Imagem: FinalMetal Art
Em 13 de outubro de 2008, depois de uma semana da cobertura-espetáculo da mídia e sua habitual sede de sangue, José Serra – então governador de São Paulo – resolveu dar um basta naquilo que podia comprometer sua imagem na caminhada rumo ao Planalto em 2010. Deu ordens para que a PM acabasse com o episódio “Eloá” de uma vez por todas. A inesperada ação de guerra, com tiros e bombas seguidos de invasão pela porta e janela do apartamento onde Lindemberg Alves, inconformado com a separação, mantinha a ex namorada e sua amiga como reféns, induziu o rapaz a atirar nas meninas. Eloá morreu e sua amiga Nayara foi gravemente ferida.
Não estou aqui defendendo o assassino. Mas quem se lembra do episódio que martelou a opinião pública nas rádios, jornais e TVs a nível de um BBB durante 5 dias, sabe que tudo caminhava para a rendição do rapaz e a libertação das moças sem que ninguém saísse ferido. Lindemberg já dava claros sinais de esgotamento físico e psicológico. Àquela altura, sua rendição era uma questão de pouco tempo. Tanto que, numa atitude sem precedentes, a própria PM autorizou Nayara – que já tinha sido libertada por Lindemberg – a retornar ao apartamento para finalizar as negociações com o rapaz. Eloá morreu pelas mãos de um idiota, inconformado por ter perdido a namorada. Mas quem acionou o gatilho foi a ação desastrosa da PM paulista comandada por um político sem escrúpulos e obcecado em ser presidente.
A cada 5 minutos, uma brasileira é vítima de agressão passional ou sexual. Além dos casos espetacularizados pela mídia, há milhares de anônimas, menores de idade e crianças vítimas de namorados, maridos, pais, parentes, vizinhos… Uma dessas milhares de vítimas – Maria da Penha, acabou dando seu nome a uma lei que pretende inibir os ataques às mulheres. Para quem não sabe, a Lei Maria da Penha, acaba de ganhar um complemento que permite à justiça indiciar o agressor de uma mulher mesmo que ela não o denuncie. É um avanço pequeno, quase que irrelevante, diante do enorme problema da violência contra a mulher no mundo inteiro e particularmente no Brasil, o reino da impunidade.
Se Naji Nahas, Daniel Dantas, ou Paulo Maluf – esse então nem se fala (“tá com desejo sexual? estupra, mas não mata”) – agredirem uma mulher, vão em cana? Levanta o dedo quem não souber a resposta! Pra usar uma figura de linguagem bem bobinha até: todos esses tem um supremo presidente do supremo na manga.
E se um ex-morador do Pinheirinho agredir uma mulher? Melhor não pagar pra ver. Por muito menos que isso, Alckmin ferrou a vida deles e a de seus filhos. Sim, porque agredir uma mulher é um crime muito, mas muito mais grave que invadir um terreno abandonado, viver nele por 8 anos, construir sua primeira casa própria tijolo por tijolo, e nela comemorar os 8 aniversários do seu filho mais velho.
No Brasil, agredir ou matar uma mulher “não dá em nada”. De que adianta uma lei que denuncia crime e criminoso mas não leva à punição do infrator? Sim, porque nem assassinatos a justiça pune – que dirá agressões. Que dirá, ainda, agressões às mulheres num país machista como o nosso. Ou alguém considera justo 5 anos de prisão – que é a pena máxima REAL (1/6 de 30 anos) – serem o castigo ideal para crimes como assassinar mulheres ou crianças de forma hedionda, premeditada, por motivo torpe e sem dar nenhuma chance de defesa?
No crime passional praticado pelo homem, há uma atenuante chamada “defesa da honra”. Os machos em geral dão tapinhas nas costas e perdoam o sujeito por ter defendido sua honra e matado a mulher que “lhe meteu chifres”. São comuns os casos onde o homem é obrigado a castigar a adúltera publicamente. Em muitos casos, juízes os absolvem ou os condenam a penas que mais parecem férias prolongadas. Sobram exemplos: desde os que envolvem famosos, até os que acontecem longe das capitais, onde a mulher é tratada como um sub-produto social. Por outro lado, até pouco tempo atrás, era permitido ao homem ter uma amante – desde que financiasse suas despesas básicas. Daí surgiram termos como “manteúda”.
Somos civilizados aparentemente. Mas, no fundo, muitos machos ainda seguem instintos primatas: a selvagem lei do mais forte – onde, fisicamente, a mulher é mais fraca. Na África pratica-se o “estupro corretivo” em lésbicas. Em alguns países árabes, pedófilos acusam a menina estuprada de tê-los seduzido – o que pode levá-la à morte por apedrejamento. Em outros, marmanjos com 30 anos de idade casam-se com meninas de 5, 6, 7 anos… Levam pra casa e, segundo suas leis, “podem brincar de tudo”, menos penetração. (A penetração só é permitida depois da primeira menstruação.) Absurdo? Revoltante? Sim – mas, ao menos fazem isso diante de toda a sociedade, de acordo com suas leis e costumes. Aqui se faz o mesmo, porém de forma velada, hipócrita. Em alguns lugares, qualquer um pode comprar e levar a filha de uma família pobre.
A violência contra a mulher no Brasil é cultural. A banalização do corpo é uma das causas. Os apelos que vão desde o mercado das cervejas, até as capas de revistas que abundam bundas nas bancas de jornal. Outra coisa que nos esbofeteia diariamente é a sexualização precoce das meninas que as TVs, descomprometidas por falta de um marco regulatório, promovem a fim de aumentar o mercado de consumo da beleza artificial. Tudo isso faz da mulher um objeto sexual descartável. E as leis terminam o serviço pela impunidade: Maria da Penha foi espancada diariamente pelo marido durante seis anos de casamento. Por duas vezes, ele quase a matou. Na primeira, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Levou 20 anos para ser julgado até que, finalmente fosse condenado. A pena do machão? Dois anos de prisão.
Podia listar aqui centenas de casos de injustiça contra as mulheres e a complacência social e jurídica aos seus carrascos. Estaria dando murro em ponta de faca. Além do machismo cultural predominante, as leis e punições no Brasil são um convite ao crime. Pobres Marias da Penha, Eloás e tantas outras de nomes diferentes e tragédia igual – reféns de toda a injustiça deste mundo.
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