PAULO MOREIRA LEITE
Ao dar posse a José Genoíno, o Congresso lembrou aos
brasileiros que a Constituição está em vigor. A decisão se baseia no artigo 55,
aquele que define que cabe exclusivamente a Câmara cassar o mandato de
deputados, por maioria simples e voto secreto. (O mesmo artigo define regras
idênticas para o caso de senadores).
O julgamento do mensalão encerrou-se com uma frase muito
repetida por ministros. Eles diziam que a Constituição é aquilo que o “Supremo
diz que ela é.” Essa definição de caráter absoluto resume uma visão de que o
Supremo é um poder acima dos demais, afirmação que contraria o pensamento de
OIiver Holmes, o juiz da Suprema Corte americana que disse, em 1905, que a “lei
é aquilo que o tribunal diz que ela é.”
Holmes fez essa afirmação numa situação específica, quando
uma maioria conservadora na Suprema Corte conseguiu impedir leis que limitassem
a jornada de trabalho a um máximo de 60 horas. Em minoria, Holmes lembrou que
embora a Constituição americana não atribuísse
ao governo a função de definir a jornada de trabalho, ela aceitava que o
Estado tinha o dever de proteger a saúde da população – e que a jornada era uma
forma de se fazer isso.
Mas em várias oportunidades Holmes deixou claro que não cabia
ao tribunal “fazer” a Justiça como bem a entendesse. Conforme explicam
estudiosos de sua obra, Holmes gostava de explicar aos jovens advogados que um
tribunal apenas “aplica” a lei.
É um raciocínio coerente, quando se trata de um artigo como o
55, escrito, votado e aprovado por ampla maioria de constituintes, em 1988. Não
cabe, sequer, levantar artigos de leis infraconstitucionais, como dizem os
juristas, porque a Constituição se superpõe a eles, como eu aprendi num curso
chamado ginásio, obrigatório para adolescentes de minha geração.
E é um ensinamento importante, em particular
quando se recorda que a Constituição brasileira foi escrita por parlamentares
eleitos em 1986, que criou o mais amplo regime de liberdades da nossa história.
É por isso que não há o que fazer diante do artigo 55, a não
ser garantir que seja cumprido – da forma que os parlamentares acharem melhor.
Estamos no mundo da política, onde apenas os representantes eleitos do povo
exercem a prerrogativa de cassar ou não
o mandato de seus pares. Há várias possibilidades.
Os deputados podem fazer um acordo para garantir que o
assunto seja debatido na Casa – e cada um vote como quiser, assegurado, como
diz a lei, o direito a ampla defesa. Também podem fazer um acordo apenas para
garantir o direito a defesa na tribuna de cada condenado – e por ampla maioria,
negociada anteriormente, decidir sua cassação. Ou, pelo contrário, podem
decidir rejeitar o pedido. O importante é sempre assegurar a regra democrática
de que o Congresso é um poder soberano e não pode ser arranhado como expressão
da vontade popular.
Em qualquer caso, não há surpresa nenhuma diante da reação de
Marco Maia, presidente da Câmara que se recusou a submeter-se a uma decisão que
contraria a Constituição. As manifestações públicas de Henrique Eduardo Alves, provável sucessor de
Maia, vão na mesma direção.
Nos dois casos, o Congresso apenas reafirma o artigo número 1
da Constituição, onde se diz que “todo pode emana do povo, que o exerce através
de seus representantes eleitos.”
É bom começar o ano relembrando uma verdade tão simples e tão
bela, concorda?
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