Salve Mestre Hobsbawm!
Vermelho
Em sua carreira, Hobsbawm jamais deixou de lado seus
princípios. Compreendia que o discurso histórico e historiográfico de forma
alguma é neutro, e por isto foi também um militante político, contribuindo como
poucos com as lutas sociais de seu tempo. Hobsbawn era marxista, e mesmo em
tempos de debacle jamais negou suas raízes. Ao contrário, aperfeiçoou-as, pois
as fundamentava em um método que era o materialismo dialético. Este método
consiste em compreender as transformações históricas como produtos das
contradições concretas (por isto dialético) da realidade concreta (por isto
materialista). Assim, suas análises conseguiam ser profundas e sutis, sempre se
baseando na verdade histórica.
Hobsbawm esteve entre os grandes historiadores marxistas
britânicos como Perry Anderson, E. P. Tompsom e Christopher Hill, que
sabiamente enfrentaram no debate acadêmico as correntes historiográficas
fragmentadoras como a Nova História. Porém, dentre todos os citados, Hobsbawm
destacou-se por ter se colocado o desafio de escrever a macro-história de nosso
tempo, demonstrando uma visão da totalidade, sem negar suas contradições e o
seu ponto-de-vista de um britânico socialista. Era, dessa forma, um historiador
de “eras”.
Dentre as obras de Hobsbawm, destacam-se as quatro “eras”: ‘A
Era das Revoluções’ (1789-1848), ‘A Era do Capital’ (1848-1875), a ‘Era das
Revoluções’ (1875-1914) e a ‘Era dos Extremos’ (1914-1991). Na primeira,
compreendeu o processo que levou às mais radicais transformações que até então
o mundo presenciara – sua dupla revolução: a industrial e a francesa. No
segundo, entendeu o processo de consolidação do capitalismo como sistema
econômico hegemônico no planeta. No terceiro, percebeu que a metamorfose do
capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista levaria a uma nova
fase deste sistema: o imperialismo. No quarto, compreendeu que a contradição
entre tais impérios levou o mundo a uma guerra de duas etapas (1ª e 2ª
Guerras), e que seu desfecho foi a disputa de dois projetos distintos de
sociedade: capitalismo e socialismo. Conclui, porém, que a experiência
histórica do socialismo serviu como precioso ensinamento para experiências
futuras, e que a luta dos povos para superar a exploração do homem pelo homem
estava apenas no começo.
Esta sede revolucionária fica patente em seu último livro:
“Como mudar o mundo”, mas também em sua autobiografia “Tempos interessantes”.
Dentre suas obras importantes, poderia também incluir “Nações e Nacionalismo
desde 1780” e “A invenção das tradições”, no quais destrinchou o fenômeno da
nação e do nacionalismo como produtos históricos. Finalmente em “Globalização,
democracia e terrorismo”, Hobsbawm já começou a apontar para os desafios do
século 21.
Registro, portanto, esta homenagem a alguém que foi sem
dúvida um dos maiores historiadores não apenas de nosso tempo, mas de toda a
história. A despeito de suas posições políticas claras, em todos os meios,
acadêmicos ou não, Hobsbawm fora sempre respeitado. A ciência da História perde
um grande investigador, mas seu legado de historiador e militante fica para
todos aqueles que ainda acreditam que há “como mudar o mundo”.
Thomaz de Toledo - Historiador pela USP, mestre em
Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e secretário-geral do Cebrapaz.
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