de Marcos Rezende
“É necessário saber que, historicamente, havia duas espécies
de escravos: o negro da casa e o negro do campo. O negro da casa vivia junto do
senhor, na senzala ou no sótão da casa grande. Vestia-se, comia bem e amava o
senhor. Amava mais o senhor do que o senhor amava a ele. Se o senhor dizia: —
Temos uma bela casa. Ele respondia: — Pois temos. Se a casa pegasse fogo, o
negro da casa corria para apagar o fogo. Se o senhor adoecesse dizia: — estamos
doentes. Se um escravo do campo lhe dissesse ‘vamos fugir desse senhor’, ele
respondia: — Existe uma coisa melhor do que o que temos aqui? Não saio daqui. O
chamávamos de negro da casa. É o que lhe chamamos agora, porque ainda há muitos
negros de casa.”
Malcolm X
Em um dos seus discursos, cujo trecho reproduzi acima,
Malcolm X, um dos maiores ativistas negros pelos direitos civis posicionava-se
frente a muitos negros que agem a serviço dos brancos. Negros que não honram a
sua negritude e assim prestam um desserviço a comunidade negra, pois aos olhos
menos atentos parece que ele ascendeu, mas, na verdade, ele é uma fração que
age como serviçal e se coloca sempre ao lado do não negro por algum benefício,
seja salarial, seja “meritocrático”, ou por algum tipo de honraria que recebe
como forma de gratidão a “serviços prestados”.
O nigeriano Wole Sowinka, primeiro negro a receber o prêmio
Nobel de Literatura pronunciou a célebre frase: “O tigre não precisa proclamar
a sua tigritude. Ele salta sobre a presa e a mata”. Na verdade a postura de
alguns jornalistas como Heraldo Pereira demonstra como a frase de Sowinka é tão
atual.
Ora, é este o mesmo jornalista que se apresenta como um
funcionário ou um negro da Casa Grande da Rede Globo e nunca fez um comentário sequer
quando a emissora se posiciona contra as cotas, contra as comunidades
quilombolas e sobre qualquer tipo de avanço da comunidade negra. Este mesmo
jornalista não fez ou faz um único comentário ou reflexão acerca do livro “Não
somos racistas” escrito pelo seu chefe, o diretor de jornalismo da Rede Globo,
Ali Kamel. Este mesmo repórter se curva frente ao ministro Gilmar Mendes,
atitude diametralmente oposta à postura digna, honrada e altiva do
Excelentíssimo Ministro Joaquim Barbosa que o enfrenta e diz a verdade acerca
da postura de um ministro que representa a elite branca, burguesa,
aristocrática, ruralista, machista e homofóbica deste país.
Eis que, de repente, o repórter Heraldo Pereira, sempre
silencioso frente às maiores questões raciais deste país, sente a sua negritude
desrespeitada pelo Jornalista Paulo Henrique Amorim. Sem dúvida a postura é a
mesma que Malcolm X dizia em seu discurso. Um verdadeiro negro da Casa Grande.
O histórico de Heraldo Pereira o coloca como um indivíduo
subserviente a serviço da elite. E toma para si a dor do seu chefe, tentando
desqualificar um jornalista com posição de vanguarda e anti-racista como Paulo
Henrique Amorim (para quem não conhece basta visitar o site:
www.conversaafiada.com.br) e assim colocá-lo na posição de racista. Logo Paulo
Henrique Amorim, um dos poucos jornalistas da grande mídia deste país que
enfrenta verdadeiramente os representantes da elite e que é curiosamente
processado por todos eles. Só para exemplificar Ali Kamel, o famoso “não somos
racistas”, foi testemunha de acusação neste processo juntamente com o próprio
Gilmar Mendes.
Daí cabe um desagravo à figura de Paulo Henrique Amorim que,
ao utilizar o termo negro de alma branca, nada mais fez do que trazer à tona um
debate antigo, mas de forma antagônica à maneira tradicionalmente utilizada.
Outrora o termo negro de alma branca era utilizado em casos
de negros “educados”, “civilizados” e que agiam como brancos, com toda a
civilidade do outro. A expressão era utilizada com a idéia de um sujeito dotado
de polidez, um ser letrado, que avançou, apesar das adversidades a que os de
sua raça estavam expostos.
O que Paulo Henrique Amorim fez foi descortinar a expressão e
colocá-la como de fato deveria ser. O termo “negro de alma branca” deste modo
caracteriza-se como um negro a serviço de um determinado setor, uma pessoa que
não dignifica a sua ancestralidade e origem, ao se dispor a fazer determinado
papel, e quando não assume responsabilidade para com os seus. É como imaginar
um judeu nazista de pensamento ariano, para mim algo impensável.
Evoco então Milton Santos que pontuou: “É por isto que no
Brasil quase não há cidadãos. Há os que não querem ser cidadãos que são as
classes médias, e há os que não podem ser cidadãos que são todos os demais, a
começar pelos negros que não são cidadãos. Digo-o por ciência própria. Não
importa a festa que me façam aqui e ali, o cotidiano me indica que não sou
cidadão neste país… (sic) o meu caso é o de todos os negros deste país, exceto
quando apontado como exceção. E ser apontado como exceção além se ser
constrangedor para aquele que o é, constitui algo de momentâneo, de
impermanente, resultado de uma integração casual”.
Enfim, o que envergonhava Milton Santos serve de júbilo para
Heraldo Pereira. Uma lástima para nós, verdadeiramente negros de alma negra.
Marcos Rezende - Membro do Fórum de Entidades Nacionais de
Direitos Humanos e bacharel em História, Marcos Rezende lecionou em escolas
públicas e particulares buscando aproximação dos alunos com a história da
cidade, enfatizando a questão da desigualdade social e racial. Além de ser
principal voz de resistência contra o episódio da derrubada do terreiro Oyá
Onipó Neto, no Imbuí, presta auxílio a pequenas entidades e afoxés que
participam do Carnaval e atua com destaque no Coletivo de Entidades Negras
(CEN), organização não-governamental, sem fins lucrativos e sem vínculos
político-partidários, que tem o objetivo de estabelecer o diálogo e diminuir a
intolerância entre diferentes segmentos raciais e sociais. Também é Conselheiro
Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, recebeu a Medalha Zumbi
dos Palmares da Câmara Municipal de Salvador por serviços prestados a
comunidade negra. É Religioso do Candomblé.
(*) Rezende testemunhou a favor de Paulo Henrique Amorim no
processo no Crime. Jean Wyllys concordou também em ser testemunha no processo
Cível. E só não testemunhou porque PHA aceitou fazer um acordo com Heraldo
Pereira de Carvalho, para encerrar a ação. Já que Heraldo assinou o documento
em que diz que PHA não usou a expressão “negro de alma branca” “com “conotação
racista”. Clique aqui para ler “Heraldo diz que PHA não é racista”. Também o
ex-Ministro da Igualdade Racial e Deputado Federal Edson Santos teria sido
testemunha de PHA no Cível, não se tivesse encerrado a ação com o
reconhecimento de Heraldo Pereira de Carvalho.
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