por Eric Nepomuceno, na Carta Maior
A verdade é que havia uma clara tensão entre as pessoas que
rodeavam Hugo Chávez na noite do domingo, dia sete de outubro. Enquanto se
aguardava a primeira manifestação do Conselho Nacional Eleitoral, o CNE,
corriam rumores de todos os tipos. Com as pesquisas de boca de urna proibidas
por lei, qualquer rumor era notícia. E foi assim que, por volta das nove da
noite, houve um primeiro suspiro de alívio: a vantagem, que naquela altura era
de uns cinco pontos de diferença sobre o candidato Henrique Capriles, seria
irreversível. Mas, ainda assim, foi um suspiro tenso: a diferença era muito
menor que a prevista. Até que veio, afinal, o número oficial: uma vitória de
dez pontos – dez contundentes, indiscutíveis pontos. Aliás, dez pontos e meio.
E assim a Venezuela dormiu em festa, para no dia seguinte
despertar pensando em como serão os dias daqui em diante. E realmente há muito
a ser pensado.
Em primeiro lugar, há um visível – e natural – desgaste do
governo, depois de treze anos. Durante a campanha, Hugo Chávez pôde sentir de
perto os efeitos do tempo no poder. Há insatisfação com a espiral
inflacionária, com o rígido controle sobre preços e a sobrevalorização da
moeda, que faz com que exista carência de produtos. Há problemas com o
fornecimento de energia elétrica, as falhas administrativas são gritantes, o
funcionalismo público foi inchado de maneira escandalosa. Há uma grande
irritação com os excessos da burocracia, com a lentidão na atenção de alguns
serviços públicos, com o déficit habitacional, com as crescentes dificuldades
do dia a dia. E, finalmente, aumenta de forma desembestada o mais agudo flagelo
sentido pelos venezuelanos, em especial em Caracas: a violência urbana, que faz
da Venezuela um dos países mais violentos do mundo e o segundo da América
Latina.
Ao mesmo tempo, são palpáveis os efeitos de um claro boicote
de investidores, que ora alegam a instabilidade política, ora a falta de marcos
jurídicos que protejam seus interesses a longo prazo, e o tempo todo criticam
duramente a intervenção do Estado na economia. Já os analistas e consultores
dos chamados mercados financeiros, junto com os organismos internacionais,
gritam aos céus quando falam nas contas públicas e, em especial, do chamado
déficit fiscal. Reclamam com urgência a necessidade de cortes nos gastos do
governo, aumento de impostos, desvalorização, menor dependência do petróleo,
com investimentos na indústria e na agricultura.
Em segundo lugar, é preciso pesar com calma o que significou
a candidatura de Henrique Capriles, um jovem advogado de 40 anos, que soube dar
uma reviravolta em seu discurso exacerbadamente neoliberal para se apresentar
como uma espécie de novo Lula, alardeando sua preocupação com o bem-estar
social dos venezuelanos. Com isso, mais a insatisfação e o desgaste natural de
um governo de treze anos, Capriles conseguiu arrebatar uma votação muito
expressiva, de 44% do eleitorado. Percorreu com agilidade de gazela e fôlego de
leão o país de ponta a ponta, numa impressionante maratona de comícios,
passeatas e visitas. Tornou-se conhecido e popular, pelo menos para os pouco
mais de seis milhões de venezuelanos que votaram nele. Caberá a Capriles,
agora, uma missão difícil: manter unida a oposição e tentar estabelecer um
diálogo aberto e fluído com Chávez.
Finalmente, deve-se observar que com esse resultado se
confirma um país claramente dividido. Existe uma maioria consistente que aprova
a gestão de Chávez e sua revolução bolivariana, e uma minoria bastante
significativa que desaprova.
Essas eleições serviram para deixar visíveis esses dois
lados. Não por acaso, depois da mais apertada disputa eleitoral enfrentada por
Hugo Chávez desde que chegou ao poder pela primeira vez, em 1999, 81% dos
eleitores foram votar, num país onde o voto não é obrigatório. Ninguém quis se
omitir na hora de escolher um entre dois projetos antagônicos de futuro. Foi a
maior participação eleitoral da história do país, o que não faz mais do que
legitimar a vitória de Chávez.
A grande pergunta é a seguinte: como, diante de tantos
problemas, e tendo à mão um candidato de oposição, a imensa maioria dos
venezuelanos preferiu manter Hugo Chávez no poder?
E a resposta é simples, extremamente simples: porque pela
primeira vez os venezuelanos têm um presidente que governa para a imensa
maioria. Que leva adiante, aos trancos e barrancos, uma verdadeira revolução.
Que liquidou o analfabetismo, estendeu a atenção pública da saúde a todos, que
dissemina escolas de período integral, que criou brigadas – as misiones – para
dar atenção social aos desassistidos de sempre. Que, apesar do que ainda falta,
promove uma reviravolta na questão habitacional. Um presidente que criou
mercados públicos onde não há abundância, é verdade, mas há o básico, e a
preços populares. Que aumentou as vagas universitárias, que criou bolsas de
estudo num sistema justo e eficaz. Que recuperou a soberania e está sendo
fundamental para, através da generosa solidariedade tão abandonada nesse mundo
de hoje, promover a integração da América Latina.
Anunciados os resultados oficiais, Chávez e Capriles
prometeram manter um diálogo aberto. Enalteceram a democracia e agradeceram
seus votos. Passado o tempo da delicadeza, será a hora de ver como se
comportará a oposição.
Chávez surpreendeu ao fazer um reconhecimento insólito: disse
que são muitas, sim, as falhas de seu governo. E prometeu lutar ao máximo para
corrigir todas elas.
Henrique Capriles prometeu colaborar para que a Venezuela
tenha dias melhores.
Há uma diferença enorme entre a palavra de Chávez e a da
oposição. A maioria dos venezuelanos – 54,4% deles – demonstrou, nas urnas, em
qual dessas palavras vale a pena confiar. Afinal, e apesar de tudo, a vida
mudou muito, e para muito melhor, ao longo dos últimos treze anos. Foi tanto o
conquistado, que a maioria sabe que conquistou também o direito de reclamar. E
o primeiro a reconhecer esse direito foi precisamente o homem que mudou o rosto
do país: Hugo Chávez.
http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/afinal-por-que-a-venezuela-reelegeu-hugo-chavez.html
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