domingo, 19 de junho de 2011

109 dias de tortura

Juliana Dal Piva - Revista Isto É

Biografia do militante Eduardo Leite, o Bacuri, revela a agonia do prisioneiro que permaneceu mais tempo sob violência ininterrupta da ditadura militar antes de ser morto

Em agosto de 1970, depois de um mês de prisão no Departamento de Ordem Política e Social, o temido Dops, Denise Peres Crispim foi retirada às pressas da cela para dar uma volta. Ela tinha motivos para acreditar que, mesmo grávida de sete meses, aqueles poderiam ser seus últimos momentos de vida. “Todas as vezes que eu saía, achava que podia não voltar”, disse Denise à ISTOÉ, em sua primeira entrevista para um veículo de comunicação após mais de 40 anos de silêncio. Cercada por quatro policiais, de olhos vendados, foi empurrada para dentro de um automóvel. Poucos minutos depois, o carro parou. Puxada com força para fora, Denise ouviu um portão abrindo, entrou na casa, passou por uma porta e subiu a escada. Em seguida, os algozes giraram seu corpo várias vezes e só depois retiraram a venda. “Você sabe quem sou?”, perguntou o homem postado diante dela. Denise respondeu que não. “Sou o famoso Fleury”, respondeu o delegado Sérgio Paranhos Fleury, torturador obstinado e com um histórico de morte de prisioneiros sob seus ombros. Ele então apontou uma porta e deu uma ordem: “Seu marido está naquela sala”, disse. “Entra lá porque ele se recusa a comer e falar antes de te ver. Você tem um minuto.” Denise viu o marido, o militante de esquerda Eduardo Leite, conhecido como Bacuri, sentado atrás de uma escrivaninha e com as mãos algemadas em cima da mesa. As lágrimas vieram de imediato. Bacuri tinha hematomas e queimaduras por toda a pele. Tocaram-se as mãos e, quando Denise se levantou para que ele sentisse o bebê na barriga, Fleury entrou: “O minuto acabou”, disse o delegado. Arrancada da sala, Denise pressentiu que aquela seria a última vez que veria o marido, prisioneiro que permaneceu mais tempo sob tortura ininterrupta da ditadura militar – foram intermináveis 109 dias de sofrimento antes de sua execução.

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