Em entrevista à Carta Maior, o governador do Rio Grande do
Sul, Tarso Genro, defende a necessidade de intensificar a luta política em
defesa da regulamentação da mídia e do setor de comunicação como um todo.
Definindo essa agenda como uma promessa não cumprida da Constituição de 1988,
Tarso critica a ausência de diversidade de opinião no atual sistema midiático
brasileiro e cita a postura editorial do jornal Zero Hora como exemplo de um
processo de ideologização das notícias, recorrente no Brasil.
O debate sobre o tema da regulamentação da mídia e do setor
da comunicação como um todo enfrenta pesada resistência e oposição no Brasil.
Na sua opinião, qual o lugar que essa agenda ocupa – se é que ocupa – hoje no
debate político nacional?
Tarso Genro: A questão da chamada “regulamentação da mídia” -
que na verdade não trata nem do direito de propriedade das empresas de
comunicação e muito menos da interferência do Estado nas redações ou editorias
- é uma questão-chave do avanço democrático do país, das promessas do
iluminismo democrático inscritas na Constituição de 88 e mesmo da continuidade
da presença dos pobres, índios, negros, excluídos em geral, discriminados de
gênero e condição sexual, trabalhadores assalariados e setores médios que
adotam ideologias libertárias, na cena pública de natureza política.
Mas essa promessa permanece não cumprida. O que é preciso
fazer, na sua avaliação, para que ela se torne realidade?
Tarso Genro: É preciso “forçar a barra”, através da luta
política, para que ela reflita no Congresso a exigência de uma sistema legal,
regulatório e indutivo, para a formação de empresas de comunicação,
cooperativadas ou não, estatais e privadas, que possam sobreviver e ter
qualidade, independentemente do financiamento dos grandes grupos de poder
financeiro e econômico, que tentam controlar a formação da opinião de forma
totalitária.
Como fazem isso? Ideologizando as notícias e selecionando os
fatos que informam o público consumidor de notícias, a partir da sua visão de
Estado, da sua visão de desenvolvimento, da sua visão das funções públicas do
Estado, gerando uma espécie de “naturalização” do neoliberalismo e mascarando
as premissas dos seus argumentos.
Cito alguns exemplos: reforma do Estado significa reduzir o
serviço público e demonizar empresas estatais, como estão fazendo atualmente
com a Petrobras; redução dos gastos públicos significa diminuir as despesas de
proteção social; o “custo Brasil”, para eles, é originário, não da supremacia
da política rentista, característica do projeto neoliberal, mas principalmente
das despesas com direitos trabalhistas e impostos; parcerias público-privadas
são vistas apenas como “oportunidades de negócios”, para empresas privadas e
não como uma relação contratual, que combine o interesse público com o
interesse privado; a corrupção é sempre culpa do Estado e dos seus servidores,
omitindo que ela tem outro polo, o polo mais ativo, o privado, que disputa
obras e serviços, corrompe funcionários e manipula licitações, nas suas
concorrências predatórias.
Essa relação entre a política e a mídia costuma ser carregada
de tensões e conflitos. Como político e gestor público, como procura lidar com
esse tipo de situação?
Tarso Genro: Tive algumas experiências diretas interessantes
com este tipo de manipulação: quando iniciei a implementação das cotas para
negros e afrodescendentes no país, através do Prouni - ali eu era ministro da
Educação - a grande mídia atacava a proposta, apoiada por acadêmicos de direita
e da chamada extrema-esquerda, porque as cotas iriam baixar a qualidade da
Universidade, já que os negros e afrodescendentes eram originários da escola
pública e não tinham uma formação compatível para cursar as Universidades da
elite, que são as universidades privadas. Puro preconceito, como se vê, tornado
notícia isenta. Hipnose fascista, como argumentava Thomas Mann, na época do
nazismo.
Outra experiência bem significativa foi quando, como Ministro
da Justiça, deferi –baseado em jurisprudência do Supremo, nas leis e na
Constituição, o refúgio para Cesare Battisti. Battisti não era, para a grande
mídia, um cidadão italiano buscando refúgio, mas um “terrorista. O pedido de
refúgio era divulgado, então, como pedido do “terrorista Césare Battisti”, para
induzir o consumidor da notícia a ser contra o refúgio, pois ninguém de sã
consciência quer abrigar terroristas em seu território. A grande mídia
repassava sem nenhum pudor, para os leitores e espectadores, portanto, a tese
do corrupto Berlusconi e dos fascistas italianos, de que Battisti era um
simples bandido. Pura manipulação da informação para obter resultados
favoráveis às suas opiniões e posições políticas pré-concebidas. Quase
conseguiram.
Os exemplos aqui no Rio Grande do Sul também são fartos.
Atualmente temos “fronts” onde esta disputa se desdobra. Temos o direito de
dizer que é um jornalismo comprometido com uma visão do passado, este, da Zero
Hora, que desqualifica constantemente o nosso governo, com distorções em
notícias, cujos fatos são selecionados para dar uma impressão de neutralidade.
Com qual visão de passado, exatamente?
Tarso Genro: Ora, a situação financeira estrutural do Estado
é ruim há muito tempo e nós nos elegemos com o compromisso de investir,
melhorar o salário do servidores - que estavam arrochados duramente- e
recuperar as funções pública do Estado. As matérias de Zero Hora criticam as
decisões que estamos tomando, baseadas no nosso programa de Governo, a partir
da ótica do Governo Britto e Yeda, sem dizer que estão defendendo um programa
de governo oposto ao nosso, já que foram e são grandes entusiastas das
privatizações e das demissões de servidores públicos de forma irresponsável, as
chamadas “demissões voluntárias”.
O governo Britto fracionou e vendeu a CEEE por preços
irrisórios, deixando as dívidas trabalhistas e das aposentadorias dos
servidores com o Estado. Negociou as dívidas com a União, comprometendo-se a
pagar juros exorbitantes e promoveu, assim, um estoque de dívida impagável. A
governadora Yeda vendeu ações do Banrisul para pagar despesas correntes, não
para - por exemplo - pagar contrapartidas para drenar mais recursos para
investimentos, e fez o chamado (falso) “déficit zero”, arrochando salários e
promovendo uma redução brutal nas políticas sociais e nos investimentos públicos,
além de não captar recursos da União Federal, já que seu governo estava
permanentemente atravessado por disputas internas. Ou seja, este jornal - e
alguns editoriais de rádio e TV da mesma cadeia - estão já fazendo campanha
eleitoral, para tentar restaurar, no Estado, as políticas destes dois governos,
pois à medida que escondem as responsabilidades pela situação do Estado e
exigem de nós, soluções imediatas, que sabem ser impossíveis e que não foram
propostas no nosso Programa de Governo, estão saudosos destas políticas de
privatização do Estado, que não deram em nada em lugar nenhum, a não ser atraso
e crises sociais.
Um exemplo que chega ser hilário desta paixão saudosista é a
forma com que eles tratam a questão dos pedágios no Estado e a parceria
público-privada, para a construção da RS 10. Quanto ao primeiro assunto
(pedágios), jamais avaliam os superlucros e os preços cobrados pelos pedágios,
nem avaliam os investimentos feitos pelas concessionárias, para medi-los com
estes preços e lucros. Quanto ao segundo assunto (parceria para a construção da
RS 10) nos pressionam (ou pensam que nos pressionam), através de editoriais e
notícias mal disfarçadas - mas são recados neoliberais - que devemos ser
rápidos, acolhendo a proposta que vinha sendo negociada pela Governadora Yeda,
sem pensar um minuto nos custos para o Estado e, inclusive, nas garantias que o
Estado deve oferecer, nas suas precárias condições financeiras, herdadas dos
governos Britto e Yeda, cujas promessas eles tinham grande simpatia.
Este tipo de crítica dirigida diretamente a uma empresa de
comunicação costuma ser associado a um tipo de censura ou ameaça à liberdade de
expressão. Como vê esse tipo de objeção?
Tarso Genro: Tem o direito de fazer tudo isso, é óbvio, mas
se tivéssemos fortes órgãos de imprensa, TVs e rádios, que fizessem circular de
forma equivalente as informações do governo e a opinião dos usuários,
obviamente toda a sociedade ficaria bem mais esclarecida e livre, para formar a
sua opinião. Para informar, como se sabe, os governos que não adotam o
receituário neoliberal, precisam pagar e pagar bem, com as suas peças
publicitárias, pois as matérias em regra não são nem isentas nem equilibradas e
passam, naturalmente, a ideologia dominante na empresa jornalística, às vezes até
editando o trabalho feito pelo repórter, ou encaminhando para ele as
“conclusões” isentas que a matéria deve conter.
Considerando a natureza conflitiva dessa relação, é possível,
na sua opinião, manter essa postura crítica e, ao mesmo tempo, não fechar os
canais de diálogo?
Tarso Genro: Temos diálogo com eles e vamos continuar tendo,
até porque não confundimos a nossa função pública com as disputas
político-partidárias, que estão na base destes conflitos. Frequentemente temos
que usar, porém, os meios alternativos à grande mídia, as redes, os “blogs”, as
rádios independentes para divulgar as nossas posições, principalmente em épocas
pré-eleitorais, quando a isenção se torna ainda menor e eles passam a preparar
os seus candidatos para as próximas eleições. É o que está ocorrendo agora de
forma acentuada, em temas de alta relevância para o Estado, como as finanças
públicas, as parcerias e as políticas sociais do nosso governo.
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