Mauricio Dias – Carta Capital
As igrejas, sempre de costas para o futuro, continuam
intolerantes às renovações. No tempo do domínio católico no Ocidente, os
contestadores de falsas verdades eram atirados à fogueira, amaldiçoados pela Inquisição,
que não dava trégua a supostas heresias.
Nos dias de hoje, impotentes para ditar condenações capitais,
os inquisidores ordenam aos fiéis a punição de políticos que defendem propostas
dissidentes à doutrina que pregam. O aborto e a defesa da homofobia são os
exemplos mais gritantes. E irritantes. Em reação, eles promovem nas eleições a
“queima” de votos dos hereges e, com isso, cerceiam a liberdade do eleitor e
intimidam os candidatos.
Acuado
Assim agem os pregadores das igrejas evangélicas. São os
novos inquisidores.
Essa réplica tardia e infeliz do Tribunal de Inquisição
materializou-se no Congresso, onde foi depor o ministro Gilberto Carvalho, na
terça-feira 15 de fevereiro. Carvalho, secretário-geral da Presidência da
República, viu-se forçado a expiar publicamente “pecados” cometidos aos olhos
da poderosa bancada evangélica, transformada em braço executivo de diversas
igrejas religiosas.
“O pedido de desculpas, de perdão, não foi pelas minhas
palavras, e sim pelos sentimentos que provocaram”, disse o ministro.
Qual foi a heresia? Gilberto Carvalho, durante o Fórum Social
Mundial, manifestou preocupação política com os evangélicos: “A oposição virou
pó (…) a próxima batalha ideológica será com os conservadores evangélicos que
têm uma visão de mundo controlada pelos pastores de televisão”.
Carvalho é católico fervoroso, mas também é militante
político. Petista. Em razão do cargo, não foi cauteloso, embora tenha falado
ingênuas obviedades. Não pregou o cerceamento de qualquer manifestação
religiosa. Mas foi o suficiente para despertar a ferocidade adormecida da
Frente Parlamentar Evangélica, na qual se destaca o senador capixaba Magno
Malta, que, entre outras ofensas, chamou o ministro de “irresponsável”.
Um parlamentar ateu presente ao encontro fechado à imprensa
descreve assim o ambiente naquele dia: “Os olhos dos senhores parlamentares
disparavam chispas de fogo, ódio, raiva e intolerância diante daquele enviado
do Maligno que se tornara ministro (…). O clima era pesado. Aquela reunião e a
Inquisição têm tudo a ver. Tenho certeza que não exagero. O problema para eles
era não poder acender a fogueira. Restavam-lhes as línguas de fogo, prontas a
queimar o demônio pecador”.
Serelepe, o deputado Anthony Garotinho, ex-governador do Rio
e evangélico atuante, também se destacou na ocasião. Sem sucesso, tentou forçar
o ministro a assinar um documento desmentindo as declarações publicadas, mas
diferentes do que falou, garantiu Gilberto Carvalho. O inquisidor fez, pelo
menos, uma declaração expressiva e inteiramente adequada ao ambiente criado.
“O perdão está para a Igreja assim como a anistia está para a
política”, comparou Garotinho.
Igreja e política. O desempenho de Garotinho aproximou ainda
mais aquela reunião no Congresso do espírito obscurantista assumido pelos
evangélicos. Nesse sentido, fazem uma repetição tardia do catolicismo
primitivo.
Os votos dos evangélicos, arma que usam no processo político,
talvez não sejam eleitoralmente decisivos. São muitos, é certo. O suficiente
para acuar candidatos em busca de votos. Com eles acuaram Dilma e Serra, na
eleição de 2010, e transformaram a competição em espetáculo para exibição de
medíocres Torquemadas.
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