Postado por Maria Aparecida Santos de Barros
Lula também falou sobre o menor crescimento econômico do
Brasil neste ano e destacou a necessidade de uma reformulação no FMI e nos
organismos internacionais como a ONU. Com relação ao polêmico julgamento do
“mensalão” e a possibilidade de ele também ser julgado, é categórico: “eu já
fui julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário. Um presidente
com oito anos de mandato sair com 87% de aprovação é um tremendo julgamento”.
Relações internacionais
O fato de querermos fazer uma reforma nas instituições
multilaterais não depende da crise. A crise apenas agravou este debate. O
Brasil, há pelo menos 15 anos luta para que a ONU seja reformada, e que tenha
uma representação do mundo geográfico correspondente a 2012 e ao século 21 e
não que represente o mundo de 1948. Não há explicação para que apenas cinco
países tenham o controle dos assuntos mais importantes do mundo, sem que haja
um representante da América Latina, da África, sem um país de 1 bilhão de
habitantes como a Índia ou mesmo a Alemanha. Queremos que a ONU e o Conselho de
Segurança sejam representativos da realidade de hoje, e não do passado.
O FMI também tem que ser reformado para que possa funcionar
como um banco que possa ajudar os países em crise e não como um banco para
fazer pressão nas economias dos países pobres. Na crise atual dos Estados
Unidos e Europa, o FMI não sabe o que fazer. Ninguém sequer quer escutar o FMI!
É como se não servisse para nada! Dá a impressão de que foi criado para
Argentina, Brasil, Bolívia ou México e não para a Alemanha nem Grécia. É por
isso que nós queremos fazer um debate.
Irã
Vejamos o caso do Irã. Todos os dias vejo notícias que dizem
que o Irã quer construir uma bomba atômica. Eu não acredito nisso. Eu desejo
para o Irã o mesmo que desejo para o Brasil: utilizar a energia nuclear para
fins pacíficos. E com esta ideia eu fui ao Irã. Os membros do Conselho de
Segurança nunca tinham conversado com [Mahmoud] Ahmadinejad. A política foi
terceirizada, colocam assessores para conversar e os presidentes nunca
conversam. E quando eu disse que ia conversar com Ahmadinejad para que ele se
comprometesse a aceitar as regras que eram impostas pela AIEA, disseram que era
ingênuo. Fomos ao Irã, estivemos dois dias juntos com a Turquia, e conseguimos
que o Irã se comprometesse com o que os norte-americanos e a União Europeia
queriam. Para a minha surpresa, quando Ahmadinejad aceitou e nós apresentamos
um documento assinado, o que aconteceu? Sancionaram o Irã. Por que? Porque não
era aceitável que um país do terceiro mundo tivesse conseguido o que eles não
conseguiram.
Chávez
É necessário analisar a Venezuela não em comparação com o
Brasil ou Argentina, nem com a Europa. Tem que analisar a Venezuela de Chávez
em comparação com a Venezuela antes de Chávez. E melhorou muito a Venezuela. O
povo pobre ganhou dignidade. A América do Sul ganhou muito com o Chávez. Porque
antes até os vasos sanitários eram importados dos Estados Unidos. Hoje importa
de outros países: Brasil, Argentina… Venezuela começou a olhar a América Latina
e por isso defendi a entrada da Venezuela no Mercosul. Pela importância
estratégica da Venezuela, é uma das maiores reservas de petróleo do mundo e de
gás, tem um potencial energético extraordinário. Nós precisamos, enquanto
Unasul, discutir como nos tornar sócios dessa riqueza que temos. Por isso penso
que Chávez foi importante para a Venezuela. (…) Com a minha chegada ao poder, a
de Kirchner, de Chávez, de Evo Morales, foi que as pessoas começaram a perceber
que gostamos de nossos países, que começamos a ver nossos países a partir de
nossa própria realidade. Isso mudou. Quando cheguei ao governo, a relação
comercial entre Brasil e Argentina era de US$ 7 bilhões. No ano passado, foi
US$ 40 bilhões.
Meios de comunicação
Eu penso que poucos líderes políticos do mundo foram e são
tão criticados pela imprensa como eu. No entanto, não reclamo. Eu nunca tive a
imprensa a meu favor, e não é por isso que deixei de ser presidente com a maior
aprovação de meu país. Me parece que devemos acreditar na sabedoria dos
leitores, dos ouvintes de rádio e dos telespectadores. Eles saberão julgar os
valores do comportamento de um político, e também do comportamento da imprensa.
Acredito que no Brasil precisamos instalar uma discussão
política sobre um novo marco regulatório da comunicação. A última regulação é
de 1962, não há nenhuma explicação para que no século 21 tenhamos a mesma
regulação que em 1962, quando não havia telefones celulares, nem internet. A
evolução que teve nas telecomunicações não está regulada. Essa briga existe na
Argentina, na Venezuela, no México, onde Ricardo Salinas e Slim estão em guerra
todo santo dia. E no Brasil preparamos uma conferência nacional – na qual
participaram partidos, meios de comunicação, telefonia – e elaboramos uma
proposta de regulação, que precisa ser discutida com a sociedade. Não há modelo
definitivo, não há o modelo de O Globo, daFolha, de Lula ou de Dilma, isso não
existe. Então vamos começar uma discussão com a sociedade para saber o que é o
mais importante para que os meios de comunicação sejam cada vez mais
retransmissores de conhecimento, de informação, cada vez mais livres e sem
ingerência do governo.
Mercosul
Penso que o que fizemos na América do Sul já é muito. O
problema é que éramos países com uma cultura colonizada, com uma mente
colonizada. Fomos doutrinados para que nos víssemos como adversários, como
inimigos e os amigos estavam no Norte. Quando na verdade, não tem que ter
inimigos nem no Norte, nem aqui, temos que construir o que for bom para
Argentina e Brasil. Lembro que há muito tempo realizamos reuniões onde muitos
países diziam que o Mercosul já não interessava, que o Mercosul tinha acabado,
e que havia que implementar a Alca. Hoje, nem o governo norte-americano fala da
Alca. Sequer eles.
Mensalão
Não me manifesto sobre esse processo, primeiro porque naquela
época eu era presidente da República e creio que um ex-presidente não pode
opinar sobre a Suprema Corte. Principalmente quando o processo está em
desenvolvimento. Vamos esperar que termine o processo e então com certeza
poderei emitir minha opinião.
Eu já fui julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento
extraordinário. Um presidente com oito anos de mandato sair com 87% de
aprovação é um tremendo julgamento e não me preocupo com nada. Cada poder:
Executivo, Legislativo ou Judiciário, tem suas próprias responsabilidades e
cada um deve cumprir com a mesma.
Economia
Sejamos sinceros. Há uma desaceleração econômica promovida
pelo próprio governo. Obviamente há problemas com a crise econômica, mas
acontece que em 2010 nós crescemos muito, o consumo era exageradamente alto e
era necessário diminuir um pouco esse ímpeto da economia. Essa redução do
governo também foi afetada pela crise internacional. Houve uma diminuição das
exportações. As exportações da Argentina caíram quase 20%, houve uma diminuição
importante, e no nível mundial a diminuição foi somente 6%. Era necessário
controlar a inflação. As informações que tenho da Presidência e do ministro da
Fazenda é que a inflação está controlada e para o próximo ano, Brasil voltará a
crescer mais ou menos 4,5%.
Volta à presidência
Um político não pode nunca descartar [esta hipótese]. O
problema é que cada vez que fazem esta pergunta... se eu digo que não o
descarto, a imprensa diz: “Lula admite que será candidato”. Se eu digo o
contrário, dizem “Lula nunca mais será presidente”. Eu sou um político, e creio
que já cumpri minha parte. Toda a minha vida tive vontade de provar que era
capaz de fazer o que eu reivindicava, e creio que conseguimos fazer muito mais.
Hoje, o principal legado que deixamos para a sociedade brasileira, além dos 40
milhões de brasileiros que ascenderam à classe média, além do aumento do
salário mínimo, dos 17 milhões de empregos formais criados, o principal legado
é a relação entre o Estado e a sociedade. Realizamos 73 conferências nacionais.
As principais políticas de meu governo foram decididas em plenários, onde havia
debates no âmbito municipal, estadual e nacional. Eram políticas de todas as
áreas, tudo foi discutido. Queria provar a mim mesmo que um governante nunca,
em hipótese alguma, deve ter medo de conversar com a sociedade. Não podemos ver
em cada pessoa que nos cerca na rua um inimigo. Porque muitas vezes temos que
nos perguntar por que é inimigo agora se votou em mim.
Integração
Sonho com a integração da América Latina. A integração não é
um discurso, deve transformar-se em um ato cotidiano de cada cidadão e de cada
governante. E ainda nos resta muito por fazer.
Da Redação do Vermelho
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