Um filme, que
permaneceu oculto durante 42 anos, revela como a ditadura civil-militar
(1964-1985) treinou uma Guarda Rural Indígena com técnicas de torturas – inclusive
o pau-de-arara – com o objetivo de controlar militarmente aldeias de cinco
etnias. A Guarda Rural Indígena (GRIN) foi criada em 1969 através de Portaria
do ditador terrorista, Emílio Garrastazu Médici. O filme foi descoberto pelo pesquisador
Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e
membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese (SP).
O QUE MOSTRAM AS CENAS? Pesquisando no Museu do Índio, no Rio
de Janeiro, Zelic encontrou o DVD “Arara”, fruto da digitalização de 20 rolos
de filme 16mm, sem áudio. Um dos filmes mostra um dia festivo, em 1970, auge da
ditadura militar do general-terrorista Garrastazu Médici, no quartel do
Batalhão-Escola Voluntários da Pátria, da Polícia Militar de Minas Gerais, em
Belo Horizonte. Civis, crianças, jovens e velhos residentes do bairro Prado
assistiam a formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena.
No palanque lotado, sorridentes, estavam autoridades federais
e estaduais: o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti (signatário
do AI-5 em 13/12/1968); o governador de Minas, Israel Pinheiro; o
ex-vice-presidente da República e deputado federal José Maria Alkmin; o
presidente da FUNAI, José Queiróz Campos; o comandante da Infantaria
Divisionária (ID-4), general Gentil Marcondes Filho, secretários estaduais de
governo e o comandante da PMMG coronel José Ortiga.
O que a fina flor da ditadura militar assistia do alto do
palanque? Eles se deleitavam com 84 índios recrutados em aldeias Xerente,
Maxacali, Carajá, Krahô e Gaviões marchando com fardas verdes e armados.
Desfilavam para mostrar o que aprenderam em três meses de formação sob as
ordens do capitão Manuel dos Santos Pinheiro, sobrinho do governador e Chefe de
Ajudância Minas-Bahia, o braço regional da FUNAI.
Mostraram judô, demonstrações de captura a cavalo e condução
de presos com e sem armas. O Jornal do Brasil deu a manchete “Os Passos da
Integração”.
Então vem o “grand finale”: soldados da Guarda Rural Indígena
marcham diante da multidão carregando um homem pendurado num pau-de-arara. O
pau-de-arara foi a contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de
tortura, usado desde os tempos do Brasil Colônia para punir “negros fujões”. O
suplício ganhou o nome por lembrar as varas usadas para levar aves ao mercado, atadas
pelos pés.
Na ditadura civil-militar o pau-de-arara era usado nos porões
dos quartéis, as denúncias eram cinicamente sempre negadas. Mas, naquele filme
de 26 minutos e 55 segundos, o suplício era exibido orgulhosamente, à luz do
dia, em ato oficial. Sob os aplausos das autoridades e da multidão. Beirava ao
fascismo. Os jornais e revistas da época , inclusive o Jornal do Brasil e a
revista O Cruzeiro, esconderam as fotos incriminadorasnas reportagens.
A Comissão Nacional da Verdade tem um grande desafio pela
frente: revelar como a ditadura reprimiu, puniu e torturou os indígenas
brasileiros. Há relatos de espancamentos, arbitrariedades e estupros praticados
contra os indígenas, pelos indígenas militarizados por generais do Exército
Brasileiro, que comandavam a Polícia Militar.
Uma reportagem imensa foi assinada pela jornalista Laura
Capriglione (Folha de S. Paulo, 11/11/2012), com fotogramas do desfile,
inclusive a cena chocante do índio carregado no pau-de-arara. O filme é parte
do acervo sobre 60 povos indígenas, coletado durante 40 anos pelo
documentarista Jesco Von Puttkamer, um filho de alemães que foi parar nas
prisões da Gestapo durante a Segunda Guerra Mundial, por se recusar a se
alistar no Exército nazista.
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