Postado por Sandra Recalde
Tendo visto a queda da União Soviética dez anos antes e tendo passado, então, pela experiência que só pode ser vista como uma das décadas econômicas mais bem-sucedidas em seus mais de duzentos anos de História, os EUA, no começo do novo milênio, pareciam estar no topo de um sistema internacional em que claramente enfrentavam desafios e problemas, mas nenhuma ameaça digna de ser chamada assim.
Pareciam de fato tão poderosos que poucos podiam se lembrar daquele breve momento de bastante ansiedade pouco antes do final da Guerra Fria, quando escritores como Paul Kennedy falavam com veemência sobre o inevitável declínio da república em longo prazo. Uma nação com déficits tão altos quanto os EUA – e com o fardo imperial que carregavam – simplesmente não poderia continuar administrando os assuntos mundiais. Havia apenas uma direção para o país seguir e, ele concluiu, era para baixo.
Que estranho tal linha de análise surgir quando o sempre otimista Bill Clinton passou a Presidência para George W. Bush em 2000. E quão longe da realidade esse ponto de vista parecia estar quando os EUA começaram a mobilizar sua grande quantidade de recursos em resposta ao que aconteceu em Nova York, em Washington e na Pensilvânia naquela clara manhã de terça em 2001.
Até os críticos ficaram, de início, profundamente impressionados; inclusive aquele velho “pessimista” Paul Kennedy, que escreveu, talvez como muito lirismo, em um artigo do início de 2002, sobre aquela ave de rapina do provérbio americano que exige respeito dos seus amigos e força até seus inimigos a se renderem a sua vontade. Com certeza não se tratava de um superpoder qualquer. Como ele reparou, essa águia muito especial estava então voando mais alto do que nunca. E ele não era o único com essa opinião.
Em todo o espectro político, dos críticos europeus à esquerda aos americanos neo-conservadores à direita, poucos pareciam preparados para contestar a idéia de que os Estados Unidos tinham mais do que uma vaga semelhança com os impérios do passado. Com uma diferença bem óbvia: essa nova Roma do Rio Potomac não entraria em declínio tão cedo; outro século a aguardava.
Vale a pena relembrarmos esse sentimento hoje se queremos avaliar de verdade o quanto a situação mudou desde o 11 de Setembro. Na virada do século, os americanos se sentiam autoconfiantes e os EUA agiam como se pudessem fazer quase tudo, até invadir o Iraque sem se preocupar muito com o impacto altamente perturbador que essa ação poderia ter tanto no Oriente Médio quanto na sua própria posição no mundo. Passou-se uma década e os Estados Unidos parecem irreconhecíveis.
Em primeiro lugar, mudaram no campo político. Há muitas razões para Barack Obama ter sido eleito no final de 2008. Porém, entre as mais importantes, está o simples fato de os americanos não se sentirem mais confiantes quanto à direção que o país seguia depois de dois períodos de administração republicana, que trouxeram a guerra do Iraque e a crise financeira de 2007. Se Obama cumpriu ou não todas as suas promessas é uma questão em aberto. O que não está em dúvida, no entanto, é que sua notável conquista foi possível, em grande parte, pela propagação da ideia de que os EUA estavam em crise e de que algo novo – e possivelmente radical – era necessário para restaurar a posição do país no mundo e até evitar que ele passasse por uma nova grande depressão.
Esse fato, por sua vez, levanta uma questão muito mais ampla sobre os próprios americanos. Por um período muito breve, o 11 de setembro e até a guerra do Iraque os uniram da maneira que apenas a guerra consegue unir. Porém, diferente da Guerra Fria, esse “embate” em especial contra a militância islâmica acabou dividindo o país, criando uma distância ideológica entre liberais e conservadores quase impossível de ser vencida. Também teve um efeito corrosivo na autoconfiança americana. Baixas nas tropas no Afeganistão e no Iraque, os enormes custos envolvidos nessas guerras e o medo de que os meios aplicados na luta contra um tipo especial de inimigo pudesse estar minando os valores centrais dos EUA não apenas prejudicaram bastante o amour propre dos americanos, mas os deixaram incertos quando à finalidade de seu país no mundo.
Essa situação já seria ruim o suficiente, mas o que contribuiu para a percepção americana de que o mundo não caminhava mais na sua direção foi, em primeiro lugar, o impacto que a crise econômica teve naquela idéia intangível chamada American way of life; somente um quarto dos americanos declarou, em 2011, que acreditavam que seus filhos teriam chances melhores do que eles tiveram. Além disso, há uma percepção ainda mais forte de que as mudanças que estão ocorrendo no mundo estão minando com rapidez a capacidade do país de moldar o que está acontecendo ao seu redor.
Nos últimos tempos, falou-se muito sobre o próximo século ser dominado pela Ásia e o eixo do poder afastar-se rapidamente do oeste para o leste. E ainda, conforme observaram economistas como Jim O'Neill da Goldman Sachs, há algum tempo, quando os EUA declaravam guerra no Oriente Médio e contra o Talibã no Afeganistão, outros – alguns dos chamados BRICs – pareciam preocupados em ganhar dinheiro, criar parcerias e sair da crise econômica bem mais rápido do que os EUA e seu aliados transatlânticos.
O que leva, por fim, à questão de equilíbrio de poder. Quando Bush assumiu a presidência, poucos questionaram a ideia de que o mundo era unipolar ou de que os EUA continuariam dominantes por muitas décadas. Para inventar uma expressão: havia poucas chances de o sol se pôr em sua forma única de império liberal, por muitas décadas. Seu futuro parecia seguro. Agora, o cenário é bem diferente. Com a China em ascensão e até comprando boa parte do débito americano; com novas potências como a Índia abrindo caminho para subir e com seus próprios recursos diminuindo em uma era de austeridade, hoje poucos falam da supremacia eterna dos EUA com a mesma confiança de antes.
Alguns podem continuar a apontar as grandes vantagens estruturais dos Estados Unidos; quantas grandes universidades eles têm; sua rara combinação de poder pela força e também pela diplomacia; o fato de continuarem sendo a única potência séria com alcance verdadeiramente global; o fato de suas corporações ainda representarem bem mais da metade das maiores do mundo e o fato de o dólar ainda responder por mais de 60% das transações internacionais.
No entanto, no cenário atual, esses argumentos parecem pouco convincentes para aqueles que insistem que, como resultado da mal concebida guerra contra o terror de George Bush, seguida pela crise financeira de 2007, o declínio americano agora é inevitável. Se essas previsões assustadoras realmente forem verdadeiras – mais verdadeiras do que jamais foram – ainda é uma pergunta para a qual não há uma resposta fácil. Nada está predeterminado, mas, uma década depois do 11 de Setembro, os Estados Unidos estão em uma posição bastante diferente e menos confiante do que quando G.W. Bush os herdou, no final de 2000. Talvez o momento de Kennedy tenha finalmente chegado
* Michael Cox é associado do Chatham House na área das Américas e professor de Relações Internacionais da London School of Economics. Artigo originalmente publicado no site da Chatham House.
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