A ação policial na região da Cracolândia em São Paulo, que completa um mês nesta sexta-feira, pulverizou a compra e venda de drogas por diferentes regiões da cidade, e está ajudando a consolidar a substituição do modelo tradicional de bocas de fumo por um sistema ambulante de tráfico.
Na Rua Gusmões, no bairro de Campos Elíseos, no Centro, cerca de 200 pessoas se aglomeram, em diferentes momentos do dia, no meio da rua e nas calçadas, muitas à espera da próxima passagem do “pedreiro”, gíria dada ao vendedor de pedras de crack. “Antes, era mais tranquilo porque o pessoal ficava fumando crack sentado (na Cracolândia). Agora, temos que ficar andando o dia inteiro, fumando na frente de todo mundo”, disse à BBC Brasil um dependente que caminhava com o grupo “nômade”.
Comerciantes locais contrataram seguranças para expulsar grupos que se formam ocasionalmente na frente de suas lojas e evitar a criação de novos pontos fixos de compra e venda. “Não quero que eles fiquem muito confortáveis aqui”, disse um segurança que atua no local. “Eles não reagem com violência. Saem, mas voltam”, acrescentou.
Esse novo sistema de organização do tráfico e do consumo, mais móvel, está se mostrando um desafio para grupos que tentam recuperar dependentes como a ONG evangélica Esperança Viva, que atuava há anos na Cracolândia. “Antes, era mais fácil encontrá-los. Agora, ficou mais difícil. Temos que ir para onde vão. Muitas vezes, achamos que estarão em um ponto, mas não estão”, disse Herbert dos Santos Pinho Tavares, integrante da ONG.
Na Rua Guaianazes, também em Campos Elíseos, em plena luz do dia, uma multidão, muitos enrolados em cobertores, sujos e maltrapilhos, caminhava, na última terça-feira, devagar, aparentemente sem rumo certo. “Parecem zumbis do clipe do Michael Jackson (Thriller)”, disse o integrante de uma ONG.
Logística do tráfico
Para a secretária de Justiça de São Paulo, Eloísa Arruda, a operação foi importante para “quebrar a logística do tráfico”. O governo afirma que, até 2 de fevereiro, haviam sido apreendidos mais de 63 kg de drogas na região, sendo que 3,7 kg de crack. “Essa baixa quantidade de crack apreendida mostra que a ação talvez tenha alterado a boca (ponto de venda ilegal de drogas), que já estava decadente, mas o tráfico lucrativo é móvel, se desloca com o público. Não me parece que a quantidade tenha diminuído”, disse à BBC Brasil Daniela Skromov de Albuquerque do núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. “A impressão é de que os consumidores foram varridos e o tráfico, deslocado para áreas diferentes do centro expandido”, acrescentou.
Para Herbert Dos Santos Pinho Tavares, “a quantidade de drogas disponíveis para os usuários não mudou. Os dependentes foram espalhados para outras partes e os traficantes também.” A secretaria de Justiça do Estado nega que a dispersão dos usuários e traficantes tenha gerado outras Cracolândias menores. “Isso não é verdade. Sabemos que existem pequenas formações que alguns chamam de ‘mini-Cracolândias’. Nós sabemos que elas existem na cidade e nossa disposição é enfrentá-las”, disse Eloísa Arruda à BBC Brasil.
“Não é (certo) dizer que saíram todos da Cracolândia e foram para outras regiões. Uma boa parte dos que lá estavam procuraram serviços sociais”, completou. No entanto, a defensora pública Daniela Skromov diz não acreditar que a ação seja bem-sucedida já que “esse pessoal não vai deixar de consumir”.
“É, no fundo, iludir a população no sentido de que o combate ao tráfico está sendo feito. Ele está sendo feito equivocadamente porque não se está priorizando a polícia de inteligência, para se descobrir os grandes traficantes.”
“No longo prazo, acho que não vai funcionar. O cerco policial funciona para que as pessoas não usem (drogas) ali. Mas até quando a polícia vai ocupar aquela área?” Herbert concorda. “A droga existe, os usuários existem e eles estão soltos por toda São Paulo.”
Fonte: site do PT de SP
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