sábado, 7 de janeiro de 2012

Mas que império é este?

Tio Sam em apuros. Tem de se haver com seus próprios banquieros. Imagem: iStockphoto

O império romano do Ocidente durou quase cinco séculos, sem contar o tempo que a República de Roma mandou no Mediterrâneo a partir das guerras púnicas. O Império Britânico não deixou por muito menos. Houve também influências culturais de porte imperial. A inteligência grega ao longo de vários séculos definiu as linhas mestras do pensamento humano. A Renascença italiana expandiu-se de Dante a Galileu por mais de 300 anos. Paris foi a capital cultural do planeta desde o Iluminismo até a Segunda Guerra Mundial. Nas últimas sete décadas falou-se no império americano, e mais ainda após o colapso do antagonista soviético. Mas, como no sonho bíblico, o gigante tem os pés de argila.

Quando ruiu o Muro de Berlim, houve quem comparasse Washington à antiga Roma, embora os presidentes americanos não se chamassem Augusto, Adriano, Tito, Marco Aurélio. Alguns estiveram mais para Nero. Quem se arriscou à comparação precipitou-se. Exagerou. A decadência ianque está à vista de todos e a sua razão mais evidente é a crise econômica provocada pelo ciclone neoliberal, com seu epicentro nos próprios bancos americanos.

O acompanhamento do formidável guisado fica à altura da monumentalidade do prato. Entram na receita os ímpetos desastrados da família Bush, a -mediocridade de Clinton, a impotência de Obama. Na sobremesa o Tea Party, o reacionarismo crescente, o empobrecimento progressivo de áreas outrora bem frequentadas, como a mídia. Só falta mesmo um presidente mórmon republicano, e outra comparação ocorrerá, com Rômulo Augústolo, derrubado pela invasão bárbara, de fora para dentro, desta vez de dentro para dentro.

Algumas ilhas de excelência resistem. Hospitais, institutos de pesquisa, universidades, cineastas e escritores de qualidade. Não bastam para abrandar o impacto de uma visão ampla e profunda, valem até, em certos casos, para acentuar a -gravidade da situação ao evidenciarem desmandos, mazelas, parvoíces. Quanto a bancos e banqueiros, é deles o papel de vilões. Um estudo sobre a rede global do poder financeiro, realizado pelo Instituto Federal Suíço de Tecnologia, publicado pela New Scientist, confirma. Soletra que menos de 150 multinacionais ditam as regras do chamado mercado e estrangulam a concorrência. Goldman Sachs, Barclays Bank e JP -Morgan figuram entre as 20 corporações mais importantes e decisivas.

Escreve Livia Ermini, do La Repubblica: “Não se trata da costumeira tese conspiratória (…) neste caso, nos defrontamos com uma análise que nada concede à especulação, a esquemas ideológicos, mas se baseia exclusivamente em dados estatísticos (…) o estudo reconstitui redes de relações e de participação que formam nós de poder nos mercados globais sem nascerem por isso de acordos selados debaixo dos panos”.

Os autores do estudo esclarecem que essas relações entre grandes empresas “em uma primeira fase de crescimento econômico podem ser vantajosas para a estabilidade do sistema”. A música muda abruptamente em tempos de crise: em toda concentração de poder, o colapso de uma empresa passa a ameaçar repercussões trágicas para toda a economia planetária.

Quais seriam as implicações no momento? É o que perguntam aos seus credenciados botões os responsáveis pelo trabalho. Impassíveis, os interlocutores solicitados respondem: ao se relacionarem entre si, as instituições financeiras visam a diversificar o risco. Expõem-se, contudo, à chance do contágio. “Nesta situação caracterizada por fortes relações de propriedade – é a assustadora conclusão – o risco da contaminação em cadeia fica atrás da esquina.”

Pois aí está: não é preciso espremer as meninges para entender que também esta crise a nos envolver a todos começa à sombra de um império tão frágil a ponto de se parecer com o aprendiz de mágico. O qual conhecia o abracadabra capaz de multiplicar as vassouras, mas não aquele que haveria de detê-las. Acabou varrido por elas. •

P.S.: Recomendo a leitura da coluna de Marcos Coimbra, à página 35, preciosa análise da patetice da mídia nativa, aplicada febrilmente na apresentação de um Brasil de pura ficção.

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