domingo, 19 de fevereiro de 2012

"Suborno nas empresas é uma questão de oportunidade"

Na avaliação do especialista britânico Phillip Tarling, vice-presidente da Huawei,  todo mundo pode deixar-se corromper e aceitar suborno ou cometer uma fraude numa empresa.

Por Denize BACOCCINA

Na avaliação do especialista britânico Phillip Tarling, todo mundo pode deixar-se corromper e aceitar suborno ou cometer uma fraude numa empresa. Só depende da oportunidade. E de achar que não será pego no crime. Por isso, ele defende que as empresas criem mecanismos internos de controle. “As pessoas cometem fraudes porque têm a oportunidade. É preciso eliminá-la”, afirma Tarling, vice-presidente do Centro de Excelência de Auditorias Internas da Huawei, fabricante chinesa de produtos para telefonia. Ele também é vice-presidente do Instituto Internacional de Auditores Internos (Global IIA) e neste ano assumirá a presidência da entidade. No combate à corrupção dos recursos públicos, Tarling diz que as empresas têm sua parcela de responsabilidade, mas que cabe aos governos tomar a liderança, dando o exemplo e aprovando leis para punir quem comete os crimes. “Se o governo é percebido como corrupto, então o setor privado também pode pensar que não tem nada demais seguir  pelo mesmo caminho”, disse em entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO – Todo mundo fala em corrupção e desvios nos governos, mas isso também acontece nas empresas, não é?
PHILLIP TARLING – A extensão do problema depende do país em que você está e em que área trabalha, mas ele existe tanto no setor público quando no privado. Eu trabalhei bastante na África nos últimos anos. O Reino Unido fez no ano passado uma lei contra o suborno. Além do setor público, todo mundo que trabalha numa empresa privada britânica pode ser processado por corrupção. Vale para qualquer pessoa trabalhando para uma empresa britânica, em qualquer lugar do mundo. É como a lei americana, que também precisa ser respeitada por qualquer pessoa que estiver trabalhando para uma empresa americana, não importa a nacionalidade nem em que país está. Mas também acredito que há um padrão. Se o governo é percebido como corrupto e não mostra disposição de fazer nada para combater isso, então o setor privado pode pensar que não tem nada demais em ir pelo mesmo caminho. Os governos têm de liderar. Eles têm que dar o exemplo. Quando eu estava trabalhando na Letônia, descobrimos que uma coisa eficiente era ensinar as crianças nas escolas. É preciso começar com elas.

DINHEIRO – E como se faz isso?
TARLING – É preciso ir às escolas primárias, ensiná-las que a polícia não deve pedir dinheiro, que isso não é correto e que elas devem dizer aos pais para não fazerem mais isso. Os governos têm de liderar o processo.

DINHEIRO – E problemas dentro das empresas, coisas como superfaturamento das compras de fornecedores. São comuns casos desse tipo?
TARLING – Sim. É por isso que é preciso haver controle para que essas fraudes sejam detectadas e prevenidas.

DINHEIRO – Com que frequência se vê fraudes em empresas?
TARLING – Com bastante frequência. É difícil dizer com exatidão, mas várias pesquisas mostram que é bem comum. Um estudo recente mostra que a idade média dos fraudadores estava entre 35 e 49 anos. E  que tinham posições de gerência sênior.

DINHEIRO – Esses profissionais  não deveriam ser os  responsáveis por prevenir as fraudes nas empresas?
TARLING – Pois é, deveriam. Justamente as pessoas que cometem as fraudes são as que estão em posição de evitá-las. Ou seja, é preciso haver controles internos no mais alto nível. Não se pode concentrar apenas nos níveis mais baixos, mas olhar para toda a empresa. As maiores fraudes são praticadas por CFOs (diretores ou vice-presidentes  financeiros) ou CEOs (presidentes). É só olharmos para a Enron ou para a WorldCom.

DINHEIRO – De um modo geral, esses crimes de colarinho-branco são punidos?
TARLING – Geralmente as empresas evitam denunciá-los. Preferem simplesmente demitir o funcionário e ficar em silêncio. Mas o que eu digo aos meus clientes é que eles têm de divulgar o que aconteceu,  porque isso funciona como uma medida de prevenção. Se um funcionário vê alguém sendo processado por ter cometido uma fraude, ele vai pensar duas vezes antes de fazer algo parecido. O mesmo acontece na esfera pública. A pressão popular pode fazer as pessoas serem punidas. No Reino Unido, tivemos um escândalo com parlamentares no ano passado por causa de despesas irregulares. Dois lordes e três parlamentares foram presos e outros ainda são investigados. Isso só aconteceu porque houve um escândalo e a opinião pública não permitiu que ficassem impunes. Quando isso acontece na esfera do governo, é preciso que seja amplamente divulgado.

DINHEIRO – A não punição de um funcionário desonesto não afeta a moral da empresa como um todo, com os demais se sentindo injustiçados?
TARLING – É um problema. É por isso que eu digo que é preciso processar. É importante mostrar que os controles internos funcionam. Uma das razões pelas quais as pessoas cometem fraudes é porque elas têm a oportunidade. É preciso eliminá-la.

DINHEIRO – E como se faz isso?
TARLING – É necessário haver controles separados, dois registros separados sobre as compras da empresa, por exemplo. Só o fato de que aquelas operações podem ser checadas pode servir como inibidor. Não é preciso ser complicado. A maioria dos fraudadores será pega se houver mecanismos de controle. Eles sempre cometem erros. Sempre. Vão exibir  um carrão, uma viagem cara, um estilo de vida incompatível com os rendimentos. As pessoas também gostam de contar vantagem. Houve um caso de uma mulher na Grã-Bretanha, no ano passado, que fez uma festa de casamento muito cara e convidou o patrão, que achou estranho que ela tivesse dinheiro para tudo aquilo. Ele foi verificar e viu que ela vinha roubando a empresa havia muito tempo. Tenho certeza de que a maioria das fraudes será evitada. Ou, se não for evitada, será pega, se houver mecanismos de controle interno.

DINHEIRO – Existe uma estimativa do volume de fraudes cometidas nas empresas no mundo inteiro?
TARLING – Não, mas pode-se dizer que quanto mais se procura, mais a empresa encontra evidências de fraude. Não porque elas ocorrem mais, mas porque os casos vêm à tona.

DINHEIRO – Há mais desvios nas empresas privadas ou no setor público?
TARLING – Não diria que há mais em um ou em outro. O que posso dizer é: se tiver oportunidade, a pessoa vai fazer. Sempre digo que todo mundo pode cometer fraude, mas cada um tem um limite. Inclusive, já perguntei isso a mim mesmo. E o que me faria cometer uma fraude é um monte de dinheiro e nenhuma chance de ser pego. Porque não é nada bom ir para a cadeia. Acho que todo mundo tem isso dentro de si, mas nem todos têm a oportunidade e a mesma disposição de correr riscos. A minha disposição de correr risco, por exemplo, é muito pequena.

DINHEIRO – Altos níveis de corrupção num país podem afetar o fluxo de investimento estrangeiro?
TARLING – Certamente inibe o investimento estrangeiro. Por que a Transparência Internacional publica todos os anos o ranking de percepção de corrupção? As pessoas querem saber como um país funciona antes de fazer negócios.  É claro que depende de uma equação entre riscos e ganhos. Mas, se um governo é corrupto, ele também pode retroceder em suas decisões, pois não é confiável.

DINHEIRO – A corrupção é menor em países democráticos?
TARLING – Em tese, sim. Acho que devem-se olhar os dados elaborados pela Transparência Internacio­nal. Normalmente há uma correlação entre países democráticos e a percepção de corrupção.

DINHEIRO – O sr. trabalhou em várias ex-repúblicas soviéticas. O que encontrou?
TARLING – Varia muito. Houve casos em que as pessoas aproveitavam toda oportunidade que tinham para ganhar dinheiro. Mas entre os jovens havia uma sede de conhecimento. Muitos queriam mudar as coisas.

DINHEIRO – Está ganhando força, no mundo, a ideia de que corrupção é ruim?
TARLING – Acho que sim, mas ainda há muito para se avançar. Há poucos anos, nos Bálcãs, eu estava dando uma palestra, falando sobre desvios e alguém levantou a mão e disse: nós acabamos de sair da União Soviética, será que não podemos ter uns dez anos de corrupção, ganhar algum dinheiro e depois começamos a obedecer as regras? Eles argumentavam que o Reino Unido tinha passado por um longo processo de desenvolvimento e agora não deixava que eles fizessem o mesmo, queria que eles fossem honestos logo de cara. Acho que hoje estamos melhorando. Quando falo com pessoas na África, especialmente da classe média, elas não estão mais dispostas a tolerar certas coisas.

DINHEIRO – A classe média é a força por trás dessa mudança, pela consciência de que é o dinheiro delas que está em jogo?
TARLING – Acho que sim. Não sou especialista nisso, mas acho que o desenvolvimento da classe média funciona como uma barreira à corrupção, porque seus integrantes veem o que está acontecendo e sabem que é o dinheiro deles. À medida que aumenta o nível de educação de um país, mais gente toma consciência de que os políticos estão lá para cuidar do dinheiro deles e não para ficar andando de Mercedes por aí.

DINHEIRO – A crise de 2008 colocou em xeque a credibilidade das empresas de auditoria, já que algumas não viram a vulnerabilidade dos bancos e não alertaram para fraudes contábeis. Elas já se recuperaram daquele momento?
TARLING – As auditorias conseguiram recuperar sua credibilidade, porque na verdade a culpa é dos bancos, foram eles que cometeram os erros. Era muito difícil prever o que ia acontecer. Os bancos tinham alguns empréstimos bons misturados com outros ruins, por isso conseguiam boas notas das agências de classificação de risco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário