Por Ariel Goldsteil
Num artigo recente, o historiador inglês Perry Anderson
estabeleceu as diferenças entre a cobertura feita pela mídia internacional e a
brasileira sobre o governo Lula, assim:
“Aquele cujas impressões
a respeito de seu governo viessem da imprensa internacional teria um choque ao
encontrar o tratamento dado a Lula nos meios de comunicação brasileiros.
Praticamente desde o início, a The Economist e o Financial Times ronronaram
satisfeitos com as políticas pró-mercado e com a concepção construtiva
presidência de Lula (...). O leitor da Folha ou do Estadão, para não falar da
Revista Veja, estava vivendo num mundo diferente. Normalmente, em suas colunas,
o Brasil estava sendo governado por um grosso aspirante a caudilho, sem a menor
compreensão dos princípios econômicos ou respeito pelas liberdades civis, uma
ameaça permanente à democracia e à propriedade privada”.
Uma situação similar se produziu durante a recente visita da
comitiva brasileira a França. Enquanto o ex-presidente estava junto da
mandatária Dilma Rousseff, e o país era lembrado na capa do semanário
francêsChallenge como “Brasil, o país onde se precisa estar”, as declarações do
empresário condenado por corrupção Marcos Valério sobre um suposto benefício de
Lula do esquema do Mensalão inundavam as páginas dos periódicos de maior
tiragem nacional.
A insistência na desqualificação da imagem de Lula por parte
da imprensa obrigou Dilma Rousseff a ensaiar uma defesa, na França: “Repudio
todas as tentativas de destituir Lula da imensa carga de respeito que o povo
brasileiro tem por ele”, ao tempo em que Hollande observava que “Lula tem na
França uma grande imagem” e “é visto como uma referência”.
A ênfase crítica especial que a imprensa brasileira demonstrou
com o ex-presidente obriga necessariamente a uma reflexão: é verdade, como
observa Anderson, que “o relacionamento direto de Lula com as massas”
interrompeu um ciclo, “minando o papel dos meios de comunicação na formação do
cenário político”?
Apesar da inegável capacidade de Lula de estabelecer com as
camadas populares uma relação profunda de identificação, o poder dos meios de
comunicação na sociedade brasileira não foi minado. Lula é percebido como
alguém que ameaça, com sua estima popular e com suas possibilidades
presidenciais até 2014, o status quo midiático brasileiro. Destruir o capital
político do ex-presidente, que havia crescido com o triunfo de seu candidato
Fernando Haddad nas últimas eleições municipais, parece ser um objetivo
visível.
A relação tensa entre Lula e o PT com os meios de comunicação
possui uma história que antecede à sua chegada à presidência – o que produziu
uma mutação na relação. Estas tensões começaram a aumentar durante as eleições
de 1989, 1994 e 1998, quando os meios dominantes teceram múltiplas acusações
para desacreditar o candidato petista. Durante as eleições de 1989, sobressaiu
a atuação da Rede Globo para construir, como rival de Lula, Collor de Mello, um
candidato da elite brasileira e sem lastro partidário, editando o debate
televisivo do segundo turno notoriamente a favor deste.
Esta história de operações contra a sua imagem explica a
aversão em relação aos meios de comunicação, que existe tanto em Lula como em
outros líderes partidários, como José Dirceu, seu chefe da casa civil entre
2003-2005.
Apesar disso, a elaboração de uma legislação reguladora da
comunicação parece estar distante, no Brasil. Em que pese a insistência do que
poderia ser chamado de “a velha guarda dirigente do PT”, como Dirceu, Genoino e
o atual presidente, Rui Falcão, que que saíram intensamente prejudicados com a
cobertura do julgamento do mensalão, Dilma Rousseff proclamou em numerosas
ocasiões: “Prefiro o barulho da imprensa ao silêncio das ditaduras”,
proporcionando uma resposta, tanto às exigências de regulação como às acusações
dos grandes meios de que assim se tentaria cercear a “liberdade de expressão”.
O conflito se torna estrutural, pois remete a questões que
vão desde o papel do comunicador popular que Lula exerce, o que o situa na
lógica alternativa à unidirecionalidade dos grandes meios, até a mudança de
elites políticas produzida pelo PT, que dificulta as mediações internas
características das relações governo-imprensa, previamente, assim como a agenda
progressista do governo, que tende a entrar em conflito com a cosmovisão dos
meios conservadores.
É por isso que os recorrentes picos de tensão que atravessam
esta complexa relação parecem desde o começo uma medição de forças entre atores
que não permitem resoluções de “soma zero”; entre a negociação e o conflito os
contornos dessa transição se vão definindo.
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