Rosane Bertotti: “A comunicação é um direito humano”
por Nilton Viana, Brasil de Fato
A secretária nacional de Comunicação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização
da Comunicação (FNDC), Rosane Bertotti, acredita que a comunicação é um direito
humano, e, que portanto, cabe ao Estado adotar políticas públicas para
assegurar esse direito. Segundo ela, os grandes conglomerados de mídia têm
posição cativa ao lado do capital, atuando como correia de transmissão da
ideologia mais reacionária, de privatização, desmonte do Estado, arrocho
salarial, retirada de direitos sociais e trabalhistas.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Rosane Bertotti fala sobre a
importância da mobilização “para garantir a diversidade e a pluralidade de
vozes. “Se nós olharmos o tipo de enfrentamento que está sendo feito em alguns
países ao nosso redor, infelizmente, é forçoso reconhecer que tanto o governo
Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar no quesito comunicacional.
Brasil de Fato – Você participou, de 19 a 22 de setembro, em
Quito, Equador, do Encontro Latino- Americano de Comunicação Popular e Bem
Viver. Quais são avanços que na questão da comunicação que se podem destacar
nos países da região?
Rosane Bertotti – Creio que o principal avanço é o da
consciência sobre o papel da batalha de ideias e a crescente disposição
política dos governos do campo democrático e popular, particularmente os da
Argentina e do Equador, de fazer uma nova lei que aposte na democratização da
comunicação para garantir a efetiva liberdade de expressão, sequestrada pela
velha mídia. São passos muito significativos, como a complementaridade dos
sistemas público, privado e estatal, que não teriam sido possíveis sem a
atuação de entidades como a Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica
(Aler), que promoveu o encontro em Quito. Somando energia e experiência em
torno de pontos comuns, com espírito amplo, de verdadeiras frentes, essas
organizações populares conseguiram mobilizar a sociedade e respaldar ações mais
ousadas de governos que não se submeteram às calúnias e chantagens dos grandes
conglomerados.
No caso do Brasil, qual o embate a ser travado hoje pelos
movimentos sociais nessa questão da comunicação?
Temos a convicção de que é preciso afirmar a necessidade de
um regramento para o setor, enfrentando a disputa política e ideológica com a
mídia comercial, que vê a comunicação como um negócio qualquer, que deve atender
unicamente os donos do veículo e seus anunciantes. O mote da campanha do Fórum
Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) é “para expressar a
liberdade, uma nova lei para um novo tempo”. Acreditamos que é necessário
popularizar o tema, mostrando à população a necessidade de regulamentar os
dispositivos da Constituição Cidadã, fundamentalmente o que combate a formação
de monopólios e oligopólios, e o que garante a complementaridade dos sistemas.
Sem isso não haverá sociedade democrática e uns poucos proprietários de
concessões públicas continuarão ditando o que o povo deve ouvir, ver e ler.
Para nós a comunicação é um direito humano e, portanto, cabe ao Estado adotar
políticas públicas que o assegurem. Senão vira letra morta.
Na sua opinião, houve avanços, nos quase 10 anos de Lula e
Dilma, em relação à democratização da comunicação?
A Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada
no final do governo Lula, contribuiu para que o tema entrasse efetivamente na
pauta, estimulando a formação dos Conselhos Estaduais de Comunicação, como
conquistamos recentemente na Bahia e no Rio Grande do Sul. Infelizmente vários
pontos apontados pela Confecom para a efetivação de mecanismos de controle
social, participação popular e auditoria nos meios privados não andam devido a
uma defensiva inexplicável do governo. Se nós olharmos o tipo de enfrentamento
que está sendo feito em alguns países ao nosso redor, infelizmente, é forçoso
reconhecer que tanto o governo Lula quanto Dilma deixaram e deixam muito a desejar
no quesito comunicacional.
As verbas publicitárias ainda são investidas majoritariamente
na mídia comercial. Qual é a avaliação do FNDC sobre a insistência nessa
política?
É necessário mudar os critérios publicitários para que haja
uma desconcentração que tem se demonstrado profundamente antidemocrática,
ecoando a voz dos grandes conglomerados, os mesmos que atentam todos os dias
contra a pluralidade e a diversidade. É preciso garantir principalidade dos
recursos para a mídia pública e comunitária, para os blogueiros, para os
jornais alternativos. Afinal, a mídia privada já conta com recursos abundantes
das transnacionais, do sistema financeiro e das grandes empresas para defender
seus interesses, para divulgar a pauta do capital. O governo precisa priorizar
a sociedade, necessita democratizar a publicidade.
Qual é a avaliação do movimento pela democratização das
comunicações em relação à Confecom, realizada em 2009; o que avançou de lá para
cá?
A Confecom foi fruto da sociedade civil que garantiu a realização
da conferência inclusive em condições adversas. Foi muito importante enquanto
processo de mobilização, porém as propostas não saíram do papel. O então
ministro Franklin Martins chegou a ensaiar um projeto, mas que ficou em alguma
gaveta para o Paulo Bernardo, que resolveu deixar por lá. O que temos é a
síntese dos 20 pontos dos movimento sociais. Na nossa opinião, respaldado pela
Confecom, o governo deveria adotar medidas como a regulamentação dos artigos da
Constituição Federal (220 a 224) que, entre outros avanços, impedem a
propriedade cruzada dos meios e proíbem os monopólios; a garantia da inclusão
digital com a aplicação dos recursos do Fundo para Universalização do Serviço
de Telefonia (Fust) em programas de extensão da internet banda larga para todo
o país, priorizando as regiões afastadas dos grandes centros e a população de
baixa renda, a redução de 30% para 10% na participação do capital estrangeiro
nas comunicações, a descriminalização das rádios comunitárias.
Como a CUT avalia o papel da mídia brasileira?
Os grandes conglomerados de mídia têm posição cativa ao lado
do capital, atuando como correia de transmissão da ideologia mais reacionária,
de privatização, desmonte do Estado, arrocho salarial, retirada de direitos
sociais e trabalhistas. São emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas e
portais de internet que atuam de forma coordenada para distorcer os fatos,
criminalizar e invisibilizar os movimentos populares, a luta dos trabalhadores,
das mulheres, negros e indígenas. É uma conduta irresponsável e ditatorial.
O STF está julgando o chamado “mensalão”. Como você avalia a
cobertura da mídia brasileira nesse caso?
Infelizmente os que se arvoram grandes defensores da
liberdade de imprensa são hoje instrumentos que em vez de informar, divulgam as
suas opiniões. São meios de manipulação e desinformação em massa. O fato é que
a mídia não só divulgou interpretações dos fatos, mas já julgou e condenou.
Onde está a imparcialidade tão propalada? Cadê a liberdade de expressão, o
respeito à verdade dos fatos ou o direito ao contraditório?
A esquerda brasileira, ao seu ver, está avançando nessa luta
pela democratização da comunicação?
Creio que o amplo espectro da esquerda tem avançado no
sentido de ter meios próprios, de construir e articular redes, como os
blogueiros progressistas. A articulação dos vários movimentos com a luta do
FNDC tem potencializado esta caminhada, mas há muito ainda por fazer. Do ponto
de vista da CUT, por exemplo, temos ampliado os investimentos no nosso Portal
do Mundo do Trabalho (www.cut.org.br), na estruturação de sites das nossas
estaduais e Ramos, no aprimoramento da nossa rádio e tv web. Acredito que é um
processo em que estamos amadurecendo conjuntamente, com uma consciência e um
compromisso crescente de que necessitamos lutar para que todos tenham voz, para
que não haja mais mordaças como as impostas pela velha mídia.
Quais são as principais lutas que o movimento pretende travar
nos próximos meses?
Acho que precisamos mobilizar para retomar o projeto original
do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), em que a Telebrás tem um papel chave
como empresa pública de articular e incentivar a construção de uma sólida base
material para a universalização dos serviços. Não será se submetendo aos
interesses das grandes empresas de telecomunicação, despejando rios de recursos
públicos e abrindo mão de impostos que vamos conseguir colocar o país num novo
patamar neste setor estratégico para o desenvolvimento nacional, para o avanço
da educação, da ciência, da tecnologia. O que temos hoje é uma internet lenta e
cara, altamente excludente. É hora de virar esta página.
QUEM É
Rosane Bertotti é coordenadora do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária nacional de Comunicação da
Central Única dos Trabalhadores (CUT).
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