Luis Nassif
Semanas atrás escrevi sobre o fim da geração das diretas, o
grupo que, a partir de São Paulo, dominou a cena política nacional, através do
PSDB e do PT.
Do lado tucano, Covas, Fernando Henrique, Sérgio Motta, entre
outros; do lado petista, Lula, Dirceu, Mercadante, Suplicy, Martha. Do lado dos
peemedebistas históricos, Ulisses e Tancredo.
De certo modo, foram desbravadores da democracia brasileira,
conseguindo definir um padrão de governabilidade que permitiu ao ornitorrinco
voar.
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Saía-se da ditadura praticamente sem sociedade civil. Os
partidos políticos dividiam-se entre posições muito simplórias: contra ou a
favor do regime anterior. Não havia maiores definições programáticas. E o
equilíbrio do Executivo era constantemente bombardeado pela instabilidade
econômica e por dois tipos de demanda: a do Congresso e a da mídia.
Não era tarefa fácil equilibrar a estabilidade democrática em
meio a ventos tão implacáveis.
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De Sarney até FHC, o único instrumento de pacificação
política foram os pacotes econômicos, mirabolantes, mas que, de tempos em
tempos, conferiam algum fôlego político aos governantes. Foi assim com os
sucessivos planos econômicos do governo Sarney, Collor, até o derradeiro, o
Plano Real.
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A partir daí, consolidava-se a dualidade PSDB-PT paulistas,
comandados pelos personagens das diretas-já. E, em cada partido, conviveram
dois personagens: o líder (simbólico ou real) e o que botava a mão na massa.
Um conjunto de circunstâncias jogou o PSDB nas mãos de FHC, o
líder simbólico, e de Sérgio Motta, o que botava a mão na massa. Figura
generosa, impulsiva, Motta era o motor do partido, o que sujava as mãos (como
no caso da votação da reeleição), acolhia os desabrigados, mantinha a chama
acesa - ao lado do governador Mário Covas, em São Paulo.
Pouco antes de morrer, conhecendo o caráter de FHC, Motta
deixou o bilhete histórico, pedindo que não se apequenasse. Apequenou-se.
Tornou-se refém dos financistas do partido, abraçou o neoliberalismo mais
desbragado, abandonou o discurso social-democrata e deslumbrou-se
definitivamente com os salões.
Com isso, escancarou uma rodovia para que entrasse o discurso
social do PT.
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Do mesmo modo que no PSDB, no PT havia o líder, Lula, e o que
botava a mão na massa, José Dirceu.
Coube a Dirceu o papel fundamental de consolidar o
arquipélago de tendências do PT, muitas vezes com uma objetividade dura que
deixou ressentimentos, mas que liberou Lula para montar as estratégias maiores
do partido.
Eleito Lula, Dirceu teve papel central na transição. Comandou
intenso processo de negociação com o governo que saía, incluindo um pacto de
não agressão que varreu para baixo do tapete inúmeros episódios obscuros do
governo anterior.
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Tentou, depois, absorver toda a tecnologia de governabilidade
do governo que saía, incluindo operadores, lobistas e tudo isso em um momento
em que, com os principais quadros do partido indo para o governo, o PT viu-se
meio acéfalo.
Mas não foi seguida a principal lição de FHC - aliar-se a um
grande partido ônibus, como o PMDB, assim como o PSDB se aliou ao DEM.
O desafio de administrar o varejo acabou resultando no
mensalão.
O "mensalão" foi um divisor de águas. E é
interessante entender como se comportaram os atores políticos depois dele.
O pós-mensalão e Lula - 1
No início do governo, Lula teve que enfrentar uma enorme
crise de mercado, com o dólar explodindo, o aumento da inflação e a
inexperiência do novo partido com o poder. Foi nesse período que o trabalho de
José Dirceu, junto ao meio político, e Antonio Palocci, junto ao mercado, foi
fundamental para garantir a governabilidade. Passada a crise, o poder de Dirceu
acabou sendo incômodo para o próprio Lula.
O pós-mensalão e Lula - 2
O "mensalão" acabou provocando a saída de Dirceu e
dos demais companheiros que haviam carregado o piano do jogo pesado inicial. A
luta pela sobrevivência política exigiu tudo de Lula. E aí apareceu o político
fulgurante em sua plenitude. De um lado, passou a colher os frutos das
políticas sociais do início do governo. De outro, precisou dar um impulso
gerencial sem precedentes ao seu governo.
O pós-mensalão e Lula - 3
Finalmente, o enorme desgaste produzido pelo episódio
impulsionou a renovação do PT. A cara do partido não podia ser mais a dos
pioneiros, os que ajudaram no trabalho hercúleo de criar um partido nacional. É
nesse contexto que a intuição política de Lula leva à indicação de Dilma
Rousseff para presidente e de Fernando Haddad para concorrer à prefeitura de
São Paulo. Além da aproximação com Eduardo Campos.
O pós-mensalão e FHC - 1
Caminho inverso percorreu FHC. Sem Mário Covas, tornou-se a
única referência do PSDB. Sua falta de vontade de governar, a falta de visão de
futuro (ao não perceber o tempo social sucedendo o tempo da estabilização), a
escassez de ideias (que o levou a adotar acriticamente o receituário
neoliberal), e o neodeslumbramento da mídia (para caracterizá-lo como o
antiLula) cobraram sua conta.
O pós-mensalão e FHC - 2
Mais e mais, FHC imbuiu-se do discurso moralizante, de uma
retórica que, embora não tão grosseira quanto a de José Serra, empurrava para o
conflito. Nas palestras e, principalmente, nos artigos para o Estadão e o
Globo, não conseguia desenvolver mais do que bordões soltos, sem nenhuma
profundidade. Mais que isso, não preparou o partido para a renovação, para o
aparecimento de novos quadros.
O pós-mensalão e FHC - 3
Chega-se, ao final do longo processo político, que vem da
redemocratização até os dias atuais, com os resultados conhecidos. No campo das
lideranças, Lula conseguiu não apenas reeleger o sucessor como reestruturar o
partido; já FHC saiu derrotado do
governo e deixa um partido em ruínas. Mas a história há de se lembrar dos
construtores, os que colocaram a mão na massa e pagaram por isso: Sérgio Motta
e José Dirceu.
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