Frank La Rue
A passagem de Frank La Rue pelo Brasil foi solenemente
ignorada pela maioria dos meios de comunicação. Entende-se: o jornalista
nascido na Guatemala, relator especial para a promoção e proteção do direito à
liberdade de opinião e expressão das Nações Unidas, é um crítico duro e
contumaz dos oligopólios de mídia no mundo e, em especial, na América Latina.
Em uma viagem de três dias, La Rue reuniu-se com congressistas e militantes dos
movimentos sociais organizados pela Frente Parlamentar pela Liberdade de
Expressão, coordenada pelo deputado Domingos Dutra (PT-MA), também presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Participou de debates organizados
pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, esteve em ministérios,
foi à Secretaria Geral da Presidência da República e à Universidade de
Brasília.
La Rue. Defensor de
leis que ampliem a diversidade nos meios de comunicação
Antes, contudo, entrou na cova dos leões. Na quarta-feira 12,
logo cedo, o relator da ONU visitou a Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e Televisão, a principal representante do oligopólio combatido por La
Rue. Diante do presidente da entidade, Daniel Slaviero, e de meia dúzia de
diretores, não se fez de rogado: criticou o monopólio de comunicação, pregou a
democratização da informação e, para desconforto dos interlocutores, defendeu a
aplicação da Lei de Meios na Argentina, o fantasma normativo que assombra os
donos da mídia da região.
Na Câmara, declarou-se “perplexo” com a postura do Supremo
Tribunal Federal, prestes a tornar ineficaz a classificação indicativa da
programação de tevê graças a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida
pelo PTB, sob encomenda da Abert. “Não me lembro de outro país cuja Suprema
Corte mostrasse alguma disposição em sacrificar o direito de crianças.” Por
conta de um pedido de vistas do ministro Joaquim Barbosa, o julgamento no STF
foi suspenso, no mês passado, quando quatro ministros (Dias Toffoli, Luiz Fux,
Cármen Lúcia e Ayres Britto, que adiantou o voto antes de se aposentar) tinham
votado a favor dos interesses da Abert. Em meio a tantos compromissos, La Rue
concedeu a seguinte entrevista a CartaCapital.
CartaCapital: O que é
liberdade de expressão?
Frank La Rue: É um direito universal, um direito de todos, e
não apenas das grandes corporações de mídia. Liberdade de expressão não é só o
direito de liberdade de imprensa. É um direito de a sociedade estar bem
informada, é uma questão de Justiça e cidadania vinculada diretamente ao
princípio da diversidade de meios. Por isso, o monopólio de comunicação é
contra, justamente, a liberdade de expressão e o exercício pleno da cidadania.
CC: O monopólio é uma
regra na -América Latina?
FLR: Na América Latina há um fenômeno histórico comum porque
toda a estrutura de comunicação social foi pensada somente pela ótica
comercial. E a comunicação é muito mais do que isso, é um serviço público.
Nenhum problema em também ser um negócio, ninguém está contra isso, mas deve
prevalecer o espírito do serviço à coletividade, feito com qualidade e
independência, de forma honesta e objetiva. Isso só pode funcionar fora da
estrutura de monopólio, dentro do princípio da diversidade e do pluralismo de
meios.
CC: O que o senhor acha
da transformação desses monopólios, a exemplo do Brasil, em estruturas
partidárias de oposição?
FLR: Não importa se os meios de comunicação se colocam ou não
na oposição a governos, como ocorre em parte da América Latina, isso é parte do
conceito de liberdade de expressão. O problema é quando todos os meios, quando
todas as corporações de mídia têm uma única posição. Esse tipo de monopólio, da
opinião e do pensamento, é uma violação, inclusive, à -liberdade de empresa. É
concorrência desleal.
CC: Por isso o senhor
tem declarado publicamente seu apoio à Lei de Meios baixada pelo governo
Cristina Kirchner na Argentina?
FLR: Na Argentina apoiei a Lei de Meios, a norma, não o
governo, porque esse não é meu papel. Lá foi feita uma divisão correta do
espectro de telecomunicações de modo a quebrar o monopólio local (nas mãos do
Grupo Clarín), em três partes: comercial, comunitária e pública. No Uruguai
está em discussão uma lei semelhante, mas ainda mais avançada, pois fruto de um
processo de amplo diálogo com a população. Isso é fascinante, o caminho do
consenso nacional.
CC: Qual é o papel da
internet no processo de quebra dos monopólios e democratização da informação?
FLR: É muito importante garantir o direito de acesso à
informação, via inclusão digital, justamente para as populações mais pobres que
vivem nos locais mais distantes. As novas tecnologias não podem ficar restritas
a poucos, devem ser compartilhadas com todos. Todos devem ter acesso à
informação e, ao mesmo tempo, difundir amplamente opiniões distintas sobre
diversos temas.
CC: Mas como
viabilizar?
FLR: É preciso, primeiro, romper o silêncio social derivado
do monopólio, só assim será possível romper também os ciclos de impunidade e
injustiça que derivam desse modelo.
CC: Como no caso do
Brasil?
FLR: Não posso me pronunciar sobre o caso específico do
Brasil, não estou em visita oficial ao País. Mas a posição dos BRIC (Brasil,
Rússia, Índia e China) é muito importante no processo de inclusão digital e de
neutralidade da internet. É fundamental mantermos esse diálogo de modo a
proteger a neutralidade da rede, de garanti-la para todos. Porque há muita
gente interessada em regular a internet, quase sempre em nome da segurança
nacional, mas a verdadeira intenção é a de violar a privacidade do cidadão. Não
sou contra, obviamente, combater o terrorismo. Não se pode usar, no entanto, o
argumento como desculpa para controlar a internet. No caso da rede mundial de
computadores, o marco legal é o dos direitos humanos.
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