Depois de pegar em armas contra a ditadura, Genoino pode
voltar à prisão em plena democracia. Mas encontra na família e nos amigos
energia para defender sua história
Por: Paulo Donizete de Souza
Rioco Kayano foi presa em abril de 1972. Caiu nas mãos da
repressão à Guerrilha do Araguaia pouco depois de se hospedar em Marabá (PA). O
cerco se fechava. A operação contra 70 guerrilheiros teria reunido até 10 mil
soldados. José Genoino a conheceu em 1968, das reuniões do PCdoB. E, se a vida
na clandestinidade os afastou, a cadeia os uniu. Genoino assistiu à final da
Copa de 1970, Brasil 4 x 1 Itália, na casa de Rioco. Embarcou para o sul do
Pará no dia em que a seleção brasileira voltou do México. Os tricampeões
desfilavam no Anhangabaú, em São Paulo, e ele tomava um ônibus para Campinas
(SP), depois Anápolis (GO), Imperatriz (PA), selva. Preso no mesmo mês que a companheira,
avistou-a na prisão. Estavam em diferentes salas de tortura e olharam-se
acidentalmente através de um espelho – temendo pelo que teriam de suportar.
Passaram a trocar mensagens de amor. Casaram-se em 1977, quando ele foi solto.
Quando embarcaram para a luta armada, não imaginavam que em
menos de uma década o regime autoritário passaria por uma abertura gradual – e
“segura” para os golpistas de 1964. Preso numa cela em Carolina do Norte, tendo
agora como sonho imediato um pouco de água para abrandar a secura provocada
pela malária e pelos choques elétricos, como poderia supor que em 1980 seria o
sétimo filiado do diretório do Butantã de um partido legalizado e apto para a
disputa e pelo qual seria eleito deputado federal em 1982?
A entrevista
Tampouco cogitaria eleger um operário presidente da República
20 anos depois. Muito menos que cairia numa emboscada diferente e, em plena
democracia, seria condenado, por acusações não provadas de corrupção ativa e
formação de quadrilha, a seis anos e 11 meses de prisão.
Resultado de uma trama conduzida com astúcia por políticos,
juízes e setores da imprensa, o julgamento do “mensalão” dará ainda muito
assunto para a história. Enquanto isso, Genoino e sua família cerram novas
fileiras. Quarenta anos depois de cair na guerrilha, as armas de Rioco para
enfrentar o cerco ao marido são outras. Paciência e bordado; a solidariedade
dos amigos; a presença silenciosa e protetora do filho Ronan, de 29 anos; os
escritos e a fé da filha Miruna, de 32, e da enteada Mariana, de 27, que mora
em Brasília e tinha 14 quando foi apresentada a Rioco e aos irmãos. O pai tinha
medo, esperou que ela e eles crescessem. “Quando veio essa situação foi muito
difícil. Mas a Mariana é um ser humano sensacional, que até me emociona”, diz Miruna.
Rioco, aposentada há cinco anos, participa de grupos de
pintura e bordados. No dia 9 de outubro, viu o marido despedir-se do cargo de
assessor do Ministério da Defesa, após a condenação no Supremo Tribunal
Federal, com uma carta. Na mensagem, aberta com a frase “Eles passarão, eu
passarinho”, de Mário Quintana, o ex-presidente do PT afirma: “Reservo-me o
direito de discutir a sentença que me foi imposta. Uma injustiça monumental foi
cometida”.
Eles passarão, eu passarinho.
Rioco levou o passarinho de Quintana para o bordado. “Eu digo
para os meus filhos que cada um tem de desenvolver a sua arma para lidar com a
situação. A arma do Genoino é a fala. A Miruna escreve. O Ronan recorre ao
silêncio. E eu pinto e bordo”, define. A escrita de Miruna em apoio ao pai, “A
coragem é o que dá sentido à liberdade”, correu mundo tão logo o STF proferiu a
sentença.
A carta não poupa a imprensa: “Você teria coragem de assumir
como profissão a manipulação de informações e a especulação? Se sentiria feliz,
praticamente em êxtase, em noticiar a tragédia de um político honrado? Pois os
meios de comunicação tiveram coragem de fazer isso tudo e muito mais. Mas, ao
encontrar-me com meu pai e sua disposição para lutar e se defender, vejo que
apenas deram forças para que esse genuíno homem possa continuar sua história”.
Além de escrever, ela reza. Outro dia pegou o marido e os filhos e foi para
Aparecida (SP). “Tenho muita fé”, diz. “Até para, diante de uma situação em que
você se sente impotente, poder sentir que está fazendo alguma coisa.”
É dela um dos 100 pares de mãos que já participaram do
bordado. “Veio à cabeça convidar as pessoas que vinham aqui a participar. Foi
uma arma contrapor a algo tão negativo uma coisa bonita”, conta Rioco.
“Apareceu gente que não sabe nem colocar linha em agulha. Esse desejo de que
coisas boas aconteçam traz energia e nos fortalece. Esse pássaro, fênix,
representa um pouco isso. Depois dessa travessia tão difícil o Genoino vai
renascer.”
Genoino diz que a política é algo permanente em sua vida. E
nunca pela metade. “Eu sempre assumi aquilo que era preciso.” Assumiu inclusive
missões que não desejava, como a candidatura a governador de São Paulo em 2002
– “para dar sustentação à candidatura de Lula no estado” – ou a presidência do
PT em 2003 – “Eu não tinha mandato e era necessário uma pessoa conhecida na
presidência do PT”.
Desde o início de outubro, convive com a missão de reverter
os efeitos de um julgamento que considerou politizado pela Justiça e pela
mídia. A mesma missão vivida por José Dirceu, companheiro de UNE no Congresso
de Ibiúna, em 1968, de clandestinidade, de construção de um novo partido, que
elegeria Lula. Condenado a 10 anos e 10 meses por corrupção ativa e formação de
quadrilha, também sem apresentação de provas pela acusação, Dirceu foi
considerado líder do núcleo político do “mensalão”, ao lado de Genoino e do
ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, penalizado com 8 anos e 11 meses.
Quando Genoino recebeu a reportagem da Revista do Brasil e da
TVT em sua casa, no Butantã, em 19 de novembro, estava acompanhado de Rioco e
Miruna. Durante duas horas, falou de sua história, de sua família, da
solidariedade que tem recebido de amigos e de estranhos e da energia que tem
encontrado para defender sua história. Leia os principais trechos nos links
destacados acima.
Colaborou Talita Galli, da TVT
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