Leandro Fortes
Tenho acompanhado nas redes sociais, desde cedo, e sem
surpresa alguma, o êxtase subliterário de toda essa gente de direita que
comemora a condenação de José Dirceu como um grande passo civilizatório da
sociedade e do Judiciário brasileiro. Em muitos casos, essa exaltação beira a
histeria ideológica, em outros, nada mais é do que uma possibilidade pessoal,
física e moral, de se vingar desses tantos anos de ostracismo político imposto
pelas sucessivas administrações do PT em nível federal. Não ganharam nada, não
têm nada a comemorar, na verdade, mas se satisfazem com a desgraça do inimigo,
tanto e de tal forma que nem percebem que todas essas graças vieram – só podiam
vir – do mesmo sistema político que abominam, rejeitam e, por extensão,
pretendem extinguir.
José Dirceu, como os demais condenados, foi tragado por uma
circunstância criada exclusivamente pelo PT, a partir da posse de Luiz Inácio
Lula da Silva, em 2002, data de reinauguração do Brasil como nação e república,
propriamente dita. Uma das primeiras decisões de Lula foi a de dar caráter
republicano à Polícia Federal, depois de anos nos quais a corporação, sobretudo
durante o governo Fernando Henrique Cardoso, esteve reduzida ao papel de
milícia de governo. Foi esta Polícia Federal, prestigiada e profissionalizada,
que investigou o dito mensalão do PT.
Responsável pela denúncia na Procuradoria Geral da República,
o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza jamais teria chegado ao cargo
no governo FHC. Foi Lula, do PT, que decidiu respeitar a vontade da maioria dos
integrantes do Ministério Público Federal – cada vez mais uma tropa da elite
branca e conservadora do País – e nomear o primeiro da lista montada pelos
pares, em eleições internas. Na vez dos tucanos, por oito anos, FHC manteve na
PGR o procurador Geraldo Brindeiro, de triste memória, eternizado pela alcunha
de “engavetador-geral” por ter se submetido à missão humilhante e subalterna de
arquivar toda e qualquer investigação que tocasse nas franjas do Executivo, a
seu tempo. Aí incluída a compra de votos no Congresso Nacional, em 1998, para a
reeleição de Fernando Henrique. Se hoje o procurador-geral Roberto Gurgel
passeia em pesada desenvoltura pela mídia, a esbanjar trejeitos e opiniões
temerárias, o faz por causa da mesma circunstância de Antonio Fernando. Gurgel,
assim como seu antecessor, foi tutelado por uma política republicana do PT.
Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, seis foram
indicados por Lula, dois por Dilma Rousseff. A condenação de José Dirceu e
demais acusados emanou da maioria destes ministros. Lula poderia, mas não quis,
ter feito do STF um aparelho petista de alto nível, imensamente manipulável e
pronto para absolver qualquer um ligado à máquina do partido. Podia, como FHC,
ter deixado ao País uma triste herança como a da nomeação de Gilmar Mendes. Mas
não fez. Indicou, por um misto de retidão e ingenuidade, os algozes de seus
companheiros. Joaquim Barbosa, o irascível relator do mensalão, o “menino pobre
que mudou o Brasil”, não teria chegado a lugar nenhum, muito menos,
alegremente, à capa de um panfleto de subjornalismo de extrema-direita, se não
fosse Lula, o único e verdadeiro menino pobre que mudou a realidade brasileira.
O fato é que José Dirceu foi condenado sem provas. Por isso,
ao invés de ficar cacarejando ódio e ressentimento nas redes sociais, a direita
nacional deveria projetar minimamente para o futuro as consequências dessas
jurisprudências de ocasião. Jurisprudências nascidas neste Supremo visivelmente
refém da opinião publicada por uma mídia tão velha quanto ultrapassada. Toda
essa ladainha sobre a teoria do domínio do fato e de sentenças baseadas em
impressões pessoais tende a se voltar, inexoravelmente, contra o Estado de
Direito e as garantias individuais de todos os brasileiros. É esperar para ver.
As comemorações pela desgraça de Dirceu podem elevar umas
tantas alminhas caricatas ao paraíso provisório da mesquinharia política. Mas
vem aí o mensalão mineiro, do PSDB, origem de todo o mal, embora, assim como o
mensalão do PT, não tenha sido mensalão algum, mas um esquema bandido de
financiamento de campanha e distribuição de sobras.
Eu quero só ver se esse clima de festim diabólico vai ser
mantido quando for a vez do inefável Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais
e ex-presidente do PSDB, subir a esse patíbulo de novas jurisprudências montado
apenas para agradar a audiência.
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