Por Jadson Oliveira, 21.09.2011
Local em que Lamarca e Zequinha foram mortos, nas proximidades do povoado de Pintada; pertinho daí está sendo construído o Santuário dos Mártires (Foto: Jadson Oliveira)
Foram dois dias de atos públicos, celebrações e exibições de filme, dias 17 e 18 de setembro, tendo como centro principal a pequena cidade de Brotas de Macaúbas, a 600 quilômetros de Salvador, no semi-árido baiano, para marcar os 40 anos do assassinato do guerrilheiro Carlos Lamarca (capitão do Exército) e seu companheiro de militância política José Campos Barreto, o destemido Zequinha. E para seguir o processo de resgate da memória e da verdade, mostrando que, além do reconhecimento oficial, cresce a certeza na mente do povo de que os dois patriotas foram isso, patriotas, e não “terroristas” como queriam os agentes da ditadura (1964-1985), ou seja, os verdadeiros terroristas que agiam em nome do terrorismo de Estado.
Os dois mártires, para usar um termo mais do agrado da Igreja Católica, foram mortos por um comando do Exército chefiado pelo então major Nilton Cerqueira, no dia 17 de setembro de 1971, em Pintada, a 23 quilômetros da cidade de Brotas, povoado do município vizinho de Ipupiara. Quase dois meses antes, cerca de 200 repressores da ditadura – aí com a participação do delegado Sérgio Fleury, conhecido torturador e chefe de esquadrão da morte – tinham atacado os familiares de Zequinha e moradores de Buriti Cristalino, povoado de Brotas a 26 quilômetros da sede do município, em cujas proximidades estava escondido Lamarca, que fugia da repressão nas grandes cidades. Buscavam “o capitão da guerrilha”, como diz no título o livro de Emiliano José e Oldack Miranda. Por isso, os eventos do final de semana se deram também em Pintada e em Buriti.
Além de Lamarca e Zequinha, outros heróis que morreram pela liberdade e pela causa popular tiveram seus nomes gritados na praça central de Brotas (Praça Dr. João Borges) e chancelados pelo brado simbólico de “presente!”. Estiveram “presentes” Otoniel Barreto, irmão de Zequinha, e Santa Bárbara (então chamado “professor Roberto”, militante, como Lamarca e Zequinha, do MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro), mortos no ataque da repressão em Buriti Cristalino.
Seis mártires sacrificados na luta pela justiça social
Também “presente” Josael de Lima, da cidade da Barra, sede da diocese da qual fazem parte Brotas de Macaúbas e Ipupiara. O “companheiro Jota”, como é conhecido na região, era da Fundifran, Fundação de Desenvolvimento Integrado do (Rio) São Francisco, e líder da luta pela reforma agrária. Foi assassinado em 21 de maio de 1986. Sua viúva Josefa Elze de Jesus falou no palanque da praça de Brotas sobre a luta e os sonhos de justiça do marido. E esteve na missa dirigida por Dom Frei Luís Flávio Cappio (bispo da Diocese de Barra) no coreto do povoado de Buriti, onde homenageou os mártires da região, sob o tema “A força do destemor”.
Mais um estava “vivo” entre as centenas de pessoas que reverenciaram os lutadores do povo: Manoel Dias, pequeno agricultor que enfrentou as forças do latifúndio no município de Muquém do São Francisco, a 700 quilômetros de Salvador, também da Diocese de Barra. Foi assassinado em 8 de setembro de 1982, conforme relato por escrito distribuído pelo padre Bertolomeu Gorges.
Estes seis heróis foram lembrados ainda em ato público no Santuário aos Mártires, que está sendo construído em Pintada, bem junto ao local onde Lamarca e Zequinha foram metralhados. E também durante as exibições do belo documentário “Do Buriti à Pintada – Lamarca e Zequinha na Bahia”, de Reizinho Pereira dos Santos. Toda esta programação (dias 17 e 18) fez parte do 3º. Fórum Direito à Memória e à Verdade e da 11ª. Celebração aos Mártires, com o patrocínio da Prefeitura de Brotas (administrada desde 2009 pelo Partido dos Trabalhadores, PT) e da Diocese de Brotas.
E houve mais um herói, este realmente presente (sem aspas), em carne e osso, na maioria dos eventos que emocionaram os moradores e visitantes da região, de Salvador e de outras cidades do país, como a paulista Osasco, onde Zequinha se destacou na famosa greve dos metalúrgicos em 1968. Trata-se de Olderico Barreto, outro irmão de Zequinha, que teve seu sangue derramado na “guerra” de Buriti (ferido, torturado e preso), mas sobreviveu e não se cansa de contar os detalhes do terrível massacre. Esteve frente à frente com o carrasco Fleury e foi tachado de “bicho” pelos repressores, espantados com sua bravura e desapego à vida e à dor (merece um relato à parte).
Autoridades e políticos exaltaram feitos dos governos petistas
Várias autoridades participaram das homenagens aos lutadores pela justiça social, pela democracia e pelo socialismo (pelo menos Lamarca, Zequinha e Santa Bárbara, no caso desta terceira bandeira). A maioria delas, ligadas ao PT, exaltou também os feitos dos governos municipal, estadual e federal.
Discursaram do palanque na praça de Brotas, dentre outros, Roque Aparecido, sociólogo, participante da coordenação dos eventos e companheiro de Zequinha na greve de Osasco em 1968; Litercílio Júnior, prefeito de Brotas; Alviney Oliveira, presidente municipal do PT; Olderico Barreto; deputado Yulo Oiticica, líder do PT na Assembleia Legislativa; deputada estadual Neusa Cadore (PT); deputado federal Amauri Teixeira (PT); Jonas Paulo, presidente estadual do PT; professor Albino Rubim, secretário estadual de Cultura; e Nilmário Miranda, presidente da Fundação Perseu Abramo e ex-ministro dos Direitos Humanos.
(*) Jadson Oliveira é jornalista baiano e vive viajando pelo Brasil, América Latina e Caribe. Atualmente está em Salvador (BA). Mantém o blog Evidentemente (blogdejadson.blogspot.com).
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