segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Transtornos globais a médio prazo


Por Immanuel Wallerstein

Fazer previsões a curto prazo (para um ou dois anos) é um jogo tonto. Há demasiadas guinadas e giros no mundo real político / econômico / cultural. Mas podemos tentar fazer afirmações plausíveis para o médio prazo (uma década ou mais) baseados num marco teórico trabalhável, combinado com uma análise sólida e pragmática de tendências e limitações.
O que é que sabemos do sistema-mundo em que estamos vivendo? Primeiro de tudo, que se trata de uma economia-mundo capitalista, cujo princípio básico é a incessante acumulação de capital. Segundo, que é um sistema histórico que, como todos os sistemas (desde o universo como um todo até os mínimos sistemas nanoscópicos), tem vida. Surge à existência, vive sua vida “normal”, de acordo com regras e estruturas que cria e, logo, em certo ponto, o sistema se afasta demais do equilíbrio e entra em uma crise estrutural. Terceiro, que nosso atual sistema-mundo tem sido um sistema polarizador, em que existe uma brecha que cresce, constante, entre os Estados e no interior dos mesmos.
Agora estamos em uma crise estrutural assim, e temos estado nela por uns 40 anos. Continuaremos nesta crise por outros 20 a 40 anos. Este é o tempo aproximado que dura uma crise estrutural em um sistema histórico social. O que ocorre em uma crise estrutural é que o sistema bifurca-se, o que essencialmente significa que emergem dois modos diferentes para finalizar a crise estrutural quando coletivamente se “elege” uma das alternativas.
A principal característica de uma crise estrutural é uma série de flutuações caóticas fortíssimas de tudo -os mercados, as alianças geopolíticas, a estabilidade das fronteiras estatais, o emprego, as dívidas, os impostos. A incerteza, no curto prazo, se torna crônica. E a incerteza tende a congelar a tomada de decisões econômicas, o que, por certo, piora a situação.
Eis aqui algumas das coisas que podemos esperar no médio prazo. Quase todos os Estados enfrentam, e seguirão enfrentando, um aperto entre a redução de arrecadações e o incremento dos gastos. O que quase todos os Estados estão fazendo é reduzir os gastos de duas formas. Uma tem sido cortar (ou inclusive eliminar) muitíssimas das redes de segurança construídas no passado para ajudar as pessoas comuns a lidar com as múltiplas contingências que enfrenta. Mas há um segundo modo também. Quase todos os Estados estão cortando as transferências de dinheiro às entidades estatais subordinadas - as estruturas federativas, se o Estado é uma federação, e os governos locais. O que isto faz é simplesmente transferir a necessidade de incrementar impostos a estas unidades subordinadas. Se isso se mostra impossível, podem ir à falência, o que elimina outras partes das redes de segurança social (notavelmente, as pensões).
Isso tem um impacto imediato nos Estados. Por um lado, os debilita, conforme mais e mais unidades buscam cindir-se se o considerarem vantajoso economicamente. Mas por outro lado, os Estados são mais importantes que nunca, conforme as populações buscam refúgio nas políticas protecionistas (manter nossos empregos, não os seus). As fronteiras estatais sempre mudaram. Mas há a perspectiva de que mudem com muito maior frequência agora. Ao mesmo tempo, as novas estruturas que vinculam os Estados existentes (ou suas subunidades) - como a União Europeia (UE) e a nova estrutura sul-americana (Unasul) - continuarão florescendo e desempenhando um papel geopolítico crescente.
Os malabarismos entre os múltiplos lugares do poder geopolítico se tornam muito mais instáveis em uma situação em que nenhum desses lugares estará em posição de ditar regras interestatais. Os Estados Unidos foram eventualmente um poder hegemônico com pés de barro, mas que segue sendo poderoso o suficiente como para provocar danos por torpeza. A China parece ter a posição econômica emergente mais forte, mas é menos forte do que ela mesma ou os outros pensam. O grau no qual se aproximam Europa ocidental e Rússia segue sendo uma pergunta aberta, e segue estando na agenda em ambos os lados. O modo com que a Índia jogará as suas cartas continua sendo algo que, em grande medida, a própria Índia ainda não decidiu. O que isto significará para as guerras civis como a da Síria até agora tem a ver com como os interventores estrangeiros se cancelam mutuamente e como os conflitos se organizam, mais do que nunca, em torno de grupos de identidade fratricidas.
Reiterarei minha postura largamente arguida. Ao final da década veremos alguns realinhamentos importantes. Um é a criação de uma estrutura confederada que vincule o Japão a uma China (reunificada) e a una Coreia (reunida). O segundo é uma aliança geopolítica entre esta estrutura confederada e os Estados Unidos. Terceiro é uma aliança de facto entre a Unão Europeia e a Rússia. O quarto é a proliferação nuclear a uma escala significativa. Um quinto é um protecionismo generalizado. O sexto é uma deflação mundial generalizada, que pode assumir duas formas - seja uma redução nominal dos preços ou inflações rampantes, que têm a mesma consequência.
Obviamente, estes não são resultados felizes para quase ninguém. O desemprego mundial aumentará, não vai cair. E as pessoas comuns sentirão os beliscões de forma muito severa. As pessoas já mostraram que estão prontas para responder lutando de múltiplas formas, e esta resistência popular crescerá. Encontrar-nos-emos no meio de uma vasta batalha política para determinar o futuro do mundo.
Aqueles que têm riqueza e privilégios hoje não se sentarão, sem fazer nada. Será mais e mais claro para eles que não podem assegurar seu futuro através do sistema capitalista existente. Buscarão implementar um sistema que não se baseie em um papel central do mercado, mas sim em uma combinação de força bruta e enganação. O objetivo chave é assegurar que o novo sistema garanta a continuação de três características principais para o atual sistema - hierarquia, exploração e polarização.
Por outro lado, haverá forças populares por todo o mundo que buscarão criar uma nova classe de sistema histórico, um que ainda não existiu, baseado em uma democracia relativa e uma relativa igualdade. É quase impossível prever o que isso significará em termos das instituições que o mundo poderia criar. Aprenderemos na construção deste sistema, nas décadas vindouras.
Quem ganhará esta batalha? Ninguém pode prever. Será o resultado de uma infinidade de ações nanoscópicas empreendidas por uma infinidade de nano-atores em uma infinidade de nano-momentos. E em algum ponto a tensão entre as duas soluções alternativas se inclinará definitivamente a favor de uma ou outra. Isto é o que nos dá esperança. O que cada um de nós fizer em cada momento sobre cada um dos pontos imediatos conta. Alguns chamam isso de “efeito borboleta”. O bater das asas de uma borboleta afeta o clima de um extremo ao outro no mundo. Neste sentido, hoje todos somos pequenas borboletas.

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