Em 1961, depois de impedir o golpe embutido na renúncia de Jânio, cometemos o erro – que não podemos esquecer – de desmobilizar a resistência e subestimar os inimigos
Por: Mauro Santayana
Foram dias inquietos os de agosto de 1961. Carlos Lacerda, governador da Guanabara, sob influência norte-americana, lançava ataques contra o presidente. Mas não se esperava a renúncia do chefe de Estado. Há momentos em que a cidadania reage com agudo senso político. Em lugar de gente nas ruas, a fim de lhe prestar solidariedade, houve certo alívio por parte de alguns e preocupação entre os mais bem informados. O povo intuiu a manobra que a renúncia escondia.
O segundo, e mais sério ato de resistência, se deu contra o oportunismo dos militares, ao aproveitarem o vácuo e vetarem a posse de Jango. Nesse momento, Brizola, governador do Rio Grande do Sul, levantou-se em defesa da Constituição e mobilizou sua força militar, antes mesmo de contar com o apoio do general Machado Lopes, que comandava o III Exército, o de maior poder de fogo no país.
A nação inteira acompanhava a Cadeia da Legalidade, ouvindo, ininterruptamente, os líderes da resistência, sobretudo Brizola. Os governadores Mauro Borges, de Goiás, e Ney Braga, do Paraná, aderiram à campanha desde as primeiras horas, e se prepararam para a luta armada, caso fosse necessária. Diante dessa manifestação de bravura e da mobilização da opinião pública, apoiadas em recursos bélicos ponderáveis, os militares aceitaram a sugestão de alguns congressistas, sob a liderança de Tancredo Neves, da instituição da emenda parlamentarista.
Tenho a memória pessoal daquelas horas, a partir de Belo Horizonte, segui todos os fatos. Imediatamente, nos principais centros políticos do país, articulou-se a resistência civil, conduzida pelas entidades sindicais, pelos líderes políticos de esquerda e de centro-esquerda e por alguns conservadores, lúcidos naquele momento, como Milton Campos; ao contrário de Magalhães Pinto, que, sem se atrever a defender publicamente o golpe, colocou seus policiais contra o povo.
Em declarações que me fez, Milton Campos exigiu o cumprimento da Constituição e a posse imediata de Jango, com todos os seus poderes. Também foram ativos muitos membros da Igreja, renovada com o Concílio do Vaticano, como o padre Francisco Lage Pessoa, de Belo Horizonte.
Representando os jornalistas, entre outros companheiros – e me lembro de José Maria Rabelo, Célius Aulicus Jardim, Guy de Almeida, Roberto Drummond, Vitor Hugo de Almeida, Wander Moreira, Délio Rocha – no comitê de resistência em Minas, redigimos, minha mulher e eu, vários jornais de campanha, impressos em gráficas clandestinas e em mimeógrafos. Foram horas tensas, em que praticamente não dormimos, noticiando os fatos e mobilizando os trabalhadores para a luta direta, se o golpe se perpetrasse. Minha mulher foi presa. Assim como ocorreu em Minas, ocorreu em todo o Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, onde foi necessário enfrentar o golpista Carlos Lacerda.
Embora em estradas distintas, Tancredo e Brizola atuaram em favor da paz. Brizola, ao mobilizar-se para o conflito armado, dissuadiu os militares radicais, temerosos da superioridade bélica e política da nação mobilizada. Getúlio advertia que o Brasil não podia perder uma guerra, sob pena de fragmentação do território nacional. No caso do conflito interno, naquele momento, os norte-americanos interviriam, tornando-o “externo”, e correríamos o risco de nos transformar em nova Coreia, com o país dividido entre o Norte e o Sul. Isso motivou Tancredo em sua ação conciliadora.
Os 13 dias foram intensos, como relatam os jornais. Ao tomarem posse, no dia 7 de setembro, como presidente e primeiro-ministro, Jango e Tancredo postergaram o golpe, que seria desfechado menos de três anos depois. Cometemos o erro de subestimar o poder dos inimigos do povo. Essa é uma lição que nós, os trabalhadores brasileiros, não podemos esquecer.
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