Por Eugênio Bucci
A oposição no Brasil vai mal. Marina Silva não sabe se
conseguirá legalizar seu partido – a sua “Rede”, que ainda nem nasceu direito e
já se encontra ameaçada de extinção. Eduardo Campos encarna a crise existencial
de um triângulo desamoroso: não discutiu suficientemente a relação entre sua
própria pessoa, seu partido e a diáfana “base aliada” – essa entidade que não
tem base, não tem tantos aliados assim, não ajuda, mas também não atrapalha.
Aécio Neves ainda mal começou e já começou mal: seus pronunciamentos iniciais
criticando a presidente da República por só pensar em reeleição padecem de uma
amnésia suicida. Será que ele não se lembra de que quem só pensava em reeleição
era o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, que mudou as regras do
jogo (durante o jogo) apenas para faturar um segundo mandato?
Em suma, o governo de Dilma Rousseff corre solto. Ou, também
solto, fica parado. Faz e não faz o que bem quer, fala o que bem entende – e às
vezes fala do que não entende. Sem ser incomodado. O Palácio do Planalto vê
subir a inflação e os índices de popularidade. Em recente pesquisa do Ibope,
divulgada nesta semana, 63% dos entrevistados consideram o governo Dilma “bom”
ou “ótimo” (eram 62% em dezembro). Detalhe: para nada menos que 20% dos
eleitores brasileiros, Dilma é melhor que Lula.
Do ponto de vista da presidente-candidata, se melhorar,
desanda. Seu grande cabo eleitoral é a oposição inerte. Nada em seu governo
encontra obstáculos. Os ministérios não conhecem o que seja resistência
programática. Todos têm apenas apoiadores. Todos menos um: o Ministério das
Comunicações acabou trombando com um partido que lhe faz oposição sistemática.
Esse vetor oposicionista atende pelo nome de Partido dos Trabalhadores. Isso
mesmo, o PT. O mesmo partido ao qual o ministro titular da pasta, Paulo
Bernardo, é filiado desde 1985, o mesmo partido que apoia o governo de Dilma
Rousseff combate ferozmente o Ministério das Comunicações.
Partido não recuou
O PT quer para já a chamada regulamentação dos meios de
comunicação. No documento “Democratização da Mídia é Urgente e Inadiável”,
aprovado dia 1º de março em Fortaleza, o Diretório Nacional do PT conclama o
governo a enviar ao Congresso Nacional um projeto de marco regulatório das
comunicações. Na resolução os petistas cobram também a revisão das isenções
concedidas às empresas do setor.
Na quarta-feira (20/3) o Estado de S.Paulo trouxe declarações
do ministro Paulo Bernardo contestando as afirmações do partido que lhe faz
oposição. Ele qualifica de “incompreensível” a atitude do partido de misturar
dois temas que, na sua visão, são distintos: a regulação da mídia e
investimentos públicos. É também “incompreensível”, a seus olhos, que o PT
deflagre uma ofensiva contra as isenções fiscais concedidas pelo governo às
empresas de telecomunicação. “Será que o PT acha que são as teles que pagam
esse imposto?”, indaga o ministro. E ele mesmo responde o óbvio: “O custo é
alto e quem paga é o consumidor.”
Quanto a isso, a resolução do Diretório Nacional cometeu um
erro grave: multiplicou por dez o valor das desonerações fiscais. Segundo o
documento petista, conforme anotou a reportagem do Estado, em matéria assinada
por Vera Rosa, “o alívio fiscal concedido às empresas, com o novo Plano Nacional
de Banda Larga (PNBL), alcançava R$ 60 bilhões, número dez vezes maior do que o
anunciado pelo governo”. A pedido de Paulo Bernardo, o partido corrigiu-se (o
valor correto é R$ 6 bilhões), mas não recuou um dígito sequer na oposição que
faz à pasta das Comunicações.
Políticas autoritárias
Paulo Bernardo tem bons argumentos contra seus antagonistas.
“A Constituição veda a censura e, portanto, o marco regulatório não pode ser
confundido com controle da imprensa nem com nenhum tipo de controle de nada”,
alega. Tem absoluta razão. Existe, de fato, em algumas áreas da oposição ao
Ministério das Comunicações um certo furor censório, por assim dizer, o que
precisa ser examinado mais de perto.
Em parte por vingança contra os veículos que deram ampla
cobertura ao julgamento do mensalão, em parte por oportunismo populista, há
quem argumente à boca pequena que regular os meios de comunicação é uma forma
de enquadrar o jornalismo, forçando as emissoras a adotar pautas mais
favoráveis às agendas oficiais. Ondas assim vêm se agigantando no Equador, na
Venezuela e na Argentina. Se bem-sucedidas, levarão a uma relativa asfixia dos
debates democráticos. É curioso como existe ainda hoje quem enxergue nesse
caminho uma saída. Mais que curioso, é desconcertante notar que setores da
esquerda na América do Sul tenham tomado para si estratégias autoritárias que
as ditaduras militares tentaram, sem sucesso, impor aos meios de comunicação. O
governismo imposto nunca dá certo – à esquerda ou à direita, tanto faz.
Para complicar ainda mais o irracionalismo do cenário – o
partido do governo fazendo oposição cerrada (não obstante aberta) a um dos
ministros do governo –, temos então esta discrepância: militantes que se dizem
democráticos defendendo políticas autoritárias para enquadrar veladamente o
noticiário.
Participação da
sociedade
Diante disso, o Ministério das Comunicações erra ao
silenciar. Com sua morosidade acaba dando forças ao PT. Paulo Bernardo bem sabe
que o Brasil precisa de uma nova legislação que dê jeito em vícios graves da
radiodifusão; sabe que isso nada tem que ver com censura, mas com modernizar o
mercado, inibindo ainda mais as possibilidades de censura. Não por acaso, todos
os países democráticos dispõem de marcos regulatórios claros – e, ao menos
nesse quesito, vão muito bem.
O Ministério das Comunicações faria bem se tomasse a
iniciativa e convocasse a sociedade para a elaboração de um novo marco
regulatório. Assim, deixaria para trás as chantagens do PT e o imobilismo dos
que querem deixar tudo como está (como se fosse possível).
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Eugênio Bucci é jornalista, professor da ECA-USP e da ESPM
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