domingo, 25 de setembro de 2011

JOSÉ EDUARDO CARDOZO

"Vou coibir abusos e desvios de conduta da Polícia"

O ministro da Justiça diz que não aceitará excessos que violem direitos individuais, não importando se o réu é rico ou pobre, político ou não

por Vasconcelo Quadros – Revista Isto É

MENOS HOLOFOTE - Cardozo promete coibir "operações espetaculosas" da PF que propiciem "julgamento midiático"

Desde que assumiu o comando do Ministério da Justiça, o ex-deputado José Eduardo Cardozo tem lidado com um problema bastante delicado, que é a relação do governo com a Polícia Federal. Apesar dos conflitos de autoridade, principalmente durante a Operação Voucher, o ministro garante que o convívio com a PF é bom e diz que zelará pela autonomia do órgão. Mas adverte que punirá com rigor excessos que resultem em violação dos direitos individuais de qualquer acusado, seja político, seja empresário ou cidadão comum: “Jamais serei tolerante com abusos e desvios de conduta.” Ele afirma que, se de um lado garantirá a autonomia da PF, de outro vai coibir “operações espetaculosas que propiciem julgamento midiático e contrariem o estado de direito”.

Em entrevista exclusiva à ISTOÉ, Cardozo também descarta as especulações sobre o afastamento do diretor-geral da PF, Leandro Coimbra, garantindo que o delegado não sairá do cargo. Chama os rumores a respeito de “uma boa peça de humor”. Na verdade, o ministro, que também é advogado e professor de direito administrativo, tem outras prioridades em sua gestão. Revela que, embora não seja um alvo tradicional, o Brasil está reunindo esforços para se prevenir contra atos terroristas durante eventos como a Copa do Mundo. E anuncia um inédito programa de integração entre os órgãos de segurança e as Forças Armadas. “Os alvos são os crimes de fronteira, como o tráfico de drogas e de armas”, diz.
 
Istoé - No governo Dilma Rousseff, a PF perdeu a força que exibiu durante o mandato de Lula?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Discordo. A PF está dando continuidade ao trabalho que vinha desenvolvendo no governo Lula, quando ganhou outra dimensão, com melhores equipamentos, aumento de salários e garantia de autonomia. Os dois governos têm a mesma linha. E, claro, a nós cabe zelar e garantir a autonomia da PF, mas dentro dos limites da lei. Jamais serei tolerante com abusos e desvios de conduta.

Istoé - Na Operação Voucher, houve polêmica sobre o uso de algemas. O sr. concorda que houve excesso por parte dos agentes federais?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Embora alguns países tenham por hábito algemar toda e qualquer pessoa presa, no Brasil essa discussão acabou ensejando uma regulamentação do Supremo Tribunal Federal. Ao Ministério da Justiça cabe fazer cumpri-la. Se a autoridade policial utilizar a algema indevidamente, não importa se o réu é rico ou pobre, político ou não político, cabe a nós pedir a apuração rigorosa e a punição desse policial. Se por um lado nós garantimos a autonomia da PF, de outro proibimos abusos ou operações espetaculosas que propiciem julgamento midiático e contrariem o estado de direito.
Istoé - Mas, no caso específico da Operação Voucher, houve ou não abusos? 
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Há normas internacionais e o próprio manual da PF diz que nenhum policial pode subir numa aeronave com arma municiada. Isso traz a necessidade de que, segundo essas regras, aquele que vai ser transportado por via aérea seja algemado justamente para que o policial tenha possibilidade de controle durante o voo. No caso de uma rebelião, de uma agressão ou de uma situação indesejável, o policial teria muita dificuldade de controlar se as pessoas não estivessem algemadas. Até agora não chegou nenhuma informação de uso de algemas fora dessa situação.

Istoé - O sr. concorda com quem atribui a polêmica das algemas à reação de setores da sociedade antes impunes?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Não diria que é uma reação das elites, mas é sempre bom lembrar que a lei vale para todos. Pouco importa quem seja a pessoa presa. Se houver uso indevido, agiremos com grande rigor, punindo as autoridades policiais que atuarem indevidamente.

Istoé - Então não haverá mais tratamento privilegiado?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - O Brasil vive sob uma cultura de impunidade. Quando alguém que tem poder político ou econômico acaba tolhido em sua liberdade, há uma ruptura dessa tradição perversa. E, em consequência, há mais luzes e divulgação pela mídia. A lei vale para todos e será cumprida em toda a sua dimensão, mas coibindo eventuais abusos.

Istoé - É verdade que o Palácio do Planalto está sofrendo pressões políticas para afastar o diretor-geral da PF, Leandro Coimbra? Ele será substituído?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Eu garanto que não há nenhum fundo de verdade nessas especulações. Em nenhum momento tive qualquer desavença com Coimbra. A indicação dele foi minha e garanto que foi uma excelente escolha. É um excelente policial, sério, digno, competente, que respeita profundamente a instituição que dirige. Quero é fortalecê-lo. As especulações são curiosas, uma boa peça de humor.

Istoé - Os agentes da PF acabaram de aprovar um indicativo de greve por melhores salários. Isso não desgasta o diretor-geral?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - É legítimo que os servidores façam suas reivindicações, da mesma forma que o governo tem de agir de acordo com sua capacidade orçamentária. Vivemos um momento de crise internacional. A equipe econômica diagnosticou claramente a situação e nos informou da impossibilidade de prever no Orçamento do ano que vem qualquer aumento salarial para qualquer servidor público federal. Informamos isso à PF.

Istoé - Como reagir se a PF parar?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Democraticamente. O direito de greve está previsto na Constituição. Se acontecer, dialogaremos com o servidor e buscaremos uma saída, respeitando o direito de todos os envolvidos.

Istoé - As recentes manifestações populares não são um recado de que esgotou-se a paciência da sociedade com os repetidos casos de corrupção? A faxina ética vai continuar?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - O combate à corrupção não é um programa de governo. É um dever. Não pode se afastar das ações cotidianas daqueles que governam. Seria errado imaginar que a nossa diretriz de governo seria combater a corrupção. Mas é correto imaginar que nós temos como dever natural o combate a qualquer tipo de desvio ou de práticas ilícitas.

Istoé - Pode-se esperar, então, o reforço do combate à corrupção?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - O governo fará tudo o que estiver a seu alcance para cumprir seu dever. Não é reforço. Tudo aquilo que estiver ao nosso alcance será feito como uma ação cotidiana que se espera de qualquer governante.

Istoé - O tráfico voltou a desafiar o Exército no Alemão. As UPPs e os Territórios da Paz estão perdendo força?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - A política de segurança do Rio de Janeiro é competente, planejada e bem executada. Mas não podemos ter ilusões: a briga contra o crime organizado é permanente. 

Istoé - O que o governo federal fará para enfrentar essas situações?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Temos de reforçar cada vez mais a cidadania, com equipamentos públicos, políticas sociais e aperfeiçoa­mento da atividade policial. Mas imaginar que as coisas vão se resolver como num passe de mágica seria muita ingenuidade.

Istoé - Qual o efeito da campanha de desarmamento na redução da criminalidade?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Toda vez que se faz uma campanha de desarmamento, o nível de homicídios cai. Há uma relação direta entre o número de armas em circulação e o de homicídios. É um engano brutal imaginar que a posse da arma garante a defesa do cidadão e evita a violência. O criminoso conta sempre com o fator surpresa. É errado conceber a arma como instrumento de defesa. Ela é de ataque.

Istoé - Ainda em relação à criminalidade, quais são os planos do governo Dilma para reduzir o caos no sistema carcerário?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Vamos lançar um grande plano de ampliação de unidades prisionais. O detalhamento será anunciado em breve pela presidente Dilma. Mas já está pronto e aprovado. Será R$ 1 bilhão de investimentos para ampliar e gerar novas vagas nos presídios estaduais.

Istoé - O que mais o governo pretende fazer para reduzir a violência? Qual será a contribuição da PF e das Forças Armadas?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Considerando que o tráfico de drogas e de armas está intimamente ligado à violência, o controle da fronteira é peça central no plano de combate. A parte mais importante será a integração das forças de segurança pública com as Forças Armadas. Nunca tivemos isso em planos de ações compartilhadas contra o crime comum. Criamos uma sala de comando no Ministério da Defesa para traçar as linhas de atuação. A PF terá o comando da Operação Sentinela para agir com o apoio logístico militar em 30 pontos vulneráveis detectados na fronteira. 

Istoé - Onde entram exatamente os militares?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Eles têm o comando da Operação Ágata, com o apoio do Ministério da Justiça. É uma operação sigilosa, com data previamente marcada, que implicará o deslocamento de grandes contingentes militares para pontos da fronteira. A primeira foi na fronteira com a Colômbia. Não posso falar agora por causa do sigilo, mas nos próximos dias teremos a Ágata II. Os alvos são todos os crimes e os pontos críticos de fronteira: tráfico de drogas, de armas, de pessoas e contrabando. 

Istoé - O STJ anulou, alegando falha processual, o processo sobre a Operação Boi Barrica, que investigou o filho do senador José Sarney, no Maranhão. A Polícia Federal errou?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - A informação que eu recebi é de que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, nesse caso, se deveu a uma avaliação de que seria insuficiente a motivação feita pelo juiz responsável pelo deferimento das escutas. Portanto, a questão se prendeu a um vício meramente processual e atribuído à decisão do próprio magistrado que autorizou as escutas. Nessa perspectiva, não posso dizer que houve um erro da Polícia Federal.

Istoé - Como o sr. avalia a saída de cinco ministros em menos de nove meses de governo?
JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Acredito que num governo é absolutamente normal a substituição de membros da equipe. E é claro que, no governo federal, é absolutamente natural que ministros, por sua vontade ou por decisão da presidente da República, deixem seus cargos. Não me parece que seja correto falar que a saída dos ministros ensejou uma crise. Foram substituições normais, que acabam acontecendo naturalmente por circunstâncias das mais diversas ao longo de um governo. 

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