quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Lula, Haddad e a comunicação



Por Beto Almeida

 “Sampa... o mais possível quilombo de Zumbi” - Caetano Veloso

No último dia 17, os dois jornalões paulistas coincidiram ao publicarem, no alto da primeira página, um foto ampla da reunião de Lula com o prefeito Haddad e secretariado. Acompanham as fotos, textos indicando temor sobre o que Lula e a nova gestão na prefeitura podem fazer de novidade em políticas públicas na maior cidade brasileira, uma das maiores do mundo. É como se dissessem: “ele já nos tirou a prefeitura, o que estaria tramando agora?”.
E também havia nos textos, uma certa indignação mal contida, destas duas oligarquias midiáticas, como se fosse um absurdo Lula dar conselhos (palavra escolhida para passar ideia de submissão) ao novo prefeito e como se fosse algo ilegal ou irregular o presidente do partido que elegeu o prefeito - partido que continua detendo a mais elevada preferência .dos eleitores - estivesse ali para um reunião de natureza política. Como se não fosse o mais básico e elementar da atividade política dialogar para escolher caminhos e estratégias para melhorar a vida dos cidadãos.
Como se as administrações apoiadas anteriormente pelos dois jornalões não tivessem pedido e recebido conselhos, até de instituições privadas estrangeiras, para definir as suas ações, até mesmo no plano nacional. Lembro aqui que até mesmo a privatização da estatal Vale do Rio Doce - uma ferramenta estratégica criada por Vargas para a industrialização brasileira - foi realizada sob total orientação externa, com cronograma definido pela Consultoria Merryl Linch, dos EUA, para a qual trabalham muitos brasileiros ocupantes de cargos em governos anteriores.
Mas, pode-se ir além de registrar uma perceptível frustração de segmentos do grande poder econômico ante a nova ofensiva de Lula, que não se abateu com saraivadas de críticas recentes e levanta-se faceiro de um delicado tratamento de saúde. Ele passa agora a elaborar uma pauta política construtiva para as administrações públicas e também renovadora quando convoca, outra vez, a mobilização criativa e inquietadora das caravanas. Isso, depois de ter organizado, com uma tática audaciosa, mas adequada e flexível o suficiente, para desorganizar o campo conservador e vencer na maior cidade brasileira. A aliança com Maluf permitiu não apenas levar o PT de volta à prefeitura paulistana, mas, especialmente, enfraquecer o polo conservador que queria, ele próprio, ter o apoio malufista para continuar alinhando este importante poder municipal na agenda das iniciativas nacionais à direita.
Gargalhadas de Lênin
Do mesmo modo, são estas alianças costuradas por Lula, como a estabelecida com Sarney, por exemplo, que permitiram, em 2005, frustrar o plano conservador de lançar a operação impeachment, aliança que, na época, não foi bem compreendida mesmo por alguns segmentos importantes do PT. Houve até senador petista que sacou da tribuna um cartão vermelho para Sarney - para delírio destes dois jornalões - sem perceber que é prerrogativa do presidente daquela Casa parlamentar dar início ao processo de impeachment, sendo que a vice-presidência era ocupada, então, pela oposição ao governo Lula.
Também foi por meio de aliança de Lula com o PMDB de Sarney, que foi arquivada a CPI do MST. Naquela altura o ex-presidente subiu à Tribuna para condenar a criminalização dos movimentos sociais e, lembrando que havia sido ele a criar, quando presidente da república, o Ministério da Reforma Agrária, declarou que “criminosa é a estrutura fundiária no país”. Está nos anais.
Certamente, muitos segmentos da esquerda ainda não concordam com a política de alianças. O tema é, evidentemente, terreno para muita polêmica. Mas, ainda hoje se ouvem as gargalhadas de Lenin, no Kremilin, quando, depois da Revolução Russa, ele foi acusado de ser agente alemão até por setores da esquerda e foi cobrado, pelo imperialismo alemão, por não ter cumprido a aliança feita antes para retirar a Rússia da guerra, pela qual pode retornar ao seu país pelo famoso trem-blindado. Os alemães reclamavam da revolução e Lênin ria-se deles dizendo que as alianças eram apenas para tirar a Rússia da guerra e que a Revolução não estava no acordo.
Alianças táticas e Malvinas
Como a Cristina Kirchner pautou novamente a independência das Malvinas - e militares ingleses estão pedindo apoio à França para eventuais operações no Atlântico Sul - recorde-se que aquela guerra, de 1982, também foi palco de várias lições de alianças táticas, valendo citar o gesto de Fidel Castro, oferecendo tropas de Cuba à Argentina, então presidida por Galtieri, para lutar ao lado do povo argentino contra o imperialismo inglês. Na época também houve muita confusão na esquerda, sobretudo nos setores que substituem dialética por moralismo.
Mais recentemente, frente à condenação ao Brasil pelo envio de tropas ao Haiti, Fidel, uma vez mais, dá uma lição de visão estratégica: “prefiro tropas brasileiras a marines dos EUA no Haiti”, disse. Vale informar que Lula condicionou o envio de tropas ao Haiti ao apoio de todos os países do Caribe, e o obteve, inclusive de Cuba e da Venezuela.
Mais estado
Alianças táticas continuam a produzir polêmicas, no entanto, agora, são estes dois jornalões, e o pensamento ideológico que representam, que estão obrigados a constatar, involuntariamente, que as alianças de Lula, “com Deus e o Diabo”, como ele falou certa vez, parafraseando Trotsky, têm resultado em avanço das forças progressistas na administração pública para praticar a política de MAIS ESTADO, e na redução dos espaços daqueles que insistem na política de ESTADO MÍNIMO, pois, como se sabe, rico não precisa de política pública. A não ser para manter as taxas de juros - a bolsa família dos rentistas - nas alturas.
Agora muito mais conhecedor dos meandros da máquina pública, serão mais certeiros os conselhos Lula aos prefeitos dispostos a uma política renovada nas administrações onde explodem os mais complexos problemas do caos que é a urbanização capitalista.. A simples coordenação e cooperação entre as esferas públicas nacional, estadual e municipal, recomendadas por Lula, já representam uma maior presença do estado. O que não é irrelevante num país que tem dificuldades até para a mera execução plena dos recursos orçamentários já liberados. Há, afinal, problemas grandiosos demais para terem soluções no estrito nível municipal e num ambiente capitalista.
Foi exatamente esta aliança entre Governo Dilma e governo e a prefeitura do Rio de Janeiro, o que viabilizou programas complexos e arrojados, como das UPPs , do Minha Casa, Minha Vida em regiões de difícil presença do poder público até então, além dos teleféricos no Morro do Alemão e a expansão do Metrô, contrariando segmentos da classe média mais endinheirada que se revolta ao ver os pobres da Pavuna, via conexão com o metrô, desfrutando da Praia de Ipanema, que não é privativa de quem mora ali. Essas obras são realizadas em parceria com o Governo Federal, explicando, em boa medida, a vitória eleitoral no primeiro turno da eleição na Cidade Maravilhosa, onde o partido de Lula também faz parte da direção.
Comunicação versus publicidade
O tema em foco aqui são as declarações do prefeito Fernando Haddad, que destacou a necessidade de fazer comunicação, tendo o cuidado de ressaltar que “comunicação não é publicidade”. Desfazendo, desse modo, uma confusão muito comum também em administrações de esquerda, o sampaulino Haddad foi na mosca ao destacar que “o que precisamos é de diálogo com a população”.
Acerta o novo prefeito pois, além de questionar os acordos problemáticos para a renegociação da dívida municipal - sacralizando os interesses da bancocracia - ele abre uma janela para o debate de sugestões, já que, como foi noticiado, pede que lhe sejam enviadas propostas para as diversas áreas. Mas, para organizar esta participação social é necessário apontar para a construção de um sistema público municipal de comunicação capaz de realizar esse processo de consultas e de compartilhamento de ideias para Sampa. E de ajudar a governar de modo participativo.
Tabu?
Talvez um tema a ser enfrentado com uma forte discussão seja exatamente em torno do inexplicável tabu, que ainda vigora em esferas do PT e das esquerdas, recusando a legitimidade da administração pública para ter seus próprios sistemas de comunicação. Houve mesmo um tempo em que predominava o pensamento de que jornais partidistas seriam coisa do passado, que o recomendável e possível era disputar a hegemonia no quadro da imprensa existente. Creio que, após 10 anos de experiência do PT no governo e uma campanha fascista de mídia sobre o caso do chamado Mensalão já não se pensa mais assim, já devem ter se dissolvido as antigas ilusões sobre penetrar e disputar hegemonia na hiperpartidarizada mídia conservadora.. Mas, vale aprofundar esta discussão.

Quando o PT elegeu pela primeira vez o governador do Distrito Federal, munido de esperança participativa que sempre fora alardeada como diferencial da administração que iria começar, um grupo de jornalistas da capital reuniu-se com membros do novo governo e apresentou um conjunto de propostas. Entre elas, a criação de uma Fundação Brasiliense de Comunicação, e, também a utilização da capacidade gráfica ociosa nas estruturas do GDF, bem como a criação de uma TV Distrital, sem faltar instalação de antenas repetidores nas cidades satélites para que a Rádio Cultura, confinada ao Plano Piloto, fosse ouvida na chamada periferia.”Não vamos criar um novo Pravda”, foi a resposta do novo governo dissolvendo toda aquela esperança e estabelecendo uma incapacidade de diálogo entre o GDF e a sociedade ao longo da administração e que só ficou patenteada quando PT foi derrotado por Roriz nas eleições seguintes.
Por ironia da história, um dos projetos que aquele coletivo de jornalistas apresentara ao governador petista eleito - a criação de um jornal popular, de massas e de distribuição gratuita - foi assumida pelo governo Roriz e, até hoje, é um diário de 70 mil exemplares, distribuídos na Rodoviária, sendo, obviamente, a única possibilidade de leitura para milhares de famílias que moram nas chamadas cidades satélites de Brasília. E já trabalha contra o novo governo do PT, como foi um jornal similar que ajudou a desmontar um bom governo petista em Betim.
Anos depois, quando o PT alcança novamente o Palácio do Buriti, o governador Agnello, depois de sofrer calado um bombardeio da mídia sobre relações nunca provadas com Carlinhos Cachoeira, realiza primeiro Encontro Distrital de Comunicação e decide criar - por meio de consulta pública - o Conselho de Comunicação Social do DF, para auxiliar na implementação do sistema público de comunicação. Admite até mesmo a criação da TV pública do DF. Depende, em boa medida, da participação da sociedade organizada e de sua capacidade, por ora rarefeita, de convocar a participação da população candanga neste esforço.
Hay camiños
Haddad, para viabilizar o diálogo que propõe, de modo estrutural, pode fazer uso do artigo 30 da Lei 12485, que apesar de favorecer a abertura sem limites ao capital externo, recepciona o que era previsto como Canais Básicos de Utilização Gratuita da antiga Lei do Cabo, abrindo, para todo poder municipal, onde haja serviços de tv paga, a possibilidade de ter a sua própria emissora televisiva.. Evidentemente, há uma limitação inicial o fato de ser uma tv acessível apenas aos assinantes que podem pagar por ela. Porém, no caso paulistano, a audiência potencial pode chegar a mais de um milhão de domicílios.
O que não deve desaminar o novo prefeito, ao contrário, pois são possíveis várias formas de negociação com as empresas provedoras de tv para o estabelecimento de uma espécie de Vale-TV, pelo qual se pode massificar a tv por assinatura, com pacotes populares, como na Argentina, com os paulistanos tendo acesso a um modo diferenciado de fazer tv e jornalismo. Já não sendo obrigados tão somente a ver o jornalismo sanguinário em que se transformaram praticamente todos os telejornais hoje, com vários assassinatos sendo apresentados e reapresentados em mórbido sensacionalismo, visando simplesmente passar a ideia de que todas as políticas públicas de segurança fracassaram, que não há estado, que o apagão é inevitável, porque o governo prefere pagar bolsa família a construir hidrelétricas, como se houvesse qualquer conexão e lógica entre estas “informações”.
No caso de uma tv por assinatura, o Palácio do Anhangabaú nem precisa disputar qualquer concessão, nem esquentar a cabeça do Ministro das Comunicações, mais preocupado em defender a proposta da Abert para extinguir, em última instância, o programa Voz do Brasil, espaço regulamentado de informação pelo o qual o cidadão de todo Brasil recebe informações não distorcidas sobre o que faz o governo federal, por exemplo. Basta reivindicar a aplicação da lei da tv paga e fazer como fez o Senado e a Câmara.
Também pode usar o exemplo destas duas instituições, que criaram as rádios Senado e Câmara, mas também o exemplo do Ministério do Exercito, que reivindicou junto ao Mincom autorização para a exploração de um serviço de radiodifusão sonora, constituindo o que é hoje a Rádio Verde Olíva, com sede em Brasília. Trata-se de simples autorização de poder público para poder público. A decisão, obviamente, estará mais na esfera política, mais precisamente quem sabe, , no campo das novidades que Lula tem reivindicado para a administração municipal. Vale lembrar, a prefeitura de Buenos Aires é detentora da concessão da Rádio Ciudad, sustentada com os recursos do contribuinte.
O papel do jornal papel
Por último, ante a audácia tática e política de Lula, não seria exagero pedir um pouco de audácia também em relação a iniciativas no jornal de papel. Um bom amigo me conta que somente pela Praça da Sé estima-se que passem , diariamente, cerca de 3 milhões de pessoas. A maioria esmagadora sem qualquer chance de leitura de jornal, já que vai longe o tempo em que os jornalões paulistas registravam tiragens de graúdas, de até 1 milhão de exemplares, no caso da Folha de São Paulo, ou de mais de 500 mil, no caso do Estadão. Hoje eles não chegam a tirar, cada qual, sequer para alcançar 10 por cento dos que passam pela Sé todo dia.
Vale lembrar que é dever do estado garantir o acesso da população à saúde, ao transporte, à educação e também à informação. Se o setor privado revela-se cada vez mais indigente em leitores, em tiragens e também em credibilidade, é preciso buscar soluções. Criou-se um novo desafio político, inclusive para um setor petista que reivindica a manutenção do tabu, como no primeiro governo petista do DF, o que se revelou um grave erro. Vale lembrar que nos últimos anos uma fila de jornais privados caiu em falência: Gazeta Mercantil, Jornal da Tarde, Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil etc. Afinal, não está escrito em nenhuma estrela que o poder público não pode atuar na área da informação. Ao contrário, consta da Constituição que a comunicação deve ser regida pela complementaridade entre o público, o estatal e o privado. Afinal, se o estado pode distribuir remédio, camisinha e dentadura, porque não pode, ele próprio, distribuir informação?
Evidentemente, haverá uma gritaria danada da ANJ, a turma do partido da Judith Brito, aquela que confirmou que , em razão da fraqueza da oposição, a mídia tem sim cumprido esta função de oposição. Vão dizer que os recursos do contribuinte não podem ser aplicados em imprensa, como se isto já não ocorresse hoje, mas apenas para alimentar, unilateralmente, as receitas que sustentam uma linha editorial de hostilidade antijornalística ao partido de Lula. Quantas assinaturas desta mídia são compradas pelas administrações municipais ou estaduais com elas ideologicamente alinhadas?
Que tal a Conferência Municipal de Comunicação?
Também em Caracas os jornalões mais vendidos, tiveram suas tiragem reduzidas drasticamente. Quando Chávez foi eleito a primeira vez, o El Nacional tirava 400 mil exemplares dia, hoje reduzidos a 40 mil, apesar da elevação do poder aquisitivo dos venezuelanos, país que paga hoje o mais alto salário mínimo da América Latina, o equivalente a 2440 reais. A debacle deve-se ao renitente editorialismo anti-Chávez destes jornais, perdendo toda a credibilidade, além de, não esqueçamos, terem defendido o golpe de estado de abril de 2002.
Como também não vamos esquecer que o Estadão publicou editorial no dia em que Vargas criou a Petrobrás afirmando que “era absurdo criar uma estatal petroleira num país que sabidamente não possui petróleo”. Já a Folha apoiou até com equipamentos próprios a ditadura militar, além de fazer um curioso discurso ético, enquanto em suas páginas publica anúncios de comércio sexual...
Hoje, na Venezuela há diversos jornais públicos, muitos com distribuição gratuita, como o Ciudad Caracas, pertencente à Prefeitura da Capital, contribuindo para elevar substancialmente o acesso e o nível de leitura dos moradores. Observar a sua distribuição no metrô caraquenho e sua colocação em caixas instaladas pelas calçadas, acessíveis a todos, joga por terra muitos discursos acadêmicos que duvidam do interesse do cidadão comum pela leitura. Tanto na Bolívia, como na Argentina e no Equador, também há modalidades de jornal público, alguns com distribuição gratuita massiva, outros a preços audaciosamente mais baixos que os diários tradicionais. Mas, este não deve ser um grande problema para o Palácio do Anhangabaú, pois é conhecida a sua graúda conta publicitária. Mas, como o prefeito, corretamente, quer diálogo e não publicidade, meio caminho do debate já estaria sinalizado. Sem falar na possibilidade dos Dadzbaos Eletrônicos.
Que tal uma conferência municipal de comunicação para começar, na qual, entre outros levantamentos, seja conhecida a capacidade gráfica do município, com alguma possibilidade de que haja, com se constatou em Brasília na época, muitos equipamentos ociosos?. Talvez seja possível, também, revelar a existência de um significativo plantel de jornalistas nos quadros municipais, atuando fora de suas funções profissionais, desperdiçados talvez. Como sabemos que há crônica capacidade ociosa da indústria gráfica brasileira, boa parte dela com sede em São Paulo, e talvez com dívida para com o fisco municipal, quem sabe surjam possibilidades de prestação de serviços gráficos como parte da compensação de seus débitos?
Lula, como dirigente político, deu a linha: ouvir a população. O Haddad abriu um caminho novo quando afirma que precisamos de comunicação, não de publicidade. O diálogo que sinalizou pode ser o grande diferencial comunicativo para a nossa Sampa, e, quem sabe, como na canção, a sua mais nova tradução, “fazendo surgir teus poetas de campos, espaços, tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva... o mais possível novo quilombo de Zumbi”.

Fonte:Blog do Miro

Postado por O TERROR DO NORDESTE 

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