9 de outubro de 2012 ficará registrado na história do país
como o dia infame em que um seu cidadão foi condenado politicamente pela mais
alta instância do Judiciário brasileiro, por um tribunal que deveria tê-lo
julgado por critérios estritamente técnicos.
Até as condenações de certos membros do dito “núcleo
político” da Ação Penal 470 ainda se podia buscar algum resguardo factual em
“atos de ofício”, ainda que “tênues”, como diria o procurador-geral da
República. No caso de José Dirceu, porém, não há condenação técnica possível.
Contra Dirceu não há contratos assinados, não há saque de
dinheiro, não há nada além do testemunho de seu maior inimigo, uma operação
imobiliária regular feita por sua ex-esposa e um emprego que ela conseguiu.
É possível uma dúvida razoável sobre o inimigo de Dirceu ter
mentido e sobre sua mulher ter conseguido um empréstimo e um emprego sem
interferência dele? Duvido que até os juízes que o condenaram neguem que essa
dúvida existe.
Na dúvida, o Direito Universal exige que os tribunais decidam
a favor dos réus. No caso de Dirceu, essa dúvida é muito maior do que para os
outros condenados.
Jamais o STF usou para um político critério sequer parecido
com os que foram inaugurados para Dirceu acima de qualquer outro réu daquela
Ação Penal. A condenação dele, entenda-se, foi uma exceção à norma daquele
Colegiado.
O Tribunal de Exceção que condenou Dirceu deixou clara a sua
natureza ao dar tratamento diverso à ação penal correlata àquela em que o
ex-ministro foi julgado, mas que envolve o ex-presidente do PSDB Eduardo
Azeredo.
Durante anos, Dirceu não desfrutou, nem por um segundo, do
benefício constitucional de presunção da inocência. É tratado como condenado
desde 2005, quando sua pena começou a ser cumprida oficiosamente.
Os juízes de Dirceu foram devidamente pressionados,
intimidados com ataques da mídia, quando não se submeteram, e subornados com
exposição positiva quando obedeceram aos ditames midiáticos.
E, se faltasse alguma prova da manipulação desse julgamento pela
mídia em favor de partidos de oposição ao governo federal do PT, declarações da
acusação a Dirceu e dos juízes que o condenaram confessaram o objetivo político
do processo, tal como veio sendo conduzido.
Neste momento, boa parcela da classe política já se deu conta
do que essa politização da Suprema Corte de Justiça do país representa para a
democracia. Quando grupos de pressão se apropriam do Judiciário, ninguém mais
está a salvo de julgamentos de exceção.
O Brasil verá a manipulação vergonhosa que foi esse
julgamento quando o STF julgar – ou quando não julgar, por prescrição – o
mensalão do PSDB. E, mais adiante, quando for julgar – ou não – a ação que será
proposta contra o governador Marconi Perillo pela CPI do Cachoeira.
Pelos critérios que o STF usou para Dirceu, Delúbio Soares,
José Genoino e João Paulo Cunha, o ex-presidente do PSDB e hoje senador Eduardo
Azeredo e o governador de Goiás, Marconi Perillo, terão que ser condenados. Até
porque, contra eles há muito mais do que “domínio de fato”.
Alguém acredita que isso ocorrerá? E, se ocorresse, alguém
ficaria sabendo sem ler a blogosfera e as redes sociais? A mídia faria versão
explicativa para crianças via história em quadrinhos? O Jornal Nacional
gastaria até metade da duração de suas edições para acusar os tucanos?
Vão esperando sentados que de pé cansa.
É nesse contexto que a nota que recebi da assessoria do
ex-ministro José Dirceu, e que reproduzo ao fim deste post, constitui um
alento. Nela, ele promete que não conseguirão calá-lo com essa condenação
infame.
É disso que o Brasil precisa, de forma que quero registrar
meu apoio e solidariedade ao ex-ministro. Conto com a força desse homem que já
desafiou uma ditadura bem pior do que a do STF, uma ditadura que não
assassinava só a honra dos seus inimigos.
Conte comigo, Zé, enquanto você lutar para que o Brasil, um
dia, tenha, entre tudo mais que lhe falta, um Judiciário que trate a todos de
acordo com critérios rotineiros, não usando exceções nem para amigos, nem para
inimigos políticos.
Fecho o texto com uma
curiosidade: 9 de outubro é o dia em que Che Guevara foi assassinado.
***
Leia, abaixo, a nota de José Dirceu sobre a condenação infame
de que foi alvo
AO POVO BRASILEIRO
No dia 12 de outubro de 1968, durante a realização do XXX
Congresso da UNE, em Ibiúna, fui preso, juntamente com centenas de estudantes
que representavam todos os estados brasileiros naquele evento. Tomamos, naquele
momento, lideranças e delegados, a decisão firme, caso a oportunidade se nos
apresentasse, de não fugir.
Em 1969 fui banido do país e tive a minha nacionalidade
cassada, uma ignomínia do regime de exceção que se instalara cinco anos antes.
Voltei clandestinamente ao país, enfrentando o risco de ser
assassinado, para lutar pela liberdade do povo brasileiro.
Por 10 anos fui considerado, pelos que usurparam o poder
legalmente constituído, um pária da sociedade, inimigo do Brasil.Após a anistia, lutei, ao lado de tantos, pela conquista da democracia. Dediquei a minha vida ao PT e ao Brasil.
Na madrugada de dezembro de 2005, a Câmara dos Deputados cassou o mandato que o povo de São Paulo generosamente me concedeu.
A partir de então, em ação orquestrada e dirigida pelos que se opõem ao PT e seu governo, fui transformado em inimigo público numero 1 e, há sete anos, me acusam diariamente pela mídia, de corrupto e chefe de quadrilha.
Fui prejulgado e linchado. Não tive, em meu benefício, a presunção de inocência.
Hoje, a Suprema Corte do meu país, sob forte pressão da imprensa, me condena como corruptor, contrário ao que dizem os autos, que clamam por justiça e registram, para sempre, a ausência de provas e a minha inocência. O Estado de Direito Democrático e os princípios constitucionais não aceitam um juízo político e de exceção.
Lutei pela democracia e fiz dela minha razão de viver. Vou acatar a decisão, mas não me calarei. Continuarei a lutar até provar minha inocência. Não abandonarei a luta. Não me deixarei abater.
Minha sede de justiça, que não se confunde com o ódio, a vingança, a covardia moral e a hipocrisia que meus inimigos lançaram contra mim nestes últimos anos, será minha razão de viver.
Vinhedo, 09 de outubro de 2012
José Dirceu
http://www.blogdacidadania.com.br/2012/10/nao-calarao-jose-dirceu/
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