Os textos de Demétrio Magnoli, Ricardo Noblat, Merval
Pereira, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Catanhede, entre outros, são
fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da
comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões
de manipulação” na mídia brasileira
Jaime Amparo Alves*
Os brasileiros no exterior que acompanham o noticiário
brasileiro pela internet têm a impressão de que o país nunca esteve tão mal.
Explodem os casos de corrupção, a crise ronda a economia, a inflação está de
volta, e o país vive imerso no caos moral. Isso é o que querem nos fazer crer
as redações jornalísticas do eixo Rio – São Paulo. Com seus gatekeepers
escolhidos a dedo, Folha de S. Paulo, Estadão, Veja e O Globo investem
pesadamente no caos com duas intenções: inviabilizar o governo da presidenta
Dilma Rousseff e destruir a imagem pública do ex-presidente Lula da Silva. Até
aí nada novo.
Tanto Lula quanto Dilma sabem que a mídia não lhes dará
trégua, embora não tenham – nem terão – a coragem de uma Cristina Kirchner de
levar a cabo uma nova legislação que democratize os meios de comunicação e
redistribua as verbas para o setor. Pelo contrário, a Polícia Federal segue perseguindo
as rádios comunitárias e os conglomerados de mídia Globo/Veja celebram os
recordes de cotas de publicidade governamentais. O PT sofre da síndrome de
Estocolmo (aquela na qual o sequestrado se apaixona pelo sequestrador) e o
exemplo mais emblemático disso é a posição de Marta Suplicy como colunista de
um jornal cuja marca tem sido o linchamento e a inviabilização política das
duas administrações petistas em São Paulo.
O que chama a atenção na nova onda conservadora é o time de
intelectuais e artistas com uma retórica que amedronta. Que o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso use a gramática sociológica para confundir os menos
atentos já era de se esperar, como é o caso das análises de Demétrio Magnoli,
especialista sênior da imprensa em todas as áreas do conhecimento. Nunca alguém
assumiu com tanta maestria e com tanta desenvoltura papel tão medíocre quanto
Magnoli: especialista em políticas públicas, cotas raciais, sindicalismo,
movimentos sociais, comunicação, direitos humanos, política internacional…
Demétrio Magnoli é o porta-voz maior do que a direita brasileira tem de pior,
ainda que seus artigos não resistam a uma análise crítica.
Agora, a nova cruzada moral recebe, além dos já conhecidos
defensores dos “valores civilizatórios”, nomes como Ferreira Gullar e João
Ubaldo Ribeiro. A raiva com que escrevem poderia ser canalizada para causas bem
mais nobres se ambos não se deixassem cativar pelo canto da sereia. Eles
assumiram a construção midiática do escândalo, e do que chamam de degenerescência
moral, com o fato. E, porque estão convencidos de que o país está em perigo, de
que o ex-presidente Lula é a encarnação do mal, e de que o PT deve ser
extinguido para que o país sobreviva, reproduzem a retórica dos conglomerados
de mídia com uma ingenuidade inconcebível para quem tanto nos inspirou com sua
imaginação literária.
Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro fazem parte agora
daquela intelligentsia nacional que dá legitimidade científica a uma insidiosa
prática jornalística que tem na Veja sua maior expressão. Para além das
divergências ideológicas com o projeto político do PT – as quais eu também
tenho -, o discurso político que emana dos colunistas dos jornalões
paulistanos/cariocas impressiona pela brutalidade. Os mais sofisticados sugerem
que a exemplo de Getúlio Vargas, o ex-presidente Lula cometa suicídio; os menos
cínicos celebraram o “câncer” como a única forma de imobilizá-lo. Os leitores
de tais jornais, claro, celebram seus argumentos com comentários
irreproduzíveis aqui.
Quais os limites da retórica de ódio contra o ex-presidente
metalúrgico? Seria o ódio contra o seu papel político, a sua condição
nordestina, o lugar que ocupa no imaginário das elites? Como figuras públicas
tão preparadas para a leitura social do mundo se juntam ao coro de um discurso
tão cruel e tão covarde já fartamente reproduzido pelos colunistas de sempre?
Se a morte biológica do inimigo político já é celebrada abertamente – e a morte
simbólica ritualizada cotidianamente nos discursos desumanizadores – estaríamos
inaugurando uma nova etapa no jornalismo lombrosiano?
Para além da nossa condenação aos crimes cometidos por
dirigentes dos partidos políticos na era Lula, os textos de Demétrio Magnoli ,
Marco Antonio Villa, Ricardo Noblat , Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo
Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Catanhede, além dos que agora se somam a eles,
são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da
comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões
de manipulação” na mídia brasileira. Seus textos serão utilizados nas
disciplinas de ontologia jornalística não apenas com o exemplos concretos da
falência ética do jornalismo tal qual entendíamos até aqui, mas também como
sintoma dos novos desafios para uma profissão cada vez mais dominada por uma
economia da moralidade que confere legitimidade a práticas corporativas
inquisitoriais vendidas como de interesse público.
O chamado “mensalão” tem recebido a projeção de uma bomba de
Hiroshima não porque os barões da mídia e os seus gatekeepers estejam
ultrajados em sua sensibilidade humana. Bobagem! Tamanha diligência não se viu
em relação à série de assaltos à nação empreendidos no governo do presidente
sociólogo! A verdade é que o “mensalão” surge como a oportunidade histórica para
que se faça o que a oposição – que nas palavras de um dos colunistas da Veja
“se recusa a fazer o seu papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia
do presidente metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff
e reconduzir o projeto da elite ‘sudestina’ ao Palácio do Planalto.
Minha esperança ingênua e utópica é que o Partido dos
Trabalhadores aprenda a lição e leve adiante as propostas de refundação do país
abandonadas com o acordo tácito para uma trégua da mídia. Não haverá trégua,
ainda que a nova ministra da Cultura se sinta tentada a corroborar com o lobby
da Folha de S. Paulo pela lei dos direitos autorais, ou que o governo Dilma
continue derramando milhões de reais nos cofres das organizações Globo e Abril
via publicidade oficial. Não é o PT, o Congresso Nacional ou o governo federal
que estão nas mãos da mídia.
Somos todos reféns da meia dúzia de jornais que definem o que
é notícia, as práticas de corrupção que merecem ser condenadas, e,
incrivelmente, quais e como devem ser julgadas pela mais alta corte de Justiça
do país. Na última sessão do julgamento da ação penal 470, por exemplo, um
furioso ministro-relator exigia a distribuição antecipada do voto do
ministro-revisor para agilizar o trabalho da imprensa (!). O STF se transformou
na nova arena midiática onde o enredo jornalístico do espetáculo da punição
exemplar vai sendo sancionado.
Depois de cinco anos morando fora do país, estou menos
convencido por que diabos tenho um diploma de jornalismo em minhas mãos. Por
outro lado, estou mais convencido de que estou melhor informado sobre o Brasil
assistindo à imprensa internacional. Foi pelas agências de notícias
internacionais que informei aos meus amigos no Brasil de que a política externa
do ex-presidente metalúrgico se transformou em tema padrão na cobertura
jornalística por aqui. Informei-lhes que o protagonismo político do Brasil na
mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu atenção muito mais
generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na mídia nacional.
Informei-lhes que acompanhei daqui o presidente analfabeto receber o título de
doutor honoris causa em instituições européias, e avisei-lhes que por causa da
política soberana do governo do presidente metalúrgico, ser brasileiro no
exterior passou a ter uma outra conotação. O Brasil finalmente recebeu um
status de respeitabilidade e o presidente nordestino projetou para o mundo
nossa estratégia de uma America Latina soberana.
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