por Lincoln Secco, especial para o Viomundo
“Irene preta / Irene
boa / Irene sempre de bom humor./ Imagino Irene entrando no céu:/ — Licença,
meu branco!/ E São Pedro bonachão:/ — Entra, Irene. Você não precisa pedir
licença.” (Manuel Bandeira).
É de Manuel Bandeira o belo poema “Irene no Céu”. Os três primeiros versos são sempre ritmados
por uma acentuação das sílabas poéticas que facilmente nos convida a cantar.
Assim, mais que a cor de Irene, também o ritmo parece popular. Ao mesmo tempo é
visível o distanciamento entre o eu poético e a voz da própria Irene ao entrar
onde, a princípio, não seria convidada. Afinal, Irene pede licença. Ela não deveria, posto que seja seu o direito
de entrar no céu, já que é boa.
Desde 2003, quando Lula se tornou presidente, o Partido dos
Trabalhadores (PT) aparece na grande imprensa como uma imensa coleção de
escândalos. E desde então uma pergunta tem incomodado a base social do PT: por
que os dirigentes petistas têm tanto medo? A resposta não é simples e poderia
ser reformulada: Por que alguém que recebe o poder das mãos do povo pede
licença para exercê-lo?
Recentemente, a Polícia Federal invadiu o escritório da
Presidente da República para encontrar “provas” contra o seu antecessor, que é
simplesmente o seu maior apoiador. A primeira e única defesa petista foi a de
que agora a PF age como instituição republicana e independente blá blá blá blá…
Da mesma maneira o STF agiu como instituição independente… Ora, alguém imaginaria a PF invadindo o
escritório de Fernando Henrique Cardoso quando ele era presidente?
Ante a condenação de José Dirceu, José Genoino e João Paulo
Cunha, o PT não reagiu. Aceitou o julgamento como legítimo. Ante o receio do
confronto com a imprensa, o relator Odair Cunha buscou refúgio no presidente do
PT, Rui Falcão. E este, escondeu-se em algum lugar.
É certo que há políticos em qualquer partido que ganham com a
queda de seus adversários internos e o PT não é diferente. Mas nada disso
explica um comportamento coletivo de uma passividade bovina.
A explicação da covardia política não é, evidentemente, a de
que os dirigentes petistas sejam naturalmente medrosos. Como em todos os
partidos existem os covardes, os corruptos, os que se associam a banqueiros
etc. Mas há também os que não se curvam e lutam.
Que o “oprimido” se ache sem o direito de ocupar um lugar que
não é o seu, é bastante compreensível. O PT forjou em sua história uma nova
elite de sindicalistas, professores de ensino fundamental, líderes de
movimentos sociais e pessoas de classe média que oportunamente aderiram ao
partido. A ascensão social e política dessas pessoas não teve correspondência
na ideologia, a qual continua sendo a dos que detêm os meios de produção de
mercadorias materiais e espirituais.
Contudo, por mais que ataquem o PT e destruam seletivamente
suas lideranças, os opositores não conseguem retomar o governo. E isto acontece
porque eles não dispõem de programa alternativo nenhum. Sem discutir os erros
estruturais do Governo Lula, é visível a melhoria social que ele gerou.
Enquanto durar esta conjuntura, as armas da oposição serão
inúteis e o PT poderá continuar jogando seus timoneiros ao mar. Há “petistas”
que imaginam que é bom que a imprensa “limpe” o partido. Há os que acreditam
que os escândalos apenas maculam a sua História. Nada mais falso. Não é a
história do PT que está em jogo. É o seu futuro.
Lincoln Secco é Professor de História Contemporânea na USP e
autor de “A História do PT” (São Paulo, Ateliê Editorial)
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