domingo, 25 de setembro de 2011

Líder emergente

Dilma Rousseff fez seu batismo de estadista na abertura da Assembleia da ONU. Ela se diferenciou de Lula, falou em nome dos emergentes, criticou a atuação das nações ricas e deixou o Brasil mais perto de uma vaga no Conselho de Segurança
Luiz Fernando Sá, enviado especial a Nova York

PELA PRIMEIRA VEZ, UMA MULHER

Representantes de 191 países aplaudiram o discurso de Dilma, que inaugurou o debate na ONU

Bastou uma única frase. “Pela primeira vez na história das Nações Unidas uma voz feminina inaugura o debate geral.” A mais qualificada audiência do mundo, com mais de uma centena de chefes de Estado e representantes oficiais de 191 países, irrompeu em aplausos. Dilma Rousseff calou-se por alguns segundos antes de prosseguir. E saboreou um momento histórico. Do púlpito da Assembleia da Organização das Nações Unidas sentiu-se no topo do mundo, ovacionada pelos líderes das superpotências, dos países em conflito, daqueles que buscam reconhecimento ou simplesmente a sobrevivência de populações famélicas. “É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna que tem o compromisso de ser a mais representativa do mundo”, continuou. A presidente brasileira seguia, na manhã da quarta-feira 21, em Nova York, uma tradição: primeiro país a assinar a carta de fundação da ONU, cabe ao Brasil o papel de fazer o discurso de abertura dos trabalhos da entidade. Nunca antes, em 66 anos, porém, uma mulher havia vivido esse papel. Dilma, portanto, fez história. E pontuou esse fato em cada linha de seu pronunciamento.

Uma Dilma tensa, com um assumido “frio na barriga”, entrou no plenário da ONU. Uma Dilma realizada, confirmada como estadista em seu batismo de guerra, saiu de lá menos de meia hora depois. “Estou realizada por ter representado bem todas as mulheres do mundo”, disse à ISTOÉ no começo da tarde daquela quarta-feira ao cruzar o saguão do hotel Waldorf Astoria, palco dos encontros bilaterais com outros chefes de Estado. A presidente trabalhou duro até o último minuto para que cada vírgula estivesse em seu lugar, deixando bem claras as posições do Brasil sobre temas cruciais nos debates globais. Nos últimos dias antes de sua estréia nos salões globais, ela fez uma série de revisões no texto do discurso, que começou a ser preparado semanas antes pelo Itamaraty e pelo assessor para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. Na segunda-feira 19, Dilma e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, avançaram noite adentro fazendo ajustes. Na manhã da terça-feira, ela mais uma vez debruçou-se sobre a peça. Uma de suas preocupações foi mostrar personalidade própria e não uma mera continuidade da gestão Lula. Outra, mais prosaica, foi com o tempo. Fez vários cortes, cirúrgicos, no discurso para que sua permanência na tribuna não excedesse 25 minutos. Só no final da tarde da terça entregou a redação final ao Itamaraty, que já demonstrava preocupação com o prazo para providenciar as traduções para os vários idiomas representados na ONU.

O resultado foi uma fala concisa, objetiva e repleta de significados. Dilma cumpriu com êxito seu objetivo de diferenciar-se de Lula. A questão feminina, nesse quesito, mostrou-se muito útil, assim como sua condição de militante contra a ditadura militar nos anos 60 e 70. Foi através dela que a presidente deu um tom de emoção ao pronunciamento. “Junto minha voz às das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da política e da vida profissional e que conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje. Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade”, pontuou no trecho final do discurso. “Na língua portuguesa, palavras como vida, alma e esperança pertencem ao gênero feminino. E são também femininas duas outras muito especiais para mim: coragem e sinceridade”, disse logo na abertura. “Essas duas palavras retratam muito bem o que foi o discurso da presidente e a fantástica repercussão que tivemos já na saída do plenário”, afirmou à ISTOÉ o ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores. “Muitas mulheres vieram abraçá-la nos corredores da ONU e já recebemos congratulações de vários chefes de Estado pelas posições assumidas por ela.”

Um primeiro balanço extraoficial feito por diplomatas do Itamaraty aponta que, ao ser menos retórica e mais firme em suas posições e ao fazer um pronunciamento menos centrado no Brasil e em seus feitos e mais voltado às grandes questões globais, Dilma ampliou o efeito de suas palavras e alçou o País a um patamar mais próximo do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O próprio Conselho foi um dos temas centrais tanto do discurso quanto de seus encontros bilaterais. A presidente lembrou que a discussão em torno da reforma do órgão já dura 18 anos e que, sem uma participação maior dos países em desenvolvimento, o Conselho perdeu credibilidade e eficácia. “O Brasil está pronto para assumir suas responsabilidades como membro permanente”, afirmou, sem, no entanto, fazer concessões às potências que tradicionalmente selam o destino dessas discussões. Ao tratar do atual cenário de crise econômica global e dos conflitos no Oriente Médio, Dilma não hesitou em apontar o dedo e cobrar responsabilidades, sobretudo dos Estados Unidos, da China e da comunidade europeia. As mensagens foram claras, embora a linguagem da diplomacia tenha evitado citações diretas.

DESPEDIDA

Para Barack Obama, presidente americano que falaria em seguida, endereçou alguns torpedos e alfinetadas. Primeiro: “Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos ou de clareza de ideias”. Outro: “Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade”. Ou então: “A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas. O mundo sofre hoje as dolorosas consequências de intervenções que agravaram conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis”. No capítulo econômico do discurso, Dilma mandou recados para a Europa e ressaltou o modelo brasileiro de combate à crise. “É significativo que a presidenta de um país emergente, que vive praticamente um ambiente de pleno emprego, venha falar aqui hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os países desenvolvidos.” E sobrou para a China: “Países altamente superavitários devem estimular seus mercados e, quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global”.

Dilma deixou Nova York, na quinta-feira 22, maior do que quando chegou, no domingo 18. Já desembarcou nos EUA cercada de expectativas. Foi apresentada à sociedade americana por uma reportagem de capa na revista “Newsweek”, que a tratou como uma espécie de xerife no comando de um país em crescimento, mas ainda carente de ordem. O texto, sob o título “Don’t mess with Dilma” (não mexa com Dilma, numa tradução livre) usava expressões como “Dilma dinamite” e foi considerado extremamente positivo pela comitiva brasileira. Ainda antes de ler a íntegra, a presidente, com bom humor, disse que parecia “um filme de Velho Oeste”. No terreno diplomático, as mais de 40 solicitações para encontros bilaterais recebidas pelo Itamaraty davam a dimensão da relevância brasileira. “A demanda por encontros com a presidenta revela que boa parte do mundo já enxerga o Brasil como parte das soluções dos problemas globais”, afirmou o chanceler Patriota.

Mais cedo, no discurso na ONU, Dilma marcou posição na questão mais delicada dessa reunião anual da organização: o ingresso oficial da Palestina para o quadro das nações com voz na entidade. A presidente não usou meias palavras. “Acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a título pleno. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos.” Obama, ao falar logo em seguida, foi na direção contrária. Sarkozy, o terceiro a discursar, seguiu a trilha de Dilma.

O papel de estadista caiu tão bem à presidente quanto o modelo azul rendado, em tafetá de seda, assinado pela estilista gaúcha Luisa Stadtlander, que Dilma usou em seu principal compromisso. Os integrantes da comitiva relatam que, a despeito da tensão por conta do discurso, ela viveu em Nova York dias de lua de mel com o poder. Com ótimo humor, encontrou tempo para transformar-se em turista e, por alguns momentos, desfrutar dos atrativos da Big Apple. A presidente aproveitou o domingo livre para visitar o Metropolitan Museum. Pouco depois de se registrar no hotel, pediu a assessores que despistassem a imprensa. Acompanhada pela filha, Paula, saiu a pé por uma das muitas saídas do hotel e, em uma esquina próxima, entrou em um dos carros de sua comitiva. Ela estava interessada em visitar a exposição do holandês Frans Hals (1580-1666). Admirou especialmente o óleo sobre tela “Yonker Ramp and his Sweetheart”, de 1623. Durante a visita de cerca de uma hora, a presidente visitou ainda a ala japonesa do museu, no térreo do Metropolitan. Alguns ministros juntaram-se a Dilma e Paula e ficaram impressionados. “De repente ela começou a nos dar uma aula sobre arte japonesa, discorrendo sobre os diversos períodos e artistas. Ninguém sabia que ela conhecia tanto”, contou à ISTOÉ o ministro Orlando Silva, do Esporte. O almoço, em seguida, foi no Café Boulud, do chef francês Daniel Boulud, um dos mais prestigiados da cidade. A sugestão do restaurante partiu de Pimentel, que checou o endereço no Google Maps pelo smartphone. Dilma comeu salmão defumado. Na saída, foi aplaudida por um grupo de turistas brasileiros. Atendeu aos pedidos para fazer fotos e voltou a pé para o hotel.

No dia seguinte, após um debate sobre saúde na ONU, a escapada foi até a livraria Rizzoli. Por mais de meia hora ela bisbilhotou prateleiras até decidir comprar um CD da cantora de jazz americana Stacey Kent. Dali, caminhou até o Museu de Arte Moderna (MoMA), onde almoçou. “Era sempre reconhecida por brasileiros, que pediam para fazer fotos com ela. Nós acabamos nos tornando fotógrafos deles”, relata o ministro Silva. Na quarta-feira, após o discurso na ONU, mais uma vez Dilma conseguiu fugir do protocolo, da segurança e da imprensa. Almoçou tranquila no restaurante Le Bernardin, também endereço festejado na gastronomia da cidade. Ela e a comitiva optaram pelo menu executivo do almoço, uma pechincha por 49 dólares por pessoa (no jantar, os preços partem de 140 dólares). Comeram salmão de entrada, um filé de bacalhau e sobremesa. Brindaram com vinho. Na saída, ao ver o tráfego travado na rua 51, propôs nova caminhada de volta ao Waldorf Astoria. Em cerca de um quilômetro de percurso, apreciou vários marcos turísticos da cidade, como a casa de shows Radio City Music Hall, o Rockefeller Center e a catedral de Saint Patrick. Na semana em que a francesa Christine Lagarde comandou sua primeira reunião anual como diretora-geral do FMI e em que a ex-presidente chilena Michelle Bachelet foi empossada como a primeira diretora da recém-criada ONU Mulher, Dilma, no topo do poder, estava mais do que à vontade.

Líder emergente

Dilma Rousseff fez seu batismo de estadista na abertura da Assembleia da ONU. Ela se diferenciou de Lula, falou em nome dos emergentes, criticou a atuação das nações ricas e deixou o Brasil mais perto de uma vaga no Conselho de Segurança
Luiz Fernando Sá, enviado especial a Nova York

PELA PRIMEIRA VEZ, UMA MULHER

Representantes de 191 países aplaudiram o discurso de Dilma, que inaugurou o debate na ONU

Bastou uma única frase. “Pela primeira vez na história das Nações Unidas uma voz feminina inaugura o debate geral.” A mais qualificada audiência do mundo, com mais de uma centena de chefes de Estado e representantes oficiais de 191 países, irrompeu em aplausos. Dilma Rousseff calou-se por alguns segundos antes de prosseguir. E saboreou um momento histórico. Do púlpito da Assembleia da Organização das Nações Unidas sentiu-se no topo do mundo, ovacionada pelos líderes das superpotências, dos países em conflito, daqueles que buscam reconhecimento ou simplesmente a sobrevivência de populações famélicas. “É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna que tem o compromisso de ser a mais representativa do mundo”, continuou. A presidente brasileira seguia, na manhã da quarta-feira 21, em Nova York, uma tradição: primeiro país a assinar a carta de fundação da ONU, cabe ao Brasil o papel de fazer o discurso de abertura dos trabalhos da entidade. Nunca antes, em 66 anos, porém, uma mulher havia vivido esse papel. Dilma, portanto, fez história. E pontuou esse fato em cada linha de seu pronunciamento.

Uma Dilma tensa, com um assumido “frio na barriga”, entrou no plenário da ONU. Uma Dilma realizada, confirmada como estadista em seu batismo de guerra, saiu de lá menos de meia hora depois. “Estou realizada por ter representado bem todas as mulheres do mundo”, disse à ISTOÉ no começo da tarde daquela quarta-feira ao cruzar o saguão do hotel Waldorf Astoria, palco dos encontros bilaterais com outros chefes de Estado. A presidente trabalhou duro até o último minuto para que cada vírgula estivesse em seu lugar, deixando bem claras as posições do Brasil sobre temas cruciais nos debates globais. Nos últimos dias antes de sua estréia nos salões globais, ela fez uma série de revisões no texto do discurso, que começou a ser preparado semanas antes pelo Itamaraty e pelo assessor para assuntos internacionais Marco Aurélio Garcia. Na segunda-feira 19, Dilma e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, avançaram noite adentro fazendo ajustes. Na manhã da terça-feira, ela mais uma vez debruçou-se sobre a peça. Uma de suas preocupações foi mostrar personalidade própria e não uma mera continuidade da gestão Lula. Outra, mais prosaica, foi com o tempo. Fez vários cortes, cirúrgicos, no discurso para que sua permanência na tribuna não excedesse 25 minutos. Só no final da tarde da terça entregou a redação final ao Itamaraty, que já demonstrava preocupação com o prazo para providenciar as traduções para os vários idiomas representados na ONU.

O resultado foi uma fala concisa, objetiva e repleta de significados. Dilma cumpriu com êxito seu objetivo de diferenciar-se de Lula. A questão feminina, nesse quesito, mostrou-se muito útil, assim como sua condição de militante contra a ditadura militar nos anos 60 e 70. Foi através dela que a presidente deu um tom de emoção ao pronunciamento. “Junto minha voz às das mulheres que ousaram lutar, que ousaram participar da política e da vida profissional e que conquistaram o espaço de poder que me permite estar aqui hoje. Como mulher que sofreu tortura no cárcere, sei como são importantes os valores da democracia, da justiça, dos direitos humanos e da liberdade”, pontuou no trecho final do discurso. “Na língua portuguesa, palavras como vida, alma e esperança pertencem ao gênero feminino. E são também femininas duas outras muito especiais para mim: coragem e sinceridade”, disse logo na abertura. “Essas duas palavras retratam muito bem o que foi o discurso da presidente e a fantástica repercussão que tivemos já na saída do plenário”, afirmou à ISTOÉ o ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores. “Muitas mulheres vieram abraçá-la nos corredores da ONU e já recebemos congratulações de vários chefes de Estado pelas posições assumidas por ela.”

Um primeiro balanço extraoficial feito por diplomatas do Itamaraty aponta que, ao ser menos retórica e mais firme em suas posições e ao fazer um pronunciamento menos centrado no Brasil e em seus feitos e mais voltado às grandes questões globais, Dilma ampliou o efeito de suas palavras e alçou o País a um patamar mais próximo do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O próprio Conselho foi um dos temas centrais tanto do discurso quanto de seus encontros bilaterais. A presidente lembrou que a discussão em torno da reforma do órgão já dura 18 anos e que, sem uma participação maior dos países em desenvolvimento, o Conselho perdeu credibilidade e eficácia. “O Brasil está pronto para assumir suas responsabilidades como membro permanente”, afirmou, sem, no entanto, fazer concessões às potências que tradicionalmente selam o destino dessas discussões. Ao tratar do atual cenário de crise econômica global e dos conflitos no Oriente Médio, Dilma não hesitou em apontar o dedo e cobrar responsabilidades, sobretudo dos Estados Unidos, da China e da comunidade europeia. As mensagens foram claras, embora a linguagem da diplomacia tenha evitado citações diretas.

DESPEDIDA

Para Barack Obama, presidente americano que falaria em seguida, endereçou alguns torpedos e alfinetadas. Primeiro: “Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É, permitam-me dizer, por falta de recursos políticos ou de clareza de ideias”. Outro: “Ficam presos na armadilha que não separa interesses partidários daqueles interesses legítimos da sociedade”. Ou então: “A busca da paz e da segurança no mundo não pode limitar-se a intervenções em situações extremas. O mundo sofre hoje as dolorosas consequências de intervenções que agravaram conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia, inaugurando novos ciclos de violência, multiplicando os números de vítimas civis”. No capítulo econômico do discurso, Dilma mandou recados para a Europa e ressaltou o modelo brasileiro de combate à crise. “É significativo que a presidenta de um país emergente, que vive praticamente um ambiente de pleno emprego, venha falar aqui hoje, com cores tão vívidas, dessa tragédia que assola, em especial, os países desenvolvidos.” E sobrou para a China: “Países altamente superavitários devem estimular seus mercados e, quando for o caso, flexibilizar suas políticas cambiais, de maneira a cooperar para o reequilíbrio da demanda global”.

Dilma deixou Nova York, na quinta-feira 22, maior do que quando chegou, no domingo 18. Já desembarcou nos EUA cercada de expectativas. Foi apresentada à sociedade americana por uma reportagem de capa na revista “Newsweek”, que a tratou como uma espécie de xerife no comando de um país em crescimento, mas ainda carente de ordem. O texto, sob o título “Don’t mess with Dilma” (não mexa com Dilma, numa tradução livre) usava expressões como “Dilma dinamite” e foi considerado extremamente positivo pela comitiva brasileira. Ainda antes de ler a íntegra, a presidente, com bom humor, disse que parecia “um filme de Velho Oeste”. No terreno diplomático, as mais de 40 solicitações para encontros bilaterais recebidas pelo Itamaraty davam a dimensão da relevância brasileira. “A demanda por encontros com a presidenta revela que boa parte do mundo já enxerga o Brasil como parte das soluções dos problemas globais”, afirmou o chanceler Patriota.

Mais cedo, no discurso na ONU, Dilma marcou posição na questão mais delicada dessa reunião anual da organização: o ingresso oficial da Palestina para o quadro das nações com voz na entidade. A presidente não usou meias palavras. “Acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a título pleno. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos.” Obama, ao falar logo em seguida, foi na direção contrária. Sarkozy, o terceiro a discursar, seguiu a trilha de Dilma.

O papel de estadista caiu tão bem à presidente quanto o modelo azul rendado, em tafetá de seda, assinado pela estilista gaúcha Luisa Stadtlander, que Dilma usou em seu principal compromisso. Os integrantes da comitiva relatam que, a despeito da tensão por conta do discurso, ela viveu em Nova York dias de lua de mel com o poder. Com ótimo humor, encontrou tempo para transformar-se em turista e, por alguns momentos, desfrutar dos atrativos da Big Apple. A presidente aproveitou o domingo livre para visitar o Metropolitan Museum. Pouco depois de se registrar no hotel, pediu a assessores que despistassem a imprensa. Acompanhada pela filha, Paula, saiu a pé por uma das muitas saídas do hotel e, em uma esquina próxima, entrou em um dos carros de sua comitiva. Ela estava interessada em visitar a exposição do holandês Frans Hals (1580-1666). Admirou especialmente o óleo sobre tela “Yonker Ramp and his Sweetheart”, de 1623. Durante a visita de cerca de uma hora, a presidente visitou ainda a ala japonesa do museu, no térreo do Metropolitan. Alguns ministros juntaram-se a Dilma e Paula e ficaram impressionados. “De repente ela começou a nos dar uma aula sobre arte japonesa, discorrendo sobre os diversos períodos e artistas. Ninguém sabia que ela conhecia tanto”, contou à ISTOÉ o ministro Orlando Silva, do Esporte. O almoço, em seguida, foi no Café Boulud, do chef francês Daniel Boulud, um dos mais prestigiados da cidade. A sugestão do restaurante partiu de Pimentel, que checou o endereço no Google Maps pelo smartphone. Dilma comeu salmão defumado. Na saída, foi aplaudida por um grupo de turistas brasileiros. Atendeu aos pedidos para fazer fotos e voltou a pé para o hotel.

No dia seguinte, após um debate sobre saúde na ONU, a escapada foi até a livraria Rizzoli. Por mais de meia hora ela bisbilhotou prateleiras até decidir comprar um CD da cantora de jazz americana Stacey Kent. Dali, caminhou até o Museu de Arte Moderna (MoMA), onde almoçou. “Era sempre reconhecida por brasileiros, que pediam para fazer fotos com ela. Nós acabamos nos tornando fotógrafos deles”, relata o ministro Silva. Na quarta-feira, após o discurso na ONU, mais uma vez Dilma conseguiu fugir do protocolo, da segurança e da imprensa. Almoçou tranquila no restaurante Le Bernardin, também endereço festejado na gastronomia da cidade. Ela e a comitiva optaram pelo menu executivo do almoço, uma pechincha por 49 dólares por pessoa (no jantar, os preços partem de 140 dólares). Comeram salmão de entrada, um filé de bacalhau e sobremesa. Brindaram com vinho. Na saída, ao ver o tráfego travado na rua 51, propôs nova caminhada de volta ao Waldorf Astoria. Em cerca de um quilômetro de percurso, apreciou vários marcos turísticos da cidade, como a casa de shows Radio City Music Hall, o Rockefeller Center e a catedral de Saint Patrick. Na semana em que a francesa Christine Lagarde comandou sua primeira reunião anual como diretora-geral do FMI e em que a ex-presidente chilena Michelle Bachelet foi empossada como a primeira diretora da recém-criada ONU Mulher, Dilma, no topo do poder, estava mais do que à vontade.

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