Os fatos caminham à frente das idéias. Mas é preciso
ajudá-los com a materialidade destas para que a história possa girar a sua roda
e sancionar os novos sujeitos, que por sua vez vão protagonizar fatos
fundadores do período seguinte. Assim sucessivamente.
O nascimento de um partido - um verdadeiro partido --
representa de certa forma a fusão desses diferentes momentos. É ao mesmo tempo
um fato, uma ideia e um sujeito.
Mas até quando?
A pergunta reverbera o divisor vivido hoje pelo PT. Em que
medida o partido ainda persiste como portador do tríplice mandato da história?
Mais que isso: quais forças e que lideranças serão capazes de
conduzir a renovação desse mandato no horizonte dos desafios marmorizados na
crise da ordem neoliberal?
Fundado em fevereiro de 1980, o PT completa 33 anos em 2013.
Quase um terço de sua existência se deu no comando da Nação.
Isso propiciou aos quadros dirigentes um acervo único de experiência nas
condições difíceis da política brasileira.
Com Dilma, o PT completa o terceiro mandato presidencial. Não
se pode dizer mais, como se dizia em 2002, que esse partido não sabe governar o
capitalismo brasileiro.
O aprendizado teve um preço; marcou o rosto e a alma petista.
Ademais da experiência ímpar, ele gerou, também, um escopo de responsabilidades
e compromissos cujo peso tende a frear o ímpeto renovador da legenda.
A frase 'o interesse dos gabinetes passa a predominar sobre
as inquietações das bases' serve indistintamente a legendas progressistas que
ascenderam ao poder.
Tampouco é estranha ao PT.
O quanto influenciará no enfretamento da pauta agendada para
2013 e 2014 é a interrogação que paira não apenas sobre o destino do partido.
Não se trata de questão particular aos petistas. Ela fala à democracia
e ao destino do desenvolvimento na próxima década. Nesse sentido fala à
presente e futura geração de brasileiros.
O PT enfrentará de agora em diante uma situação singular.
Seu peso específico na sociedade nunca foi tão relevante. A
disjuntiva é única na história nacional: se esse partido progressista souber
avançar à contrapelo da estagnação inerente à passagem pelo poder, mudará o
horizonte brasileiro; se tropeçar ou se acanhar, seu fracasso será também em
grande medida o fracasso da Nação.
A calcificação tem sido a regra geral da passagem da esquerda
pelo poder de Estado. Mas a história não é fatalidade. E a sorte do PT dispõe
de contrapesos poderosos.
De alguma forma a trajetória do partido e a das forças
progressistas reordenadas ao seu redor foi condicionada nessa última década por
dois impulsos.
Um primeiro, de predominância defensiva, pode ser
arbitrariamente delimitado entre a chegada ao governo, em 2002, até a
reeleição, em 2006. O segundo, de transição, respondeu ao colapso da ordem neoliberala
partir de 2008 e assim perdura até os nossos dias.
Colapso cambial e cerco conservador marcaram o primeiro
ciclo, de natureza quase reflexa, encerrado na reeleição de 2006, em meio às
denúncias do chamado mensalão.
Inicia-se, então, e de novo com a ressalva da demarcação
rudimentar, a travessia de uma agenda econômica defensiva para um registro de
maior margem de manobra ideológica, ofertado ao partido pela desordem
neoliberal capitalista.
A condenação sem provas de algumas de suas mais expressivas
lideranças na Ação Penal 470, num grotesco episódio do Direito que maculou o
Judiciário e anexou o STF ao ativismo midiático conservador, adiciona um
complicador e uma ruptura a esse percurso,a partir de 2013.
Em que medida o partido saberá andar no trilho duplo, capaz
de encadear a reação ao arbítrio ao impulso renovador requerido da agenda? Em
que medida será capaz de fundir os dois imperativos, sem se perder na batalha
do dia anterior, mas tampouco sacrificar e desguarnecer sua estrutura de
quadros que ainda lhe são imprescindíveis?
Trata-se de um teste de auto-superação da máquina e dos
dirigentes petistas. Um teste único na história da esquerda brasileira. Vale a
pena vivenciá-lo de forma engajada.
Está longe de ser um teste que possa ser travado no âmbito
exclusivo dos acertos de conta internos.
Seu êxito requer um aggiornamento da vida democrática do
partido, desde a base, até a reativação da caldeira intelectual, capaz - juntos
- de sacudir a modorra percolada dos gabinetes.
A questão é saber quem conseguirá catalisar essas
transformações para dar um rosto novo ao PT.
O fato de que essa liderança não esteja pronta pode ser
dramático: temos agendas sem um núcleo capaz de se assumir como seu porta-voz.
Mas também pode ser auspicioso:abre-se um espaço de renovação
programática e militante que deve materializar-se na equação dos novos espaços
de poder e de disputa ideológica que desafiam o partido.
Decorre daí a questão que nos leva de volta ao começo da
conversa: em que medida o PT reúne energias e inquietações para voltar a ser,
ao mesmo tempo, um fato, uma ideia e um sujeito do próximo ciclo do
desenvolvimento brasileiro?
Se os desafios são imensos - imersos no vale tudo desesperado
do dispositivo midiático conservador - os trunfos de partida não são menores.
A consciência do divisor histórico sacode a modorra
partidária em múltiplas frentes. O novo desponta em distintas dimensões.
O novo é Márcio Pochmann na direção da Fundação Perseu
Abramo, que tem garra e talento para fazer desse tink thank petista,
finalmente, um centro de reflexão da agenda da esquerda brasileira no século
21.
O novo é a caravana da cidadania de Lula, que deve percorrer
e galvanizar o país - e afrontar o conservadorismo - a partir de fevereiro
próximo.
O novo é a mídia alternativa ser reconhecida de uma vez por
todas - como já faz a direção atual do PT, sob o comando de Rui Falcão - como
parceira indispensável da transição para o desenvolvimento que o país urge e
pode construir, em meio ao colapso neoliberal e a sabotagem conservadora.
O novo é Fernando Haddad em SP ecoando o desassombro de
administrações progressistas em todo o Brasil.
O novo é fazer da maior metrópole brasileira um laboratório
de renovação de políticas e práticas públicas de abrangência e ousadia
equivalentes ao tamanho do anseio brasileiro por democracia e justiça social.
O novo recobre de sentido histórico a virada mecânica do
calendário.
Que 2013 seja um Ano Novo digno desse nome.
Postado por Saul Leblon
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