A Democracia em Risco - Por Marcos Coimbra, na CartaCapital
Enquanto a democracia brasileira dá mais uma mostra de saúde,
com as belas eleições do domingo 7, uma tempestade se arma contra ela. É bom
estarmos prevenidos, pois seus efeitos podem ser graves.
Faz tempo que uma doença atinge nossas instituições. Os
especialistas a chama de judicialização.
A palavra não existia até há pouco. Mas teve de ser criada,
pois um fenômeno novo e relevante surgiu e precisava ser batizado.
Designa a hipertrofia do judiciário e sua invasão das
atribuições dos demais Poderes. A judicialização acontece quando esse poder
submete, ou quer submeter, o Legislativo e o Executivo.
No mundo de hoje, é mais comum que o Executivo seja a ameaça.
As queixas são generalizadas contra a perda de funções do Legislativo,
subtraídas por seu crescimento desmesurado. Administrações cada vez mais
complexas e burocratizadas, que atuam como se estivessem em campo oposto aos
parlamentos, são regra e não exceção.
O que estamos presenciando é outro fenômeno. A
“judicialização” nada tem a ver com as tensões tradicionais e necessárias que
existem entre os Poderes.
Na democracia, a fonte da legitimidade do Executivo e do
Legislativo é a mesma: o voto popular. O primeiro reflete a maioria, o segundo,
a diversidade, pois nele todas as minorias relevantes podem se expressar.
O Judiciário é diferente, por ser o único poder cujos
integrantes são profissionais de carreira e não representam ninguém. E é especialmente
grave o risco de que invada a esfera dos outros. De que queira subordiná-los ao
que seus titulares eventuais, na ausência de um mandato popular autêntico,
supõem ser o interesse coletivo.
O julgamento do “mensalão” tem sido o mais agudo exemplo da
judicialização que acomete nossas instituições.
Já tínhamos tido outros, um de consequências nefastas nas
questões de fundo suscitadas pelo episódio do mensalão. A ploriferação
artificial de partidos, encorajada por uma legislação que há muito precisa ser
revista, foi limitada por lei emanada do Congresso Nacional, que a Presidência
da República sancionou. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a restaurou.
Em nome de um “democratismo”, manteve normas que complicam o
voto para o eleitor e dificultam a formação de maiorias parlamentares menos
voláteis, problema que todos os presidentes enfrentaram e enfrentam.
Isso é, porém, café pequeno perante o que estamos vendo desde
o início do julgamento.
Sem que tenha recebido da sociedade mandato legítimo, o STF
resolveu fazer, à sua maneira, o que entende ser o “saneamento” da política
brasileira. Ao julgar o mensalão, pretende fixar o que o sistema político pode
fazer e como.
Imbuído da missão autoatribuída, faz o que quer com as leis.
Umas ignora, em outras inova. Alarga-lhes ou encurta o alcance conforme a
situação. Parece achar que os fins a que se propõe são tão nobres que qualquer
meio é válido.
O problema desse projeto é o de todos que não obedecem ao
princípio da representação. É o que esses ministros querem.
São 11 cidadãos (agora dez) com certeza capazes em sua área
de atuação. Mas isso não os qualifica a desempenhar o papel que assumem.
Pelo que revelam em seus votos e entrevistas, conhecem mal a
matéria. Falta-lhes informação histórica e têm pouca familiaridade com ela.
Pensam a política com as noções de senso comum, com preconceitos e
generalizações indevidas.
Acreditam que a democracia deve ser tutelada, pois o povo
precisaria da “proteção”de uma elite de “homens de bem”.
Acham-se a expressão mais alta da moralidade, que vão
“limpar” a política e dela expulsar os “sujos”. Estão errados.
Mas não é isso o que mais preocupa. Ainda que fossem dez
ministros com notável conhecimento, ótimas idéias e nenhuma pretensão, que
delegação teriam?
Na democracia, quem quer falar pelo povo tem um caminho:
apresentar-se, defender o que pensa e obter um mandato.
Fora disso, não há regras. Generais já se acharam melhores
que os políticos, mais “puros”. Como os juízes de hoje, os generais estavam
preparados e eram patriotas. Desconfiavam dos políticos. Viam-se como expressão
da sociedade. Liam na grande mídia que “precisavam responder aos anseios do
País” e moralizar a política. Tinham um deles para pôr no poder.
O final daquele filme é conhecido. E o de agora?
http://www.viomundo.com.br/denuncias/marcos-coimbra-stf-invade-atribuicoes-dos-demais-poderes.html
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