domingo, 18 de setembro de 2011

Paul Singer fala da crise do capitalismo

Em entrevista exclusiva à reportagem da revista e TV Linha Direta, o secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, Paul Singer, avalia a crise da economia norte-americana carrega traços similares à Grande Depressão de 1929.

Economista, professor da Universidade de São Paulo aposentado e secretário do Planejamento no governo Erundina, Singer analisa que há um “aguçamento da luta de classes”, mas está confiante que o País não será afetado em razão das medidas de controle do capital especulativo e política do pleno emprego, adotadas pelo governo de Dilma Rousseff. Na entrevista, ele falou também à reportagem sobre as possibilidades da economia solidária no atual cenário. Confira:

Linha Direta - Qual a sua avaliação do impasse que se criou dos EUA nesse cenário de crise sobre o teto da dívida? Isso é uma questão de estratégia eleitoral como dizem os especialistas?
Paul Singer - É mais do que uma estratégia eleitoral nas eleições do ano que vem para presidente dos Estados Unidos, onde Barack Obama será candidato novamente. É o aguçamento da luta de classes. E se trata da presença do Estado na economia americana. A direita, representada pelo Partido Republicano, defende os interesses de milionários. Insiste que eles paguem menos impostos que o resto do povo, por incrível que pareça é exatamente isso que eles pregam. Na época que eles governavam os EUA, durante oito anos sob [a Presidência de George] Bush, oito anos, houve uma forte redução dos impostos aos muito ricos. A ideia é que isso ia gerar emprego. Quer dizer, os muito ricos iam aproveitar o dinheiro que eles não pagariam mais ao governo para investir, ampliar a economia, isso seria bom para todo mundo. Aconteceu ao contrário.

Veio a crise, o desemprego está alto e os milionários não pagam impostos. Então, o americano quer deixar terminar essa legislação do presidente Bush. O que implica no aumento novamente dos impostos sobre os muito ricos e com isso reduzir o déficit do governo americano.

O Obama se comprometeu a criar, a estender a saúde pública para eles. Ele venceu [as eleições], não conseguiu tudo o que queria, mas bastante. Aí os republicanos dominaram a Câmara dos Deputados. Os democratas continuam com maioria no Senado. Daí o impasse.

LD - Professor, essa crise na maior economia do mundo tem alguma semelhança com a crise de 29? E emendando: hoje, vários países da Europa também vivem um desemprego fortíssimo, cortes sociais...
PS - As crises são análogas, não são exatamente iguais. Quando a crise de 2008 começou, todos os governos do mundo passaram a ampliar o seu gasto público, que é uma forma anticíclica. A crise consiste na queda da demanda. As pessoas não recebem crédito, o sistema financeiro estava numa crise enorme e a falta de crédito significa menos consumo e menos investimento. Se não há compra a prazo encalham as mercadorias, a indústria tem que reduzir a produção e as pessoas ficam desempregadas. Milhões perderam seus empregos em 2008 e 2009, em 2010 é que começou a ser superada. Porque a demanda pública substitui a privada de certa forma. O Brasil escapou da crise por uma ampliação forte da demanda pública, principalmente o [Programa de Aceleração do Crescimento] PAC e o Minha Casa Minha Vida. Aqui a repercussão da crise foi muito mais fraca ou mais limitada do que na Europa e também nos Estados Unidos.

LD - Numa economia globalizada, financeirizada, de que forma essa crise pode afetar o Brasil? Em 2008 o Governo Lula disse que a crise seria uma marola e o Brasil conseguiu sair muito bem daquele momento.
PS - Foi. Ele [Lula] estava inteiramente certo. Ele blindou a economia brasileira e a presidenta Dilma fará o mesmo, acredito. Há duas formas que o Brasil pode ser afetado. Uma é financeira: a fuga de capitais brasileiros e também não brasileiros do Brasil. Essa hipótese não acontecerá se tiver o tal calote. Isso enfraquece o dólar, logo vão querer vender os dólares e comprar real. Isso nos afeta porque torna nossos produtos muito caros lá fora. Hoje há um déficit na conta externa na parte industrial. Antes substituíamos o que importávamos por produto nacional, foi a maneira de nos industrializarmos. Nos últimos anos, estamos importando e deixando de produzir aqui.

LD - O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou em entrevista recente que para conter a inflação se preciso for o governo adotaria medidas de restrição ao crédito. Não é uma situação perigosa para o governo em relação à população?
PS - É um dilema. A inflação brasileira hoje está acima do desejado. O plano é de que a inflação se mantenha 4,5% ao ano. O Governo Lula praticamente obteve isso todos os anos, mas deixou uma inflação maior para a Dilma que está hoje no limite superior, em 6,5%, chega a 7%. Não é uma inflação alta para quem viveu as últimas décadas 4,5 ou 6,5% de inflação semanal. Era 50 vezes maior. Mas essa experiência traumática que tivemos anos e anos é um dilema.

O diagnóstico no Brasil hoje é de que temos uma economia muito aquecida. Se não fizer nada e a inflação for para 8%, 9% isso pode levar a uma pressão muito grande sobre os salários.  Estamos em pleno emprego. O desemprego está por volta de 6% e chegou a mais de 20%, conforme a metodologia do Dieese, que é a melhor porque mede não somente o desemprego explícito, mas o oculto. É o mais baixo dos últimos 30 anos.

LD - Qual a posição que vai ocupar a economia solidária nessa economia que parece cada vez mais financeirizada? Há espaço para a economia solidária?
PS - Tem esse espaço, e ele é necessário... A economia solidária está crescendo no mundo inteiro. Está crescendo muito no Brasil, porque tem o apoio do governo brasileiro desde 2003. Cresce na Argentina, está crescendo na Bolívia, Equador, Venezuela, no México. Estou falando só dos países da América Latina, mas está crescendo na África, Ásia e Europa, porque não depende do desemprego.

A economia solidária cria o seu próprio trabalho. Ela é autogestionária, então os desempregados, precisamente os jovens se organizam, se colocam no mercado e conseguem trabalhar, conseguem ganhar e não ser apenas explorados e alienados.

LD - Quanto a economia solidária cresceu no Brasil?
PS - Estamos fazendo um mapeamento da economia solidária desde 2005. Em 2007, havia um 1,7 milhão de pessoas na economia solidária. Nossa estimativa é que pelo menos 3 milhões de brasileiros estão hoje na economia solidária. É 3% da população economicamente ativa. Considerando que a economia solidária não tem mais do que 20 anos de desenvolvimento mais forte no Brasil, é significativo. Será bem maior no futuro.

LD – Professor, fala para gente sobre uma experiência que está tendo êxito, incentivando outras comunidades em trabalhar?
PS - A Uniforja, que já foi a maior forjaria da América Latina e depois que entrou em crise, por volta de 1998, os trabalhadores assumiram [o controle] e estão lá há 13 anos. Há muitas. Cerca de 150 no Brasil que foram empresas capitalistas, hoje prosperam sob a autogestão dos trabalhadores. Temos por volta de 20 a 30 mil empresas de economia solidária de todos os tamanhos. Só o MST tem por volta de 500 mil famílias assentadas no Brasil e todas em economia solidária. São dezenas de cooperativas agrícolas. O governo está ampliando o apoio tecnológico e eles estão se saindo bem. O MST é um exemplo importante.

Fonte: site do PT de São Paulo

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