Associação divulga nota de repúdio contra a revista, que
chamou o historiador Eric Hobsbawm de 'idiota moral'
Por Rede Brasil Atual A Associação Nacional de História
(Anpuh) divulgou ontem (9) nota em que “repudia veementemente” o tratamento
dado pela revista Veja ao historiador Eric Hobsbawm – que o chamou de “idiota
moral” na matéria sobre sua morte (ocorrida no dia 1º) publicada na edição
desta semana. Segundo a nota, trata-se de “um julgamento barato e
despropositado”, que revela uma mentalidade “medíocre, pequena e mal
intencionada”.
Leia a íntegra:
Resposta à Revista
Veja Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês
Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito
da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do
mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no
século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo
conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais.
Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores
marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes
quando do apogeu do stalinismo. Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam
escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que
organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as
estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento
capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um "acadêmico", no sentido
de reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel
à tradição do "intelectual" como divulgador de opiniões, desde Émile
Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado.
Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo, mais
democrático e mais humano. Claro está que, autor de obra tão diversa, nem
sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro.
Esse é o desiderato de todo homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a
importância de um homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no
tempo em que viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um
dos homens mais importantes do século XX. Eis que, no entanto, a Revista Veja
reduz o historiador à condição de "idiota moral" (cf. o texto "A
imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm", publicado em
www.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e despropositado a
respeito de um dos maiores intelectuais do século XX. Veja desconsidera a
contradição que é inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm
com a democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua
preocupação com a paz e com o pluralismo. A Associação Nacional de História
(ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável
e, sim, ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação. O
tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto "historiador
esquerdista", dito de forma pejorativa e completamente destituído de
conteúdo. E é assim em toda a "análise" acerca do falecido
historiador. Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas
contradições, seus erros e seus acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive,
criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão
aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas
e dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez
Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências
absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como
de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada. São Paulo, 05 de outubro de
2012 Diretoria da Associação Nacional de História ANPUH-Brasil Gestão
2011-2013.
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