A legalização da produção, comércio e consumo de drogas, sob
rígido controle do Estado, entre outros benefícios, deixaria o tráfico
desprovido de suas armas maiores, que são a clandestinidade e mistério das
operações. Os bancos que operam na atividade são, hoje, os cúmplices mais
abomináveis e dos mais bem remunerados agentes nesse mercado.
Mauro Santayana
Há duas atividades econômicas que têm escapado ao controle
dos Estados e das sociedades: o sistema financeiro e o mercado mundial das
drogas. Talvez seja melhor proibir a atividade bancária privada, com a
estatização das instituições financeiras, e permitir, mediante o controle
médico do governo, o consumo das drogas. O sistema bancário, como existe agora,
além de sua cumplicidade com o narcotráfico, tem sido responsável pelas crises
econômicas mundiais, porque atua à margem da ética e da justiça.
Dessa forma, seria possível quebrar a aliança tácita, secreta
e criminosa, entre os bancos, que administram o dinheiro da produção e tráfico
dos narcóticos, os gangsters que exploram os plantadores de papoula, coca e
maconha, os laboratórios que sintetizam novos narcóticos, e os pequenos
delinqüentes que distribuem a commodity aos consumidores finais, e matam e
morrem na defesa de seu território de atuação.
O grande mercado mundial dos estupefacientes nasceu no
momento de ascensão do capitalismo que se diz liberal, na segunda metade do
século 19, e cresceu até tornar-se o que é hoje. A cocaína e a heroína foram
dois exemplos da globalização da economia. De medicamentos eficientes em certas
enfermidades, obtidos do refino do ópio e do extrato de coca, transformaram-se
na praga social de nosso tempo. O símbolo dessa parceria é a Coca Cola,
produzida a partir do extrato das folhas de coca, e a marca emblemática da
sociedade de consumo imposta pelo american way of life.
O Brasil, segundo os especialistas, é o segundo mercado
mundial das drogas, depois dos Estados Unidos. Desse negócio, que também
poderíamos chamar “Indústria do Medo”, e da demanda que ele gera, sobrevivem
milhões de brasileiros.
Traficantes, “mulas”, “aviõezinhos”, “fogueteiros”,
milicianos, apresentadores de programas sensacionalistas de rádio e televisão,
fabricantes de equipamentos e sistemas de segurança, empresas de vigilância,
policiais corrompidos, advogados, juízes, promotores, clínicas e ONGs
especializadas no tratamento de viciados em drogas. Esses, de vítimas se
transformam, pelas circunstâncias, em delinqüentes, que assaltam e roubam, para
continuar consumindo as drogas.
Policiais criminosos, como os que foram presos, às dezenas,
há menos de um mês e recolhidos a um quartel do Rio de Janeiro, extorquem e
ameaçam os pequenos “traficantes”. Para continuar traficando e sobrevivendo,
quadrilhas combatem outras, pelo direito de ocupar os pontos de vendas. O
usuário pobre, sem dinheiro, é eliminado quando não paga a sua dívida de droga.
Alguns agentes penitenciários engordam o salário do mês,
levando o que é apreendido por policiais corruptos para dentro dos presídios,
da mesma forma que contrabandeiam cartões e telefones celulares.
Nesse quadro assustador, que se reflete no aumento brutal dos
homicídios em nosso país – só em São Paulo o número de mortos a tiros quase
dobrou no último ano e se espera que 37.000 adolescentes serão assassinados no
ano que vem – é alentador que policiais honrados, juízes e membros do
Ministério Público do Rio de Janeiro tenham organizado uma associação em favor
da descriminalização do consumo de drogas. O grupo, fundado pela juíza Maria
Lúcia Karam, há dois anos, pequeno em seu início, conta hoje com 68 membros, e
se inspira na LEAP – Law Enforcement Against Prohibition – criada nos Estados
Unidos também por policiais e juízes.
A legalização da produção, comércio e consumo de drogas, sob
rígido controle do Estado, entre outros benefícios, deixaria o tráfico
desprovido de suas armas maiores, que são a clandestinidade e mistério das
operações. Os bancos que operam na atividade são, hoje, os cúmplices mais
abomináveis e dos mais bem remunerados agentes nesse mercado. Sempre impunes,
pagam multas irrisórias, quando flagrados ao cometer o crime de lavagem do
dinheiro do tráfico. Com a legalização, eles ficariam sob a vigilância das
autoridades estatais.
O melhor, mesmo, para colocar a ordem da justiça na sociedade
brutalizada de nosso tempo, e poupar da morte a juventude, seria a estatização,
no mundo inteiro, das atividades bancárias. Um dia chegaremos lá.
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