A experiência histórica mostra que só os fortes têm o dever e
o direito de ser tolerantes
Por: Mauro Santayana
Como os fatos políticos evoluem hoje mais rapidamente que no
passado, quando esta revista estiver circulando, a situação política do
Paraguai e a reação continental ao impeachment do presidente Fernando Lugo
estará, provavelmente, esmaecida. O episódio, no entanto, serve para que
reflitamos sobre a posição histórica do Brasil em suas relações com os
vizinhos, quase todos eles unidos ao país pelas fronteiras terrestres, e todos
surgidos da colonização ibérica.
A administração do vasto território e sua defesa contra
aventureiros exigem a dedicação integral de nossa inteligência política e de
nossa habilidade diplomática
Sempre houve, antes, durante e depois do período em que
Espanha e Portugal estiveram sob a mesma coroa (entre 1580 e 1640) quem, em
Portugal e, depois, no Brasil, sonhasse com a expansão de nossas fronteiras
para além da cordilheira e para o sul da Colônia do Sacramento.
As circunstâncias históricas nos beneficiaram com a soberania
sobre a maior parcela do Vale Amazônico, com a sábia declaração de posse feita
por Pedro Teixeira, na boca do Rio Napo, em 1637, e a extensão da linha de
Tordesilhas, no peito dos bandeirantes, até o sopé da Cordilheira dos Andes, ao
oeste. Elas, no entanto, ao nos conferir a maior extensão de terras contínuas
no hemisfério ocidental, não nos autorizam a aventuras expansionistas nem a
pretensões de hegemonia política sobre nossos vizinhos.
Ao contrário: a administração do vasto território e sua
defesa contra aventureiros de fora, que só obteremos mediante a coesão política
interna, exigem a dedicação integral de nossa inteligência política e de nossa
habilidade diplomática. A experiência histórica nos mostra que só os fortes têm
o dever e o direito de ser tolerantes.
Ao contrário das versões históricas paraguaias (explicáveis
pelo natural patriotismo de seu povo) e de alguns revisionistas brasileiros, a
Tríplice Aliança não foi uma coalizão militar agressiva, mas, sim, defensiva.
Os paraguaios, sob Solano López, dispunham de poderoso exército e estavam
dispostos a anexar parcela do território brasileiro (ou do Uruguai) que lhes
permitisse o acesso direto ao Atlântico. Como primeiro passo, fecharam o acesso
brasileiro a Mato Grosso pelo Rio Paraguai e, em seguida, invadiram nosso
território, ocupando Corumbá por mais de dois anos.
Houve, sim, uma repressão brutal contra a população de
Assunção, por parte do Conde d’Eu, príncipe estrangeiro e genro de Pedro II,
mas os brasileiros de Mato Grosso, e os prisioneiros feitos pelos paraguaios,
não foram tratados com benignidade pelos inimigos. Todas as guerras, como
sabemos, são cruéis.
O grande erro em nossas relações com o Paraguai foi cometido
pelo governo militar, ao optar pela construção de Itaipu, bem a jusante do
projeto original do engenheiro Figueiredo Ferraz. Com a construção de Itaipu, e
a soberania compartida sobre a barragem (e a represa) pelos dois países,
passamos a ter nosso destino amarrado ao do Paraguai. Como a população
paraguaia é de apenas 6,2 milhões de habitantes, teremos de ser mais pacientes
do que a Bolívia – que já enfrentou uma guerra com o Paraguai entre 1932 e
1935, e a perdeu – em nossas relações com a república mediterrânea. Isso
explica a posição moderada do Brasil, diante do golpe parlamentar contra o
presidente Lugo.
Disso resulta uma lição importante. Nossa solidariedade com
os vizinhos não nos permite criar situações que possam conduzir a conflitos de
soberania – como é o caso de Itaipu. É conveniente que não realizemos projetos
que levem a áreas de administração comum, por menores que sejam. Mesmo as
pontes, sobre rios de fronteira, devem ter seus marcos claramente
estabelecidos.
E, agora, teremos de fazer da paciência mais paciência, a fim
de evitar um conflito maior com o governo que estiver de turno em Assunção,
qualquer que ele seja. Mas, no âmbito do Mercosul e da Unasul, temos o dever de
atuar conforme os membros dessas organizações regionais, ainda que devamos
trabalhar para que o povo paraguaio não pague pela insensatez de seus eventuais
dirigentes – como pagou quando López o conduziu para a aventura bélica de 1864,
ao invadir o território brasileiro, em retaliação contra a política brasileira
no Uruguai.
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