Os Estados Unidos realizaram em dezembro um teste nuclear em
Nevada. O país não aceitou abrir a atividade aos inspetores internacionais, o
que têm exigido do Irã – que, aliás, protestou, assim como fizeram o prefeito
de Hiroshima e alguns grupos pacifistas japoneses. O acontecimento voltou a
chamar atenção para a disputa entre Israel e Irã, mas sem pôr em pauta o que
realmente é importante: a criação de uma zona livre de armas nucleares no
Oriente Médio.
Noam Chomsky - La Jornada
Há alguns meses, ao informar sobre o debate final da campanha
presidencial nos Estados Unidos, o The Wall Street Journal observou que “o
único país mais mencionado (que Israel) foi o Irã, o qual a maioria das nações
de Oriente Médio vê como a principal ameaça à segurança da região”.
Os dois candidatos estiveram de acordo em que um Irã nuclear
é a maior ameaça à região, se não ao mundo, como Romney sustentou
explicitamente, reiterando uma opinião convencional.
Sobre Israel, os candidatos rivalizaram em declarar sua
devoção, mas nem assim os as autoridades israelenses se deram por satisfeitas.
Esperavam “uma linguagem mais ‘agressiva’ de Romney”, segundo os repórteres.
Não foi suficiente que Romney exigisse que não se permitisse que o Irã “alcance
um ponto de capacidade nuclear”.
Também os árabes estavam insatisfeitos, porque os temores
árabes sobre o Irã se “debateram sob a ótica da segurança israelense, não da
região”, e as preocupações dos árabes não foram contempladas: uma vez mais, o
tratamento convencional.
O artigo do Journal, como incontáveis outros sobre o Irã,
deixa sem resposta perguntas essenciais, entre elas: Quem exatamente vê o Irã
como a ameaça mais grave à segurança? O que os árabes (e a maior parte do
mundo) acham que se pode fazer diante dessa ameaça, existindo ou não?
A primeira pergunta é fácil de responder. A ameaça iraniana é
uma obsessão totalmente do Ocidente, compartilhada por ditadores árabes, embora
não pelas populações árabes.
Como mostraram numerosas pesquisas, mesmo que os cidadãos dos
países árabes em geral não simpatizem com o Irã, não o consideram uma ameaça
muito grave. Na verdade percebem que a ameaça são Israel e Estados Unidos, e
vários, muitas vezes maiorias consideráveis, veem nas armas nucleares iranianas
um contrapeso para essas ameaças.
Em altas esferas dos Estados Unidos, alguns estão de acordo
com a percepção das populações árabes, entre eles o general Lee Butler,
ex-chefe do Comando Estratégico. Em 1998 ele disse: “É extremamente perigoso
que, no caldeirão de animosidades que chamamos Oriente Médio”, uma nação,
Israel, deva contar com um poderoso arsenal de armas nucleares, “que inspira
outras nações a tê-lo também”.
Ainda mais perigosa é a estratégia de contenção nuclear da
qual Butler foi o principal formulador por muitos anos. Tal estratégia,
escreveu em 2002, é “uma fórmula para uma catástrofe sem remédio” e convidou os
Estados Unidos e outras potências atômicas a aceitar os compromissos contraídos
dentro do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e fazer esforços de “boa
fé” para eliminar a praga das armas atômicas.
As nações têm a obrigação legal de levar a sério esses
esforços, decretou a Corte Mundial em 1996: “Existe a obrigação de avançar de
boa fé e levar a termo as negociações orientadas ao desarmamento nuclear em
todos seus aspectos, conforme um controle internacional estrito e efetivo”. Em
2002, o governo de George W. Bush declarou que os Estados Unidos não estão
comprometidos com essa obrigação.
Uma grande maioria do mundo parece compartilhar a opinião dos
árabes sobre a ameaça iraniana. O Movimento de Países Não Alinhados (MNA)
apoiou com vigor o direito do Irã de enriquecer urânio; sua declaração mais
recente aconteceu na cúpula de Teerã, em agosto passado.
A Índia, membro mais populoso do MNA, encontrou formas de
evadir às onerosas sanções financeiras dos Estados Unidos ao Irã. Executam
planos para vincular o porto iraniano de Chabahar, recondicionado com
assistência indiana, com a Ásia Central, através do Afeganistão. Também se
informa que as relações comerciais se incrementam. Se não fosse pelas fortes
pressões de Washington, é provável que estes vínculos naturais tivessem uma
melhoria substancial.
A China, que tem estatuto de observadora no MNA, faz o mesmo,
em boa medida. Expande seus projetos de desenvolvimento para o Ocidente, entre
eles iniciativas para reconstituir a antiga Rota da Seda para a Europa. Uma
linha ferroviária de alta velocidade conecta a China com o Cazaquistão e além.
É provável que chegue ao Turcomenistão, com seus ricos recursos energéticos, e
que se conecte com o Irã e se estenda até a Turquia e a Europa.
A China também tomou o controle do importante porto de
Gwadar, no Paquistão, que lhe permite obter petróleo do Oriente Médio evitando
os estreitos de Ormuz e Malaca, saturados de tráfico e controlados pelos
Estados Unidos. A imprensa paquistanesa informa que “as importações de petróleo
cru do Irã, dos estados árabes do Golfo e da África poderiam ser transportadas
por terra até o noroeste da China através deste porto”.
Em sua reunião de agosto, em Teerã, o MNA reiterou sua velha
proposta de mitigar ou pôr fim à ameaça das armas nucleares no Oriente Médio
estabelecendo uma zona livre de armas de destruição em massa. Os passos nessa
direção são, sem dúvida, a maneira mais direta e menos onerosa de superar essas
ameaças, o que é apoiado por quase o mundo inteiro.
Uma excelente oportunidade de aplicar essas medidas se
apresentou recentemente, quando se planejou uma conferência internacional sobre
o tema em Helsinki.
Foi realizada uma conferência, mas não a que estava
planejada. Só organizações não governamentais participaram da reunião
alternativa, organizada pela União pela Paz, da Finlândia. A conferência
internacional planejada foi cancelada por Washington em novembro, pouco depois
que o Irã concordou em comparecer.
A razão oficial do governo Obama foi “a turbulência política
na região e a desafiante postura do Irã sobre a não proliferação” segundo a
agência Associated Press, junto a uma falta de consenso sobre como enfocar a
conferência. Essa razão é a aprovada referência ao fato de que a única potência
nuclear da região, Israel, se negou a comparecer, alegando que a solicitação
para fazê-lo era “coerção”.
Aparentemente, o governo de Obama mantém sua postura anterior
de que “as condições não são apropriadas, a menos que todos os membros da
região participem”. Os Estados Unidos não permitirão medidas para submeter as
instalações nucleares de Israel a inspeção internacional. Também não revelará
informação sobre “a natureza e alcance das instalações e atividades nucleares
israelenses”.
A agência de notícias do Kuwait informou imediatamente que “o
grupo árabe de Estados e os estados membros do MNA concordaram em continuar
negociando uma conferência para o estabelecimento de uma zona livre de armas
nucleares no Oriente Médio, assim como de outras armas de destruição em massa”.
Recentemente, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por 174
votos a seis, uma resolução na qual convida Israel a aderir ao TNP. Pelo não,
votou o contingente acostumado: Israel, Estados Unidos, Canadá, as Ilhas
Marshall, Micronésia e Palau.
Dias depois, em dezembro, os Estados Unidos realizaram um
teste nuclear impedindo, uma vez mais, aos inspetores internacionais, o acesso
ao local do teste, em Nevada. O Irã protestou, assim como o prefeito de
Hiroshima e alguns grupos pacifistas japoneses.
Claro que, para estabelecer uma zona livre de armas atômicas,
se requer a cooperação das potências nucleares: no Oriente Médio, isso
incluiria os Estados Unidos e Israel, que se negam a cooperar. O mesmo acontece
em outros lugares. As zonas da África e do Pacífico aguardam a aplicação do
tratado porque os Estados Unidos insistem em manter e melhorar as bases de
armas nucleares nas ilhas que controla.
Enquanto se levava a cabo a conferência de ONGs em Helsinki,
em Nova York se realizava um jantar com o patrocínio do Instituto sobre
Políticas sobre o Oriente Próximo, de Washington, ramificação do conselho
israelense.
Segundo uma matéria entusiasta sobre essa “cerimônia” na
imprensa israelense, Dennis Ross, Elliott Abrams e outros “ex-conselheiros de
alto nível de Obama e Bush” asseguraram aos presentes que “o presidente atacará
(o Irã) se a diplomacia não funcionar”: um presente de festas de fim de ano
muito atrativo.
É difícil que os estadunidenses estejam cientes de como a
diplomacia voltou a falhar, por uma simples razão: virtualmente não se informa
nada nos Estados Unidos sobre o destino da forma mais óbvia de lidar com “a
mais grave ameaça”: estabelecer uma zona livre de armas nucleares no Oriente
Médio.
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