Há meses os espanhóis
tomam café da manhã cada dia com uma notícia pior que a do dia anterior. O
mecanismo da espiral é endemoninhado: o governo de Mariano Rajoy anuncia um
ajuste brutal no gasto público – apresentado pela imprensa como o “maior da
história contemporânea” – com a suposta intenção de acalmar os mercados que
elevam a cada dia a taxa de risco, o diferencial em relação aos títulos alemães
que a Espanha deve pagar no mercado internacional da dívida pública para se
financiar. O artigo é de Oscar Guisoni.
Oscar Guisoni -
Especial para Carta Maior
Madri - A crise
econômica espanhola se parece cada vez mais com uma espiral descendente cujo
fundo ninguém conhece e cuja saída ninguém se anima a apontar. Há meses os
espanhóis tomam café da manhã cada dia com uma notícia pior que a do dia
anterior. O mecanismo da espiral é endemoninhado: o governo de Mariano Rajoy
anuncia um ajuste brutal no gasto público – apresentado pela imprensa como o
“maior da história contemporânea” – com a suposta intenção de acalmar os
mercados que elevam a cada dia a taxa de risco, o diferencial em relação aos
títulos alemães que a Espanha deve pagar no mercado internacional da dívida
pública para se financiar.
Mas o objetivo (suposto)
não se cumpre e, no dia seguinte, a taxa de risco dispara a níveis superiores
aos alcançados antes do ajuste porque as restrições econômicas, dizem os
economistas – que se tornaram verdadeiras estrelas nos meios de comunicação
locais – só produzem maior recessão, mais desemprego, menos consumo e, por
conseguinte, menos arrecadação de impostos por parte do Estado. Ante esta
situação, e para cumprir com os objetivos estritos de déficit público impostos
pela União Europeia, o governo se vê obrigado a realizar outro ajuste e assim
até o infinito.
No caminho, está claro,
vão ficando direitos trabalhistas adquiridos, milhares de novos desempregados,
profissionais que abandonam o país, imigrantes que regressam para sua terra e
centenas de milhares de manifestantes que mostram sua impotência nas ruas.
Os últimos
acontecimentos, porém, mostram que o ritmo da queda se acelerou. Durante a
semana passada, o governo do conservador Partido Popular, cada dia mais
questionado nas ruas, anunciou um desses ajustes brutais (como já havia feito o
socialista José Luís Rodríguez Zapatero), chegando a tirar o pagamento extra de
Natal aos funcionários, rebaixando salários, cortando dias de descanso de
trabalho...A resposta foi uma massiva demonstração de força de uma sociedade
que não se resigna à vertigem da queda. Manifestações em mais de 80 cidades,
milhões de cidadãos nas ruas, os sindicatos em pé de guerra.
Como nem assim a crise
da dívida é equacionada, o governo pede um resgate “encoberto” de 100 bilhões
de euros e, para completar o círculo, nem sequer informa corretamente no
parlamento quais são as condições, que a imprensa descobre no dia seguinte
porque os papeis que o governo conservador não quer tornar públicos, acabam
sendo publicados pelos outros governos europeus envolvidos.
Questionado no
parlamento por essa falta de transparência, o ministro da Economia De Guindos
dá uma explicação brutal: “Se vai dar o golpe, convém não revelar publicamente
as razões. É preciso ser cuidadoso com as cartas que tem e como as apresenta”.
O problema é que o governo do PP apresentou o resgate como um empréstimo que
seria pago pela banca privada, mas a União Europeia esclareceu que não era
assim e essa dívida deveria ser assumida pelo Estado espanhol.
Na segunda-feira os
“mercados” responderam a tanta “boa vontade” dos dirigentes políticos que
conduzem o estado com uma nova alta da taxa de risco e outra onda de rumores
sobre a saúde da economia espanhola no longo prazo, acompanhada de uma queda na
bolsa que obrigou Madri a fechar até outubro a possibilidade de realizar certo
tipo de manobras especulativas. Mas como bem assinala em seu blog o Prêmio
Nobel de Economia, Paul Krugman, a banca tem problemas porque financiou estados
que hoje enfrentam dificuldades para pagar - assim como também particulares que
acabaram quebrando – e o Estado se vê obrigado a resgatá-la. Mas, para resgatar
a banca, tem que se endividar, com o que a espiral fica completa e não oferece
saída à vista.
“Está mais difícil do que nunca imaginar
situações plausíveis nas quais o euro sobreviva”, conclui Krugman, um dos
poucos economistas que vem advertindo há meses a opinião pública espanhola
sobre a “loucura” e a “perversidade” da espiral em que a meteram os apologistas
do neoliberalismo econômico que ocupam o Ministério da Economia.
Ante a severidade da
crise os representantes da classe política reagem como na Grécia. O ex-líder do
governo socialista Felipe González insinua que faz falta um grande acordo
nacional e o PSOE, na oposição, critica e não vota os cortes, embora não possa
deixar de reconhecer que foi seu governo, finalizado há apenas alguns meses,
que começaram a realizá-los. A resposta na rua é ambivalente. Por um lado
crescem os protestos, mas também cresce o sentimento anti-político.
Como não há opções à
vista com possibilidade de tomar o poder e de implementar políticas econômicas
alternativas, as consignas e os chamados nas redes sociais se parecem com
aqueles que inundaram a Argentina antes do estouro de 2001. Que se vão todos!
Por enquanto, segundo um recente artigo do El País, os únicos que estão indo
embora são os espanhóis que estão indo viver em outro país. Mais de cem mil já
saíram em 2011, segundo o portal Publico e os números de 2012 não fazem outra
coisa que aumentar. O êxodo parece não ter fim, como a crise.
Tradução: Katarina
Peixoto
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