O medo da oposição e de setores da mídia do "Eu
voltarei" pode explicar os ataques
e tentativas de desconstruir a imagem do
presidente mais popular da história.
Ele se diverte, e nós também!
ANDRÉ SINGER, Folha de S. Paulo
Voltei
O discurso de Lula anteontem em Paris deve ser lido com
atenção. Não só porque foi mencionada a chance de nova candidatura, o que lhe
dá sabor histórico. Quiçá, no futuro, o cabalístico 12/12/12 fique como o dia
da célebre entrevista em que Getúlio anunciou a Wainer: "Eu
voltarei".
Para os que buscam sinais, aliás, convém anotar outras
passagens. A certa altura, o antigo mandatário deixa escapar: "Se é
verdade o número que o meu ministro da Economia falou na hora do
almoço...". Adiante, afirma aguardar que "a gente consiga fazer um
acordo mais razoável" na conferência do clima prevista para se dar em
Paris em 2015. Já quase ao final, solta o seguinte: "Espero que os
presidentes das Repúblicas não se reúnam mais para discutir crise. Nós temos
que discutir soluções".
Os indícios esotéricos espalhados em uma hora e 20 minutos de
duração não constituem, contudo, os elementos centrais do pronunciamento. Se o
ex-metalúrgico será ou não candidato em 2014, depende de fatores cujo controle
escapa a qualquer um. Interessa a disposição atual do personagem e, acima de
tudo, o programa com que sobe ao palanque.
O orador fez, com voz firme, diagnóstico amplo da crise
econômica mundial e dos consequentes desafios postos aos homens e mulheres de
Estado no início do século 21. Os ouvintes que se deixarem levar pela forma -a
aparência simples dos enunciados- perderão a abrangência do raciocínio,
concorde-se com ele ou não.
Para Lula, os impasses chegaram a tal ponto que ou a política
reassume o comando para preservar os avanços obtidos depois da Segunda Guerra
Mundial ou caminharemos para o pior. Comparando a situação europeia -epicentro
de processo regressivo mais geral- a um paciente com a perna já amputada, disse
que "se demorar mais um pouco, poderá morrer".
Mas diante de quadro tão grave, o que impede os Estados de
agirem para interromper a gangrena, salvando o bem-estar social e devolvendo
perspectivas de desenvolvimento para o conjunto da humanidade? Quem são os tão
poderosos inimigos da raça humana? Aí a surpresa. Refratário, em condições
normais, a nomear adversários, o ex-presidente, nas derradeiras frases, decidiu
colocar pingos nos "is". "Essa crise é da responsabilidade de
pessoas que nós nem conhecemos porque, quando o político é denunciado, a cara
dele sai de manhã, de tarde e de noite no jornal. Vocês já viram a cara de
algum banqueiro no jornal?"
Acaso fosse necessária indicação adicional sobre como, na
visão de Lula, estariam relacionadas a esfera global e as acusações de
corrupção no Brasil, fez questão de arrematar: rosto de banqueiro não aparece
"porque é ele que paga a propaganda".
ANDRÉ SINGER escreve aos sábados nesta coluna.
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