“A maior ofensiva
contra os direitos sociais levada a cabo desde a Segunda Guerra Mundial à
escala europeia” é o terceiro artigo da série “Bancos contra povos: os
bastidores de um jogo manipulado” de Éric Toussaint.
ARTIGO - POR ERIC TOUSSAINT
Por toda a parte no mundo, o Capital lançou uma ofensiva
contra o Trabalho. É na Europa que, desde 2008, a ofensiva assume uma forma
mais sistemática, a começar pelos países da periferia - Foto de Paulete Matos
Os dois primeiros artigo também estão publicados no
esquerda.net: “2007-2012: 6 anos que abalaram os bancos” e “O BCE e a Fed ao
serviço dos grandes bancos privados”.
Não subestimemos a capacidade de os governantes tirarem
partido de uma situação de crise
Os grandes meios de comunicação abordam regularmente a
questão do possível desmembramento da Zona Euro, o falhanço das políticas de
austeridade em matéria de relançamento económico, as tensões entre Berlim e
Paris, entre Londres e os membros da Zona Euro, as contradições no seio do BCE
(Banco Central Europeu), as enormes dificuldades para alcançar um acordo
orçamental para a UE, as crispações de certos governos europeus em relação ao
FMI a propósito da dosagem da austeridade. Tudo isto é verdade, mas não podemos
esquecer um ponto fundamental: a capacidade de os governantes, que se colocam
docilmente ao serviço dos interesses das grandes empresas privadas, gerirem uma
situação de crise, para não dizer de caos, com o objetivo de agirem no sentido
exigido por essas grandes empresas. Os laços estreitos existentes entre os
governos e o grande Capital nem sequer são dissimulados. À cabeça de vários
governos, em lugares ministeriáveis importantes e na presidência do BCE, encontramos
pessoas vindas diretamente da alta finança, a começar pelo banco de
investimento Goldman Sachs. Certas figuras políticas de primeiro plano são
recompensadas com lugares em grandes bancos ou empresas, depois de terem
fielmente cumprido serviço público às ordens do grande Capital. Embora isto não
seja novidade, é mais evidente e comum do que nos últimos 50 anos. Estamos em
presença de verdadeiros vasos comunicantes.
Considerar que a política dos dirigentes europeus é um
falhanço por não se ver o regresso do crescimento económico é, em parte, um
erro de critério de análise. Os objetivos perseguidos pelo BCE, pela Comissão
Europeia, pelos governos das economias mais fortes da UE, pelas direções dos
bancos e das outras grandes empresas privadas não visam a retoma rápida do
crescimento nem a redução das assimetrias da Zona Euro e da UE a fim de se
alcançar um conjunto europeu mais coerente e mais capaz de regressar à
prosperidade.
Entre os objetivos
principais há que destacar dois:
1.evitar um novo crash financeiro e bancário que poderia
revelar-se pior que o de Setembro de 2008 (as duas primeiras partes desta série
abordaram este objetivo, que será retomado na quarta parte);
2.2. utilizar várias armas (aumento acentuado do desemprego,
reembolso da dívida pública, a procura de equilíbrio orçamental, o chicote da
melhoria da competitividade entre estados-membros da UE e entre estes e os seus
concorrentes comerciais de outros continentes) para avançar com a maior
ofensiva levada a cabo desde a Segunda Guerra Mundial à escala europeia pelo
Capital contra o Trabalho. Para o Capital, trata-se de aumentar ainda mais a
precarização dos trabalhadores, reduzir radicalmente a sua capacidade de
mobilização e resistência, reduzir drasticamente os salários e os diversos benefícios
sociais, mantendo, no entanto, as enormes disparidades entre os trabalhadores
da UE, a fim de aumentar a competição entre eles. Logo à partida, encontramos
disparidades salariais entre trabalhadores do mesmo país: entre mulheres e
homens; entre contratados a prazo e sem prazo; entre trabalhadores a tempo
parcial e a tempo inteiro. Por iniciativa do patronato e com o apoio de
sucessivos governos (nos quais os partidos socialistas europeus tiveram um
papel ativo), estas disparidades aumentaram no decurso dos últimos 20 anos.
Além disso, existem as disparidades entre trabalhadores de diferentes países da
UE. As disparidades entre os trabalhadores do centro e os da periferia, dentro
da UE, vêm agravar as que se verificam dentro das fronteiras nacionais.
As profundas
disparidades entre trabalhadores de diferentes países da UE
Os salários dos trabalhadores dos países mais fortes
(Alemanha, França, Países Baixos, Finlândia, Suécia, Áustria, Dinamarca) são o
dobro ou o triplo dos salários dos trabalhadores da Grécia, Portugal ou
Eslovénia; são 10 vezes mais elevados do que os salários dos trabalhadores da
Bulgária; 7 a 9 vezes superiores aos salários romenos, lituanos ou letões1. Na
América do Sul, embora haja grandes diferenças entre as economias mais fortes (Brasil,
Argentina, Venezuela) e as mais fracas (Paraguai, Bolívia, Equador, etc.), a
diferença entre salários mínimos legais é da ordem de 1 para 4 – ou seja, uma
disparidade nitidamente menos pronunciada do que no seio da UE. Por aqui se vê
a força da concorrência entre os trabalhadores europeus.
As grandes empresas dos países europeus mais fortes, no plano
económico, tiram grande proveito das disparidades salariais no seio da UE. As
empresas alemãs optaram por fazer crescer fortemente a sua produção nos países
da UE onde os salários são mais baixos. Estes bens intermédios são de seguida
repatriados para a Alemanha, sem pagarem taxas de importação/exportação, onde
são montados e seguidamente reexportados principalmente para outros países da
Europa. Isto permite diminuir os custos de produção, colocar os trabalhadores
alemães em concorrência com os de outros países e aumentar a rentabilidade das
empresas. Além disso, os produtos montados na Alemanha e vendidos nos mercados
externos aparecem como exportações alemãs, embora em grande parte resultem da
montagem de produtos importados. As empresas de outros países fortes da UE
procedem da mesma forma, claro está, mas proporcionalmente a economia alemã é a
que mais benefícios extrai dos baixos salários e da precarização laboral dentro
da Zona Euro (incluindo dentro das fronteiras da Alemanha2) e da União
Europeia. Em 2007, 83% dos excedentes da Alemanha deviam-se ao seu comércio
externo com outros países da UE (145 mil milhões de euros face a outros países
da Zona Euro, 79 mil milhões face à Europa fora da Zona Euro e 45 mil milhões
em relação ao resto do Mundo)3.
O modelo alemão como
produto da ofensiva neoliberal
Os patrões alemães, ajudados pelo governo socialista de
Gerhard Schröder, em 2003-2005, conseguiram impor sacrifícios aos
trabalhadores. O estudo En finir avec la compétitivité, publicado conjuntamente
pela ATTAC e pela Fondation Copernic, resume assim as grandes etapas dos
atentados aos direitos sociais e económicos: «As leis Hartz (nome do ex-diretor
dos recurso humanos da Volkswagen e conselheiro de Gerhard Schröder) foram
escalonadas entre 2003 e 2005. I – Hartz obriga os desempregados a aceitarem o
emprego que lhes seja proposto, ainda que o salário seja inferior ao subsídio
de desemprego. II – Hartz institui mini-empregos por menos de 400 euros mensais
(isentos de contribuições sociais). III – Hartz limita a um ano a prestação de
subsídio de desemprego a trabalhadores mais velhos e endurece as condições de
atribuição do subsídio. IV – Hartz funde o subsídio de desemprego de longa
duração e os subsídios sociais e estabelece para ambos um teto máximo de 345
euros mensais. Às leis Hartz vêm juntar-se sucessivas alterações das pensões de
reforma e do sistema de segurança social para a saúde: reforma por capitalização
(reformas Riester), subida das contribuições, subida da idade legal de reforma
(objetivo: 67 anos em 2017)». Os autores deste estudo destacam o seguinte: «O
conjunto destas reformas produziu um impressionante aumento das desigualdades
sociais. Trata-se de um aspeto frequentemente ignorado do “modelo alemão” e por
isso vale a pena fornecer alguns números pormenorizados. A Alemanha tornou-se
um país muito desigual: um anteprojeto de relatório parlamentar sobre a pobreza
e a riqueza4 acaba de revelar que a metade mais pobre da sociedade possui
apenas 1% dos ativos, contra 53% que está na posse dos mais ricos. Entre 2003 e
2010, o poder de compra do salário médio baixou 5,6%. Mas esta diminuição foi
repartida muito desigualmente: 12% recai sobre mais de 40% dos assalariados
menos bem pagos; 4% sobre 40% dos assalariados mais bem pagos.5 Os dados
oficiais mostram que a proporção de baixos salários passou de 18% em 2006 para
21% em 2010 e esta progressão de baixos salários – há que sublinhá-lo – ocorre,
sobretudo, na Alemanha Ocidental».
Segundo o mesmo estudo, em 2008 o número de assalariados
aumentou 1,2 milhões em relação a 1999, mas esta evolução resulta de um aumento
de 1,9 milhões no número de precários e, portanto, corresponde a uma perda de
meio milhão de empregos com contrato sem termo, a tempo inteiro. Um quarto dos
assalariados encontra-se hoje em situação precária e esta proporção (semelhante
à dos EUA) eleva-se a 40% no caso das mulheres. «Os empregos de assalariados
precários são maioritariamente (70%) destinados às mulheres6. A proporção de
desempregados subsidiados caiu de 80% em 1995 para 35% em 2008 e todas as
pessoas desempregadas há mais de um ano tiveram de recorrer à assistência
social».
Como faz notar Arnaud Lechevalier, esta evolução inscreve-se
«num contexto mais geral de erosão da proteção dos assalariados pelas
convenções coletivas: a fração dos assalariados abrangidos baixou de 67% para
62% em 10 anos – em 2008 os contratos coletivos apenas abarcavam 40% das
empresas alemãs. Além disso os sindicatos tiveram de abrir várias exceções à
aplicação da contratação coletiva setorial ao nível das empresas»7.
O fito dos dirigentes e
dos patrões europeus
Para explicarmos a atitude atual dos dirigentes alemães face
à crise da Eurozona, podemos pôr a hipótese de que uma das lições que eles
extraíram da absorção da Alemanha de Leste, no início dos anos noventa, foi a
de que as disparidades muito pronunciadas entre trabalhadores podem ser
exploradas para impor uma política fortemente pró-patronal. As privatizações
massivas da Alemanha de Leste, a degradação da segurança de emprego dos
trabalhadores da ex-RDA, combinadas com o aumento da dívida pública alemã,
resultante do financiamento dessa absorção (que serviu de desculpa para impor
as políticas de austeridade), permitiram impor recuos importantes aos
trabalhadores da Alemanha, fossem eles de leste ou oeste. Os atuais dirigentes
alemães estão convencidos de que a crise da Eurozona e os ataques brutais ao
povo grego e a outros povos da periferia constituem uma oportunidade para ir
mais longe: reproduzir de certa forma, à escala europeia, o que já fizeram na
Alemanha. Quanto aos outros dirigentes europeus dos países mais fortes e aos
patrões das grandes empresas, não se deram ainda por satisfeitos mas
congratulam-se com a criação duma zona económica, comercial e política comum,
onde as multinacionais europeias e as economias do norte e da Zona Euro se
aproveitam do desmoronamento do sul para reforçarem o lucro das empresas e
marcarem pontos em termos de competitividade face aos seus concorrentes
norte-americanos e chineses. O seu objetivo, na etapa atual da crise, não é
relançar o crescimento económico e reduzir as assimetrias entre economias
fortes e fracas da UE. Consideram, sim, que o desmoronamento do sul irá
oferecer a oportunidade de realizar privatizações em massa de empresas e de
bens públicos, a preços de saldo. A intervenção da Troika e a cumplicidade
ativa dos governos da periferia ajudam à festa. O grande Capital dos países da
periferia é favorável a estas políticas, pois conta obter uma parte do bolo que
há muito tempo ambicionava. As privatizações na Grécia e em Portugal permitem
antever o que se vai passar em Espanha e na Itália, onde os bens públicos são
ainda mais importantes, atendendo à dimensão dessas duas economias.
A vontade de baixar os
salários
Regressemos à questão dos salários. Segundo Michel Husson, na
Alemanha, o custo salarial unitário real caiu quase 10% entre 2004 e 2008.8 No
resto da Europa, durante o mesmo período, caiu igualmente, mas numa proporção
bem menor do que na Alemanha. É a partir da crise de 2008-2009, que afeta
duramente a Eurozona, que se verifica uma queda muito nítida dos salários reais
dos países mais afetados. Isto mesmo sublinha Patrick Artus: «Verifica-se nos
países em dificuldades da Zona Euro (Espanha, Itália, Grécia, Portugal) uma
forte queda dos salários reais»9. Patrick Artus faz notar que a diminuição dos
salários corresponde a uma política deliberada dos dirigentes europeus e
acrescenta que tudo aponta para que essa política não permita relançar o
investimento nos países mencionados, nem tornar mais competitivas as
exportações desses países. Patrick Artus escreveu que os efeitos favoráveis «da
queda salarial sobre a competitividade, logo sobre o comércio externo ou sobre
o investimento das empresas, nãoestão presentes». Acrescenta que a queda
salarial tem dois efeitos claros: por um lado, aumenta a rentabilidade das
empresas (logo, em termos marxistas, o aumento da taxa de lucro através de um
aumento da mais-valia absoluta – ver caixa «ABC da mais-valia absoluta, da
mais-valia relativa e dos salários»); por outro lado, provoca a queda da
procura interna, o que reforça a contração da economia10. Um estudo realizado
por Natixis vem confirmar que o objetivo dos dirigentes europeus nem é relançar
a atividade económica, nem melhorar a posição económica dos países da periferia
em relação ao centro. A queda dos salários visa reduzir a capacidade de
resistência dos trabalhadores dos países afetados, aumentar a taxa de lucro do
Capital e levar mais longe o desmantelamento do que resta do welfare state,
construído ao longo dos 35 anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial
(período a que se seguiu a reviravolta neoliberal de finais dos anos setenta,
início dos anos oitenta).
No «Relatório Mundial sobre os Salários 2012-2013», publicado
pela Organização Internacional do Trabalho, em Dezembro de 2012, os autores
revelam que nos países desenvolvidos, entre 2008 e 2012, «os salários
registaram uma dupla queda» (ou seja, em 2008 e em 2011)11. É a única região do
Mundo, além do Médio Oriente, onde os salários baixaram desde 2008. Na China,
no resto da Ásia, na América Latina, os salários aumentaram. Na Europa de Leste
tiveram uma certa recuperação após o afundamento dos anos noventa. Este
relatório permite confirmar que o epicentro da ofensiva do Capital contra o
Trabalho se deslocou para os países mais desenvolvidos.
ABC da mais-valia
absoluta, da mais-valia relativa e dos salários
No início da jorna, quando o operário (ou operária) começa a
trabalhar na fábrica, incorpora um valor nas matérias-primas (ou nos bens
intermédios que processa). Ao fim de um certo número de horas, já reproduziu um
valor exatamente equivalente ao seu salário diário ou semanal. Se parasse de trabalhar
nesse preciso instante, o capitalista não obteria um tostão de mais-valia. Mas
nesse caso o capitalista não teria qualquer interesse em comprar a sua força de
trabalho. Tal como o usurário ou o mercador da Idade Média, ele «compra para
vender». Compra força de trabalho para, graças a ela, obter um produto mais
valioso do que o montante que pagou para a comprar. Este «suplemento» é
precisamente a mais-valia, o seu lucro. É portanto evidente que, se o operário
ou a operária produzir o equivalente ao seu salário em 4 horas de trabalho,
trabalhará não 4 mas 6, 7, 8 ou 9 horas. Durante essas 2, 3, 4 ou 5 horas
«suplementares», estará a produzir mais-valia para o capitalista, nada
recebendo em troca. A origem da mais-valia é portanto um trabalho extra, gratuito,
apropriado pelo capitalista. «Mas isso é um roubo!», dirão vocês. A resposta
tem de ser: «sim e não». Sim, do ponto de vista do operário ou da operária;
não, do ponto de vista capitalista e das leis de mercado. De facto o
capitalista não comprou no mercado «o valor produzido ou a produzir pelo
operário ou pela operária». Não comprou o trabalho, ou seja, o trabalho que o
operário ou operária vai efetuar (se o fizesse, estaria a cometer um roubo puro
e simples; estaria a pagar 25€ por uma coisa que vale 50€). Ele compra a força
de trabalho do operário ou da operária. Essa força de trabalho tem um valor
próprio, como todas as mercadorias. O valor da força de trabalho é determinado
pela quantidade de trabalho necessária para a reproduzir – quer isto dizer,
para a subsistência (no sentido lato do termo) dos operários e respetiva
família. A mais-valia é originada no facto de haver um excedente entre o valor
produzido pelo operário/operária e o valor das mercadorias necessárias para
assegurar a sua subsistência.
O valor da força de trabalho tem uma característica
particular em relação ao das outras mercadorias: inclui, além de um fator
estritamente mensurável, um fator variável. O fator estável é o valor das
mercadorias necessárias à reconstituição da força de trabalho do ponto de vista
fisiológico (de modo a permitir ao operário/operária recuperar as calorias, as
vitaminas, a capacidade de gerar uma certa quantidade de energia muscular e
nervosa, sem a qual seria incapaz de trabalhar ao ritmo normal previsto pela
organização capitalista do trabalho num dado momento). O fator variável é o
valor das mercadorias, numa dada época e num dado país, que não faz parte do
mínimo vital fisiológico. Marx chama a esta parte da força de trabalho a sua
fração histórico-moral. Quer isto dizer que ela não é fortuita. Resulta duma
evolução histórica e de uma dada relação de forças entre Capital e Trabalho.
Neste preciso ponto de análise económica e marxista, a luta de classes, o seu
passado e o seu presente, torna-se um fator co-determinante da economia
capitalista.
O salário é o preço de mercado da força de trabalho. Como
todos os preços de mercado, ele oscila à volta do valor da mercadoria em
questão. As flutuações salariais são determinadas nomeadamente pelas flutuações
do exército de reserva industrial, isto é, o desemprego.
Para obter o máximo de lucro e desenvolver o mais possível a
acumulação de capital, os capitalistas reduzem ao máximo a parte do valor
criado (produzido pela força de trabalho) que é entregue aos
trabalhadores/trabalhadoras sob a forma de salário. Os dois meios principais
pelos quais os capitalistas procuram aumentar a sua parte, ou seja a
mais-valia, são:
O prolongamento da jornada de trabalho, a redução dos
salários reais e a descida do mínimo vital. É a isto que Marx chama o aumento
da mais-valia absoluta.
O aumento da intensidade e da produtividade do trabalho sem
aumento proporcional do salário. É o aumento da mais-valia relativa.
Uma perspetiva sobre a
ofensiva do Capital contra o Trabalho
A situação dos assalariados na Grécia, em Portugal, na
Irlanda e em Espanha, hoje em dia, foi imposta aos trabalhadores dos países em
desenvolvimento em benefício da crise da dívida nos anos 1980-1990. Durante os
anos oitenta, a ofensiva visou igualmente os trabalhadores na América do Norte
a partir da presidência de Ronald Reagan, na Grã-Bretanha sob o pulso de
Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, e os seus émulos nos países do Velho
Continente. Os trabalhadores do ex-Bloco de Leste foram igualmente submetidos,
durante os anos noventa, a políticas brutais impostas pelos seus governos e
pelo FMI. Segundo o «Relatório Mundial sobre Salários 2012-2013», publicado
pela OIT (mencionado mais acima): «Na Rússia, por exemplo, o valor real dos
salários caiu nos anos noventa para menos de 40% do valor que tinha e foi
preciso mais uma década para regressar ao valor inicial.»13
A seguir, embora de forma menos brutal do que a sofrida pelos
povos do Terceiro Mundo (dos países mais pobres até às economias ditas
emergentes), a ofensiva incidiu sobre os trabalhadores da Alemanha a partir de
2003-2005. Os efeitos nefastos para uma parte da população alemã fazem-se
sentir ainda hoje, apesar de o sucesso das exportações alemãs14 ter reduzido o
número de desempregados e de uma parte da classe trabalhadora não sentir
diretamente as consequências. Por conseguinte, a ofensiva que se agravou desde
2007-2008 começou a nível mundial no início dos anos oitenta.15 A OIT centra a
sua análise num período mais curto (1999-2011) e os dados são claros: «Entre
1999 e 2011, o aumento médio da produtividade do trabalho nas economias
desenvolvidas foi mais de duas vezes superior ao aumento médio dos salários.
Nos EUA, a produtividade horária real do trabalho aumentou 85% desde 1980,
enquanto a remuneração horária real apenas aumentou 35%. Na Alemanha, a
produtividade do trabalho aumentou quase um quarto nas duas últimas décadas,
enquanto os salários reais se mantiveram inalterados»16. Isto corresponde ao que
Karl Marx designou aumento da mais-valia relativa (ver caixa).
E mais adiante: «A tendência mundial implicou uma mudança no
rendimento nacional: a parte dos Trabalhadores diminuiu, enquanto a parte do
Capital no rendimento aumentou na maioria dos países. Mesmo na China, país onde
os salários aumentaram aproximadamente para o triplo, durante a última década,
o PIB aumentou mais rapidamente do que a massa salarial total – portanto a
quota do Trabalho diminuiu»17. Esta pronunciada tendência mundial é a manifestação
do aumento da mais-valia extraída ao Trabalho pelo Capital. É importante notar
que durante boa parte do século XIX a forma principal de aumento da mais-valia
passou pelo aumento da mais-valia absoluta (redução salarial, aumento das horas
de trabalho). Progressivamente, nas economias mais fortes, no decurso da
segunda metade do século XIX e ao longo do século XX (exceto durante o nazismo,
o fascismo e outros regimes ditatoriais que impuseram baixas salariais), essa
via foi substituída ou ultrapassada pelo aumento da mais-valia relativa
(aumento da produtividade do trabalho sem que os salários sigam a mesma
proporção). Após algumas décadas de ofensiva neoliberal, o crescimento da
mais-valia absoluta volta a ser uma forma importante de extração da mais-valia
e vem somar-se à mais-valia relativa. Enquanto durante décadas os patrões
aumentaram essencialmente a mais-valia relativa, principalmente graças à subida
da produtividade do trabalho, a partir de 2009-2010 conseguem aumentar a
mais-valia absoluta: através da redução dos salários reais e, em certos casos,
aumentando o tempo de trabalho. Utilizam a crise para combinar o aumento da
mais-valia relativa com o aumento da mais-valia absoluta. Isto dá-nos uma ideia
da amplitude da ofensiva em curso.
Cada vez mais
trabalhadores na mira
Num documento da Comissão Europeia intitulado «O Segundo
Programa de Ajustamento para a Grécia», com data de 201218, põe-se claramente
em destaque que é preciso continuar na via das reduções salariais. O quadro 17
da página 41 mostra que o salário mínimo legal na Grécia é o quíntuplo do
salário mínimo médio na Roménia e na Bulgária (países vizinhos da Grécia), o
triplo da Hungria e das repúblicas bálticas, mais do dobro do salário mínimo na
Polónia e na República Checa; é superior ao salário mínimo em Espanha e em
Portugal. O objetivo é aproximar a Grécia dos países onde os salários são mais
«competitivos», ou seja, mais baixos. Evidentemente, se os salários continuarem
em queda radical na Grécia, como pretendem a Troika e o patronato, será
necessário que os salários em Espanha, Portugal, Irlanda e também nos países
mais fortes sigam a mesma tendência, de forma acelerada.
Quem comanda os destinos da Europa segue uma lógica graças à
qual os patrões europeus conseguem aumentar a quantidade de mais-valia extraída
do trabalho dos assalariados europeus e procuram marcar pontos na batalha
comercial contra os concorrentes asiáticos ou norte-americanos.
Estes dirigentes estão prontos a dar a machadada final nos
sindicatos europeus, reduzindo fortemente a margem de negociação de que estes
dispuseram durante décadas.
O Capital marca pontos
suplementares contra o Trabalho
Em diversos países da UE, no decurso da sua ofensiva contra
as conquistas sociais, os governantes e a Comissão Europeia conseguiram reduzir
radicalmente o âmbito dos acordos coletivos sectoriais. É o caso dos países do
ex-Bloco de Leste, bem como da Grécia, Portugal, Espanha, Itália, Irlanda, etc.
Em muitos países conseguiram também baixar o salário mínimo legal e o montante
das pensões de reforma. Conseguiram reduzir drasticamente a proteção contra os
despedimentos [e respetiva indemnização] e aumentar a idade de reforma.
O agravamento da crise
nos países da periferia da Zona Euro
Ao longo de 2012, a crise agravou-se na Grécia, Irlanda,
Portugal e Espanha, em consequência das políticas brutais de austeridade
aplicadas por governos cúmplices das exigências da Troika. Na Grécia, a queda
acumulada do PIB desde o início da crise chega a 20%. O poder de compra de uma
grande parte da população caiu 30 a 50%. O desemprego e a pobreza exorbitaram.
Enquanto em Março/2012 todos os grandes meios de comunicação social reproduziam
o discurso oficial que afirmava que a dívida tinha sido reduzida para metade19,
segundo as estimativas oficiais tornadas públicas em fins de Outubro/2012, a
dívida pública, que representava 162% do PIB na véspera da redução da dívida
(Março/2012), irá chegar aos 189% em 2013 e aos 192% em 2014.20 Esta informação
não consta dos títulos da imprensa de massas. Em Portugal as medidas de
austeridade atingem uma tal violência e a degradação económica é tão grave, que
um milhão de portugueses se manifestou espontaneamente a 15/Setembro/2012 – um
número de manifestantes que apenas tinha sido alcançado no 1º de Maio de 1974 para
festejar a Revolução dos Cravos. Na Irlanda, de quem os meios de comunicação
falam bastante menos, o desemprego atingiu proporções gigantescas, levando
182.900 jovens, entre os 15 e os 29 anos, a abandonarem o país desde a crise de
200821. Um terço dos jovens que tinha emprego antes da crise foi parar ao
desemprego. O resgate dos bancos representa atualmente mais de 40% do PIB
(cerca de 70 mil milhões de euros, sendo o PIB 156 mil milhões em 2011)22. O
recuo da atividade económica chegou aos 20% desde 2008. O governo de Dublin
reafirmou que irá suprimir 37.500 postos de trabalho no sector publico até
2015. Em Espanha, a taxa de desemprego dos jovens chega aos 50%. Desde o início
da crise, 350.000 famílias foram expulsas das suas casas por falta de pagamento
de dívidas hipotecárias23. Num ano, o número de famílias em que todos os
membros estão no desemprego aumentou de 300.000 para um total de 1,7 milhões,
ou seja, o equivalente a 10% de todas as famílias espanholas24. A situação
degrada-se continuamente nos países do antigo Bloco de Leste membros da UE, a
começar pelos países que aderiram à Eurozona.
Em suma, por toda a parte no mundo, o Capital lançou uma
ofensiva contra o Trabalho. É na Europa que, desde 2008, a ofensiva assume uma
forma mais sistemática, a começar pelos países da periferia. Embora os bancos
(e o capitalismo enquanto sistema) sejam responsáveis pela crise, são
sistematicamente protegidos. Por toda a parte, o reembolso da dívida pública
serve de pretexto para os governos justificarem uma política de ataque aos
direitos económicos e sociais da esmagadora maioria da população. Se os
movimentos sociais, incluindo os sindicatos, quiserem enfrentar vitoriosamente
esta ofensiva devastadora, têm de atacar a questão da dívida pública, a fim de
retirarem ao poder o seu argumento principal. A anulação da parte ilegítima da
dívida e a expropriação dos bancos, para os integrar num serviço público de
poupança e crédito, são medidas essenciais num programa alternativo à gestão
capitalista da crise.
Artigo de Éric
Toussaint, publicado em cadtm.org. Tradução de Rui Viana Pereira, revisão Maria
da Liberdade
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