Desaceleração da economia chinesa preocupa governos e grandes
corporações de todo o mundo. O grande debate, porém, deveria ser o de como
compatibilizar o desenvolvimento econômico e a inclusão de parcelas da
população ainda à margem dos benefícios do “progresso”. E aí, de fato, o modelo
adotado pela China foge completamente de exemplo a ser seguido. A análise é do
economista Paulo Kliass
Paulo Kliass*
Agora os resultados são oficiais. Acabam de serem divulgadas
as informações a respeito do desempenho da economia chinesa para o ano passado,
de acordo com o calendário civil do mundo ocidental. Apesar de boa parte de
2012 ter sido do ano do dragão para o calendário chinês, o mundo todo se volta
para a performance econômica do gigante do Oriente, com um olhar meio
contraditório. Afinal, se levarmos em consideração o ritmo de crescimento dos
anos anteriores, alguns analistas chegam a afirmar que a China apresentou um
“pibinho”. E bota aspas de ironia na expressão! Mas como havia quem aguardasse
ingenuamente por um crescimento maior, digno do vigor daquele mítico animal, a
revelação feita pelas autoridades chinesas pode mesmo beirar a frustração.
De acordo com os relatórios produzidos pelo Escritório
Nacional de Estatísticas da China, os números definitivos consolidados
apresentam um crescimento do PIB chinês de 7,8%. Esse patamar de atividade
econômica significa um importante recuo face ao que havia sido realizado em
2011, uma vez que naquele período o PIB do país havia subido 9,2%. O dado fica
ainda mais contrastante caso comparado com o desempenho médio anual da última
década, quando o produto cresceu a um ritmo de 10,7% a cada 12 meses.
Desaceleração na China e frustração no Ocidente
Os temores e as decepções expostas por representantes de
governos, organismos multilaterais, corporações empresariais e do mundo das
finanças em geral são compreensíveis. E, reconheçamos, sentimentos desse tipo
são também partilhados por entidades ligadas ao movimento sindical e ao
movimento dos países não-alinhados. Aliás, essas expectativas todas devem ser
analisadas à luz das conseqüências que qualquer tropeço sentido pela economia
chinesa pode provocar sobre os mais variados cantos de nosso planeta.
Afinal, essa que passou recentemente à condição da segundo
economia mais robusta do mundo carrega consigo, simultaneamente, o enigma de
ser uma via alternativa para o terceiro milênio e uma das chaves para a solução
da crise internacional no curto prazo. Em mais uma dessas ironias da História,
o destino dos países mais importantes do sistema capitalista contemporâneo está
nas mãos daquilo que for decidido nas reuniões, encontros e demais instâncias
ligadas ao Partido Comunista Chinês. Quem poderia imaginar um quadro desses há
anos atrás? Nos tempos recentes, o desempenho dos Estados Unidos de Obama, da
União Européia de Ângela Merkel, do Japão de Shinzo Abe dependem em larga
escala daquilo que ocorre com a economia chinesa. No momento atual da crise
internacional, então, a sino-dependência é ainda mais expressiva.
As alternativas para a recuperação da atividade econômica no
chamado mundo desenvolvido dependem, em grande medida, da capacidade desses
países encontrarem potencial de crescimento “para fora”. Apesar de constituírem
mercados consumidores importantes, a saída “para dentro” tem esbarrado em
limites como alto grau de endividamento das famílias, nível elevado de
desemprego e outros elementos que contribuem para esse fenômeno a que estamos
todos assistindo: a enorme resistência em sair da recessão. Por outro lado,
como seus governos ainda operam com forte viés conservador em suas respectivas
políticas econômicas, a prioridade tem sido a de evitar as perdas apenas do
financismo. Com isso, a busca do crescimento via mercado interno tem se
revelado quase como uma impossibilidade.
Importância da China para a economia mundial
A posição estratégica da China vem justamente de sua
expressiva capacidade em influenciar o ritmo da atividade econômica no mundo
inteiro hoje em dia. De um lado, ela assegura a demanda por produtos primários
de grande parte dos países chamados “não-desenvolvidos”, comprando minérios de
todos os tipos e produtos agrícolas de forma ampla e generalizada. De outro
lado, ela atua exportando um volume impressionante de produtos industrializados
para todos os continentes. Nos países de baixo nível de renda, a chegada de
tais bens propicia o acesso - até então impossível - em razão dos preços agora
mais baixos. Já nos países de renda mais elevada, como os Estados Unidos e a
Europa, a inundação de produtos chineses baratos contribui para manter a
inflação sob controle e para garantir o acesso da população, cuja renda
disponível está sendo reduzida com a crise, a uma cesta de consumo mínima.
Além disso, há que se mencionar outro aspecto relevante. Ao longo
dos últimos anos, o espaço nacional chinês vem se fortalecendo como uma
alternativa nada desprezível para a continuidade do processo de acumulação e
reprodução ampliada do capital, em escala internacional. Isso significa que as
grandes corporações multinacionais optaram por aprofundar a política de
“deslocalização”, ou seja, de transferir suas plantas industriais para além das
fronteiras de suas nações de origem. Quando multinacionais mastodônticas passam
a produzir aviões, veículos, celulares, computadores, produtos eletrônicos e
demais bens simbólicos da nossa sociedade contemporânea na China, é sinal de
que algo mais sério está em transformação subterrânea no modelo.
Corporações do mundo capitalista dependem da China
A lógica de funcionamento e crescimento dessas empresas não
mais responde, exclusivamente, aos interesses dos dirigentes, acionistas e
eleitores dos países originários. Para continuar operando de forma competitiva,
elas devem crescer e reduzir custos. Assim, passam a depender cada vez mais das
benesses do modelo assegurado pelo Estado chinês. Isso significa produção de
bens e serviços a baixos custos, por meio de incentivos fiscais e reduzida
remuneração da força de trabalho. E veja que não se trata dos modelos
espoliadores do tipo “maquiladoras” do México. Os dirigentes chineses têm um
projeto de nação em sua estratégia e impõem severas condições de transferência
de tecnologia e de regulamentação estatal. Pouco a pouco, acumulam capacidade
de fazer igual e/ou melhor, com empresas próprias.
Por outro lado, a remuneração do estoque de capital
internacional depende também do desempenho econômico da China. As grandes
corporações internacionais transferem para seus acionistas espalhados pelo
globo boa parte daquilo que conseguem realizar como lucro nas atividades de
suas empresas operando no território chinês ou em articulação econômica com
aquele país. E na outra ponta, os sucessivos superávits comerciais da China ao
longo das últimas décadas converteram-se numa enormidade de reservas internacionais.
Atualmente eles têm acumulado o equivalente a US$ 3,3 trilhões, aplicados
especialmente em títulos da dívida pública norte-americano, os famosos títulos
do Tesouro dos EUA.
Face a tamanha “folga” de recursos para investimento, os
responsáveis pela política econômica chinesa começam a flexibilizar o destino
das aplicações. É amplamente conhecido o processo intensivo de créditos e
empréstimos concedidos aos países em desenvolvimento, na América Latina, África
e Ásia. Valores expressivos, em condições financeiras favoráveis, mas com
contrapartidas sérias em termos de abertura dos mercados locais para produtos
chineses e também para flexibilização de regras para facilitar imigração de
mão-de-obra originária do populoso país asiático.
A China cresce, mas o modelo não é sustentável
Com isso, estamos talvez assistindo a um inédito processo
histórico de transição imperial “por dentro” e com regras “pacíficas”, pois a
deflagração de algum conflito bélico em escala internacional significaria o fim
do mundo – literalmente. A dependência mútua entre os Estados Unidos (e com ele
o conjunto do sistema capitalista ocidental) e a China expressa essa curiosa
contradição. Um modelo em decadência, o outro em ascensão. E os dois dependem
da relativa boa saúde de ambos para sobreviver. Um querendo sair do abismo e
evitar que seja ultrapassado pelo outro. O outro querendo adiar a longa agonia
do primeiro, mas procurando evitar a morte súbita.
A economia mundial deve ter crescido por volta de 3% em 2012.
Poucos países terão crescido mais do que os 7,8% da China, e ainda assim são
economias menores e sujeitas a outras variáveis para seu desempenho localizado.
É o caso de Afeganistão, Timor Leste, Etiópia, Iraque, Moçambique, Omã,
Turcomenistão, Uzbequistão, entre outros. A economia chinesa acusou o impacto
provocado pela crise nos países desenvolvidos. Mas nem por isso, seu
crescimento alcançado no ano passado pode ser menosprezado. Inclusive porque as
perspectivas para 2013 são de uma taxa um pouco maior.
O grande debate, na verdade, deveria ser o de como
compatibilizar o desenvolvimento econômico e a inclusão de parcelas da
população ainda à margem dos benefícios do “progresso” com redução das
desigualdades socioeconômicas e um modelo marcado pela sustentabilidade em
sentido amplo do termo. E aí, de fato, o modelo adotado pela China foge
completamente de exemplo a ser seguido.
* Paulo Kliass é doutor em economia pela Universidade de
Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas
Públicas e Gestão Governamental, do governo federal.
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