para todos, e às vezes, como ele mesmo admitia, até com mais
dedicação do que muitos cristãos. A tristeza que sentimos hoje não nos
abandonará tão cedo.
Temos certeza de que a vida dele constitui um exemplo para a
humanidade. Exemplo de amor e coragem, de dedicação aos mais pobres e a todos
os perseguidos do mundo, a exemplo do Cristo no qual se espelhava. Os que
combateram a ditadura nunca se esquecerão dele, tenho certeza disso. Saudades
eternas, querido Padre Renzo.
*jornalista e escritor, ex-preso político, ex-deputado
federal (PT-BA), autor de As asas invisíveis do padre Renzo.
# posted by Oldack Miranda
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