Do Blog do Zé Dirceu
Ele está lá na companhia de Fernando Pessoa, Edgar Allan Poe,
Mario Quintana e outros nomes de peso da literatura. Há diversos dias, o livro
“A dor essencial”, do poeta baiano Lula Miranda, não sai da lista dos mais
vendidos pela Amazon.
Ao explicar como um poeta que usa principalmente os meios
alternativos para se expressar alcançou tal posição, ele se diverte: “Tenho que
recorrer à mídia alternativa e aos meus leitores na internet - o que dá para
encher uma kombi. Então essa turma da kombi comprou o livro e ajudou passando a
notícia do lançamento para sua lista. Ou seja, tornei-me uma espécie de ‘spam
viral’”.
Notório articulista política, Lula Miranda também faz poesia
há décadas. Ganhou destaque na geração de “poetas marginais” nos anos 1980 na
Bahia. Aprontou diversas, invadiu saraus literários comportados e caretas,
exacerbou a criatividade e sempre se manteve original.
Radicado em São Paulo, colabora em blogs e sites
progressistas e seus artigos políticos sempre dão o que falar.
Mas na entrevista abaixo, o nosso foco foram os poemas de “A
dor essencial” – cujo convidativo preço de cerca de R$ 10 na Amazon é um
estímulo a mais para a leitura.
Seu livro está entre os mais vendidos da Amazon, ao lado de
Fernando Pessoa, Vinicius de Morais, Camões e outros. Como aconteceu?
Divulgação via e-mail e possível recall de meu nome junto ao
leitorado. Como faço o gênero alternativo, não tenho agente literário para
cavar espaço junto aos editores e colunistas dos cadernos de cultura. Como meu
esporte predileto é descer o sarrafo na grande imprensa, meu nome é mal visto
nos grandes veículos - dizem que integro, juntamente com o Emir e o Arbex, uma
suposta "lista negra".
Então tenho que recorrer à mídia alternativa e aos meus
leitores na internet - o que dá para encher uma kombi. Então essa turma da
kombi comprou o livro e ajudou passando a notícia do lançamento para sua lista.
Ou seja, tornei-me uma espécie de "spam viral". Esses grandes
autores, citados por você e que me fazem honrosa companhia lá na lista de mais
vendidos, já morreram e por isso não estão em pé de igualdade para concorrer
com essa minha estratégia de marketing na blogosfera e com a "turma da
kombi".
Você ganhou o rótulo de poeta marginal nos ano 80 e hoje
costuma publicar artigos na chamada imprensa alternativa e progressista. Dá
para dizer que a internet prova que o alternativo também é comercialmente
viável?
Esse rótulo de poeta marginal foi a mídia e os acadêmicos que
nos pespegaram naquela ocasião. Marginal por estar à margem das editoras e do
establishment. Mas no fundo é apenas mais um rótulo para facilitar a
catalogação e a venda do produto na indústria cultural. Só isso. Quando bem jovem, com 17 anos (hoje tem 48),
eu imprimia meu livros em mimeógrafo no sindicato de meu irmão (pagava só a
resma de papel) e saía com a minha namorada vendendo de mão em mão em porta de
teatro, fila de cinema, barzinho etc.
Como estratégia de marketing, pichava os muros da cidade e
fazia performances para atrair o público. Eu era relativamente conhecido em
Salvador. A gente, eu e mais outros cinco ou seis poetas, viajava pelo Brasil -
e chegamos a fazer sucesso até em Buenos Aires. Mas a tecnologia e os meios de hoje nos permite
colocar um livro "nas nuvens", que é de onde supostamente vem a
inspiração para criar os poemas, e vendê-lo aos milhares – quiçá milhões! –
pelo mundo todo. O mundo é o limite. Já estou providenciando a tradução dos
poemas para o inglês.
Sim, o alternativo é
uma alternativa, um caminho; mais do que viável. Só se prende a grandes editoras ou a
oligopólios de mídia quem é acomodado ou preguiçoso ou, a maioria, os que precisam
daquele emprego pra sustentar a vasta prole. Eu não tenho prole pra sustentar,
não sou um proletário. Mas não sou contrário às
editoras - temos bons editores disputando o mercado hoje, que são
honestos, sensíveis, cultos e capazes.
Desgraçadamente as boas editoras estão acabando. O livro hoje
também é encarado como um produto. E só se vende livros como os "Não sei
quantos tons de cinza". A mulher que escreveu esse livro tem a minha idade
e está milionária! E o livro dela não é nada! É um livro de vento!
Você, pelo que eu soube, nem telefone celular tem. Essa
experiência com a venda o livro muda alguma coisa nos seus hábitos?
Não tenho celular mesmo (risos). Tenho trauma de celular. Já
ganhei um iPhone de presente e devolvi. Para mim, é difícil de manusear - faço
o gênero "tiozinho old fashion". Outra: fico incomodado e constrangido
em ver aquelas pessoas berrando suas misérias e mediocridades em alto e bom som
nos ônibus, metrôs, shoppings, sem
sequer se darem conta que estão cometendo uma grosseria. Deveria haver um
código de etiqueta para se falar ao celular. Deve existir isso - não? Mas para
as pessoas "normais", as que se utilizam do celular, até como um
instrumento de trabalho imprescindível, esse lance do livro digital, do e-book,
é uma "mão na roda".
Ler poemas num iPhone, por exemplo, para mim, foi uma
experiência fantástica! Não sei como não pensei nisso antes. As pessoas podem
ler no engarrafamento, nas longas e demoradas filas das superlotadas agências
bancárias, no ônibus, no metrô etc. Um barato!
De onde surgiu o livro? Que dor essencial é essa?
O livro é um acúmulo da poesia que colhi ao acaso nos últimos
vinte e poucos anos desta minha jornada. Essa expressão "dor
essencial" é muito utilizada na literatura sobre religião, filosofia e psicanálise. Não se trata de uma dor de
dente ou de cabeça, claro, é uma dor que carregamos na alma. Cada um carrega a
sua. Não existe droga, cachaça ou analgésico que apague essa dor. Viver é isso:
suportar, aprender a (con)viver com as
dores que afligem a nossa alma. E como escreveu um outro poeta da minha
geração, Ricardo Emanuel: "A vida é uma aventura que pouco tempo
dura". Mas o que me impressionou mesmo foi Niemeyer, um homem sábio que
viveu mais de 100 anos, dizer que "A vida é um piscar de olhos". Eu
pirei com essa frase aparentemente singela dele.
Para quem é o livro? Quem é o seu leitor?
O meu leitor é um cara comum, qualquer um, todo o mundo. Até
coloquei um preço baratinho no livro para os meus amigos da chamada
"Classe C" comprarem também. A Classe C, além de viajar de avião e
ficar hospedada em hotel 4 ou 5 estrelas pagando em 12 X sem juros, e assim
incomodar aquele grupelhos de babacas, apenas uma parte ínfima da nossa elite, também pode consumir poesia e livro digital.
Agora, também reservei as citações e a chamada "intertextualidade",
os aspectos mais literários e eruditos, para os meus amigos intelectuais e o
meus colegas de ofício. Até coloquei "marcadores" nessas citações
para ficar mais fácil para o leitor perceber. É preciso se comunicar com todo o
mundo. Sem demagogia.
Como era fazer poesia há 30 anos e como é agora? Quem mudou
mais: você ou a sociedade?
Eu mudei pouco, na essência. Ano passado reencontrei meus
colegas – hoje amigos – dos tempos de colegial (hoje Ensino Médio) do Colégio 2
de Julho em Salvador – onde, dizem,
Glauber também teria estudado, antes de ir para o Central, onde foi colega de
João Ubaldo. Eles deram muita risada ao perceberem que eu continuo o mesmo
"presepeiro" de sempre, apesar de ter me tornado um
"paulista" e me tornado um senhor grisalho.
A sociedade mudou mais. Vivemos hoje numa sociedade do
espetáculo, onde tudo é lançado e vivido de uma forma espetacular e
superficial. Por exemplo, o cidadão em vez de socorrer um acidentado, ele filma
o acidente para postar na internet. Isso é uma anomalia, uma excrescência, que
não sei se será corrigida ou se vai se radicalizar rumo ao grotesco ou
caricatural. Quem viver verá.
O que vem agora? Qual o próximo livro?
Eu me comprometi com o meu editor. Se ele lançasse primeiro
meu livro de poemas eu lançaria na sequência um livro de crônicas e artigos
sobre política - afinal, é dessa "praia" que os leitores me conhecem:
a de cronista de política. Promessa é dívida. Mas, confesso, cá entre nós, não
acho relevante publicar livros. Já tem muito livro mofando nas livrarias - nas
estantes virtuais os livros não envelhecem, não mofam. As pessoas precisam é
ler os livros e autores que já existem:
Drummond, Bandeira, Quintana, Vinicius, Machado etc. - todos meus concorrentes
lá nas prateleiras da Amazon.
Dá para fazer uma rápida avaliação do cenário cultural hoje?
Onde estamos ganhando e onde estamos perdendo?
Nós já tivemos a semana de Arte Moderna de 1922, tivemos o
tropicalismo, o concretismo, a bossa nova; tivemos Guimarães Rosa, Jorge Amado,
Drummond, Bandeira etc. Tivemos Chico Sciense e a Mangue Beat. Tivemos o
fortalecimento do rap e da black music. O que é muito bom. Temos vivos e
atuantes Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque. Temos Lenine! O Brasil é
muito rico culturamente.
Por outro lado temos o funk, um tal de "arrocha" e
sei lá mais o quê. Mas temos jovens
criativos e entusiasmados com muita vontade de criar coisas singulares,
interessantes. É preciso dar condições para que esses jovens exerçam livremente
suas potencialidades. E não só os jovens dos bairros nobres, mas também os
jovens da periferia que estão sendo covardemente assassinados nas
"quebradas". Os marginalizados agora tomarão o seu papel a de
protagonistas que lhes fora roubado - e isso é irreversível. E é muito bom que
seja assim. Abolição! Com o governo Lula tivemos a ascensão social de cidadãos
marginalizados, socialmente e culturalmente.
Ou seja, não temos hoje somente a cultura das elites. Cada
vez mais essas coisas estão se misturando e é bom que assim seja. Aliás, assim
como a miscigenação das raças, que resulta num tipo de beleza singular, transcendente, teremos a
mistura das culturas. Darcy Ribeiro já disse isso, só que quase ninguém prestou
atenção. (risos)
Se você tivesse que destacar um poema no livro, qual você
escolheria?
Um não. Escolho no mínimo três. Na verdade, gosto de quase
todos. São como filhos. E me emociono agora ao relê-los. Mas os meus diletos
são Quarta-feira de Cinzas, O Curupira, O Pedinte, Nó de Marinheiro, O
Apostolado dos Desvalidos... Você pediu para escolher quantos mesmo?
Quais os autores fundamentais que você leu e que aconselharia
aos jovens de hoje lerem?
Aos jovens e aos mais velhos também: Drummond, Bandeira,
Mario Quintana, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Jorge Amado, Rubem Braga,
Pessoa, Baudelaire, Brecht, Camus,
Dostoiévski, Jacques Prévert, Shakespeare,
Borges e por aí vai a lista... Se você ler ao menos um livro de todos
esses mestres, você estará apto para passar, com tranquilidade, em qualquer
vestibular, Enem ou seleção para uma vaga de emprego. Lendo você estará apto
para a vida. Essa "dica" os bons professores dão aos seus alunos. Os
meus me deram.
Nenhum contemporâneo?
Não costumo ler os meus contemporâneos. Mas leio muito Paul
Auster e Mia Couto - são muito bons! Dos brasileiros vivos, já li muito Rubem
Fonseca, quando jovem. Hoje, por mais estranho que isso possa parecer, costumo
ler um sociólogo, não um ficcionista: o professor José de Souza Martins - um mestre!
Livro: A Dor Essencial
Autor: Lula Miranda
Prefácio: Professora-doutora Ana Maria Felipini
Editora: Brasil 247 S.A
Nenhum comentário:
Postar um comentário