Privilégio aos estados mal considerados produtores de
petróleo terão efeito eleitoral
Por: Mauro Santayana
O debate em torno dos royalties do petróleo pode servir à
rediscussão do problema federativo. O Senado e os meios acadêmicos estão
estudando o tema. Os Estados federados são antigos na História, e alguns deles
serviram de modelo às Federações modernas. Hoje, os exemplos mais notáveis são
Alemanha e Estados Unidos. E há simulacros de Federação, com ensaios
descentralizadores, na Espanha, em Portugal e na Itália, mediante as
“autonomias regionais”, embora continuem constitucionalmente unitários.
O predomínio de Madri está fomentando, na Espanha, o
separatismo. Ou a Espanha aceita e discute a transformação em uma confederação,
em que os bascos, os galegos, os catalães tenham independência tributária e
legislativa, ou estes se tornarão plenamente independentes. O mesmo ocorre na
Itália, com o separatismo no norte. No sul do Brasil, movimentos racistas falam
em criação de um “estado europeu” independente.
Argumentaram os estados brasileiros litorâneos – frente aos
quais se encontram os depósitos petrolíferos abaixo da crosta de sal – que
deles deve ser a parte do leão dos royalties compensatórios. Explicaram que a
exploração em suas costas marítimas reclama investimentos de infraestrutura e
custeio, no suporte à atividade, como rodovias, saneamento das cidades
atingidas, segurança pública, educação e saúde.
É bem verdade que as atividades de exploração lhes trazem
também maior tributação e aumento na participação dos recursos arrecadados
diretamente pela União e repassados pelos fundos correspondentes.
Parece justo e razoável que, na repartição dos royalties,
eles tenham uma parcela um pouco mais elevada do que a dos estados não produtores,
como compensação por tais gastos, mas bem mais modesta do que a pretendida.
A soberania sobre as águas de nosso interesse – que são de
200 milhas náuticas – se projeta entre o paralelo da Boca do Oiapoque, ao
norte, e o Arroio Chuí, ao sul. Esse mar é de todos os brasileiros, e não só
dos brasileiros desses estados. E deve ser dos brasileiros em geral a parcela
de indenização pelo petróleo extraído de seu fundo. Nem todos os estados
litorâneos estão nessa campanha pelos royalties diferenciados.
Só Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, em cujo
litoral foram encontradas jazidas do chamado “pré-sal”, insistiram em que a
presidenta vetasse o texto aprovado no Parlamento, o que ela fez de modo
parcial. E nem todos eles com a veemência do Rio de Janeiro, em que o
governador Sérgio Cabral fez do problema um caso bélico, convocando – mediante
o esperto recurso do ponto facultativo do funcionalismo – as massas para
protestar contra a divisão decidida.
No dia seguinte, os governadores das 24 unidades federativas
restantes, incluído o do Distrito Federal, publicaram nos jornais apelo à chefe
de governo para que mantivesse o texto legislativo aprovado. Enfim, só os
estados diretamente interessados em ter mais do que os outros permanecem na
posição discriminatória.
Em termos políticos, a contrapressão deveria ser mais
poderosa do que o esforço de Sérgio Cabral e dos governadores dos dois estados
que com ele confinam. Os efeitos desse privilégio dos estados mal considerados
produtores provavelmente serão sentidos eleitoralmente. E há mais: como o
dinheiro dos royalties será usado na educação, os estados mais carentes serão
discriminados nessa distribuição.
Rediscutir o pacto federativo é rediscutir a distribuição de
recursos tributários. Desde 1964, os direitos fiscais dos estados vêm sendo
corroídos pela solerte apropriação por parte do poder central. E esse saqueio
legal, mediante as medidas provisórias, tornou-se ainda mais cruel durante o
governo Fernando Henrique Cardoso. Só uma ação coordenada e forte dos estados
poderá levar o Congresso a reformar a Constituição, a fim de restaurar – em
toda a sua amplitude – o pacto federativo republicano de 1891.
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