Por Piero Locatelli e Sergio Lirio
Vontade soberana. Segundo Haddad, os paulistanos votaram pela
mudança. Foto: José Patrício/AE
Visivelmente cansado após uma campanha intensa no primeiro
turno e reiniciada a todo vapor mal os resultados das urnas foram anunciados na
noite do domingo 7, o petista Fernando Haddad recebeu CartaCapital em seu
escritório no comitê eleitoral no centro de São Paulo. Em meio às negociações
de apoios no segundo turno e às definições de uma extensa agenda nas próximas
semanas, entre uma xícara de café e vários telefonemas, o candidato avaliou o
cenário da disputa. Segundo ele, a insistência em pautar o julgamento do
“mensalão” no debate eleitoral e o obscurantismo religioso não vão influenciar
as urnas. Para Haddad, a cidade quer mudança. Quanto ao discurso de José Serra,
que prometeu governar para os pobres, ironizou: “É uma piada de mau gosto. Ele
deve desculpas à periferia”.
CartaCapital: Como é possível escapar do debate sobre o
mensalão no segundo turno de São Paulo?
Fernando Haddad: Não vou fugir de nenhum debate. Mas o que
tenho dito e repetido é que eu nunca fui abordado para responder a respeito
desse assunto por nenhum cidadão. E todos os dias eu fui perguntado a respeito
por jornalistas. Quer dizer, este não parece um tema, uma pauta, do eleitor.
Mas se alguém me perguntasse na rua, responderia sem problemas. Entendo que o
cidadão vai pautar o debate sobre a cidade, vai exigir soluções. Ele não está
feliz, está sofrendo. Hoje, o paulistano, o morador de São Paulo, sofre nas
filas, nos trens, nos ônibus, nos hospitais. A educação vai mal. Imagina São
Paulo ter indicadores de qualidade piores do que os de Teresina, que tem metade
dos recursos de São Paulo para investir. Como a cidade mais rica do País tem
uma educação tão pobre? Não posso me desviar do assunto central, que é discutir
a cidade.
CC: Em seu primeiro discurso após o resultado oficial do
primeiro turno, Serra voltou a citar o julgamento no Supremo. Em resposta, o
senhor mencionou nos últimos dias o “mensalão mineiro”. A sua campanha pretende
explorar esse tema?
FH: Não posso antecipar nossa estratégia. As decisões táticas
a serem tomadas vão depender muito dos desdobramentos da campanha. Não se pode
interditar um debate, qualquer um. Se ele acontecer, vamos responder. Mostrar
que não se trata de uma questão partidária. Basta ver o que acontece na cidade.
As denúncias referentes à administração municipal, ou mesmo estadual, não
ganham o mesmo destaque daquelas que ocorrem em plano federal. Mas há inúmeros
secretários que respondem a processos de improbidade e cujos indícios de
problemas são muito claros.
CC: Celso Russomanno obteve suas maiores votações em redutos
petistas. Como recuperar esse eleitor?
FH: É preciso compreender os votos em Russomanno. Quase um
quarto do eleitorado o escolheu e está preocupado com temas que ele expôs na
campanha. Dois temas em especial preocupam bastante os paulistanos, a segurança
e a qualidade do serviço público. Nas nossas próprias pesquisas qualitativas
eles apareciam como pontos importantes. Precisamos prestar atenção a essas
demandas. No nosso caso, trata-se de expor melhor nossa plataforma. Fui o único
candidato a apresentar um programa de governo. Na questão da segurança, por
exemplo, temos várias propostas. Vamos apresentá-las aos eleitores.
CC: O senhor não demorou a criticar Russomanno?
FH: Não, foi no momento certo. Não posso ver êxito maior em
uma campanha. Saí de 3% e cheguei a 30%.
CC: Mas é um índice menor do que o PT tem obtido nas últimas
eleições.
FH: No contexto atual, com um candidato novo, com uma agenda
política sobrecarregada com assuntos que nada têm a ver com as eleições
municipais e que tomaram conta dos noticiários…
CC: Foi uma eleição despolitizada?
FH: Não havia a necessidade imperiosa da sobreposição dos
calendários (entre a eleição e o julgamento do “mensalão”). Nada estava para
prescrever em dois meses. Obviamente, a agenda municipal acabou prejudicada,
nada que não seja reversível. Mas é inegável a concorrência das agendas. Ao longo
de 45 dias, com exceção dos dias em que as pesquisas foram divulgadas, a
eleição municipal nunca foi o assunto principal dos jornais, revistas e sites
noticiosos.
CC: O eleitor demorou a se conectar nas eleições.
FH: Sim, a população demorou a perceber, pois a agenda era
outra. A agenda era o julgamento. E o julgamento poderia ter acontecido a
qualquer momento, por mim teria acontecido há dois anos, teria sido melhor.
Esse tipo de coisa, quanto antes melhor, quanto mais cedo resolver, melhor. Mas
a coincidência perfeita de certa forma prejudicou os debates sobre as cidades.
CC: Como o senhor interpreta os votos do Chalita?
FH: Assim como Russomanno foi visto como uma novidade dos
bairros periféricos, Chalita foi uma novidade do centro expandido, soube dialogar
com essa fatia do eleitorado. Teve o ônus e o bônus de não liderar. Isso lhe
permitiu fazer uma campanha sem sofrer nenhum tipo de ataque.
CC: O Serra acusa o PT de governar para os ricos e promete
administrar para os pobres. O que o senhor acha?
FH: Soa como uma piada de mau gosto. Isso vai ser muito mal
recebido na periferia, a rejeição dele pode aumentar ainda mais. Na verdade,
ele deve um pedido de desculpas à periferia, aos pobres. A cidade está
maltratada, os pobres estão maltratados. Chegaram a requintes de crueldade.
CC: O que o senhor chama de requintes de crueldade?
FH: Caçar alvará de ambulantes com deficiência, proibir
caridade com população de rua e escrachar lojista da periferia com multas
extremamente arbitrárias.
CC: O senso comum reza que o segundo turno é outra eleição. O
senhor concorda?
FH: Seria se o Russomanno tivesse passado ao segundo turno.
Mas creio que esta vai ser uma eleição nos moldes tradicionais.
CC: Qual será a mensagem de sua campanha?
FH: Mudança. O eleitor votou pela mudança. Mais de 60% dos
votos foram dados a favor da mudança. Há espaço para mostrar que existe uma
forma segura de fazê-la, uma maneira adequada.
CC: O senhor teme ataques religiosos como os do pastor Silas
Malafaia, que voltou a mencionar o suposto “kit gay” elaborado quando o senhor
era ministro da Educação?
FH: Não. A maioria dos eleitores está esclarecida a respeito.
Quem jogar no obscurantismo pode até ganhar alguns votos, mas vai perder mais
do que ganhar. Não tenho a menor dúvida. Fui muito bem votado entre os
evangélicos. Não tive nenhuma dificuldade.
CC: O peso da religião e de seus líderes é supervalorizado?
FH: Depende. Se um candidato ofender a crença de alguém, não
duvidaria dos efeitos (negativos). Mas não é o meu caso.
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