O Mercosul na pauta da velha imprensa
Roberto Amaral
De par com a uniformidade ideológica de direita – ou seja, a
inexistência do contraditório requerido pela democracia –, salta à vista a
desconexão entre o interesse nacional e a mesquinhez editorial da grande
imprensa brasileira.
Quando escrevo, nas linhas acima, “interesse nacional”,
refiro-me, inclusive, aos interesses mais imediatos do empresariado. Do
descompasso entre a chamada mídia e a nação, exemplo irretorquível é a campanha
contra o ingresso da Venezuela no Mercosul, acesso o qual, sabem até os
contínuos das redações, é do maior interesse para a economia brasileira e
atende a necessidades geopolíticas nossas. É isso mesmo: o Brasil, mercê de sua
extensão territorial, dos seus recursos naturais e da sua população, tem
interesses geopolíticos legítimos; ademais, é a principal economia do
continente. Gostem ou não os órfãos da política da subalternidade e as viúvas
do alinhamento automático do Brasil aos interesses das grandes potências. Essa
realidade, da qual evidentemente decorrem novas exigências, é incompatível com
o “complexo de vira-lata” que domina a visão de mundo de nossas elites
alienadas. A visão que elas têm de nosso povo e de nosso projeto de nação, uma
nação que não poderia dar certo porque colonizada por portugueses de cabelos
pretos e olhos escuros e não por franceses e holandeses. Povo que não poderia
ansiar pela grandeza porque formado por europeus de segunda classe, índios
preguiçosos e negros nostálgicos.
Por que, contrariando nossos interesses econômicos e
políticos, essa “grande imprensa”, reflexa, combate o ingresso no Mercosul da
terceira economia continental, uma das maiores reservas petrolíferas do mundo e
o terceiro mercado consumidor da região? Na Venezuela, país ao qual me refiro,
aliás, já operam inumeráveis empresas brasileiras, e para suas importações se
voltam as esperanças da indústria manufatureira nacional, como alternativa às
crises europeia e norte-americana – sim, por incrível que pareça, a crise é
deles, do “pessoal de olhos azuis” como muito bem grafou o presidente Lula. Em
resumo, é do interesse da economia brasileira, mais do que de todas as demais
economias da região e do bloco, a expansão do Mercosul e nele o ingresso da
Venezuela, já aprovado, antes da reunião de Mendonza, pelos parlamentos de
Brasil, Argentina e Uruguai. Mas esse interesse não é só das empresas
estritamente brasileiras (indústrias, construtores, bancos), pois é do
interesse óbvio das multinacionais aqui instaladas, vez que elas atuam no
Mercosul e em alguns casos com maior desenvoltura do que nossos empresários.
Mas os jornalões são
contra. Por quê?
No caso da incorporação venezuelana, simplesmente alegam que
não gostam do sr. Hugo Chávez Frías, que amanhã, tragado pela tragédia
biológica ou pela derrota eleitoral, pode não ser mais presidente da República
Bolivariana da Venezuela. E, em qualquer hipótese, não mais o será daqui a seis
anos, o que é um nada na vida das nações e do próprio Mercosul. E, afinal, para
nossa direita caolha, o sr. Chávez é tão relevante que se torna mais importante
do que seu próprio país?
Nossa velha imprensa se volta contra os interesses da
economia brasileira porque as quatro famílias que controlam a opinião publicada
não toleram Chávez, seja porque é criolo, seja porque é anti-americanista, seja
porque é nacionalista, seja porque é falastrão, seja porque é “ditador”, seja
porque ganha muitas eleições, seja por isso ou por aquilo. Não gostam e pronto.
O motivo aparente é irrelevante, porque não passa de pretexto para a postura
reacionária que, no extremo ideológico, não tem dúvidas de postar-se contra o
interesse nacional quando este, ainda que de leve, de raspão mesmo, parece não
coincidir com os interesses do mercado dos EUA.
Por isso mesmo são contra a política externa brasileira e
para criticá-la têm sempre à mão meia dúzia de diplomatas de pijama, magoados,
ressentidos, frustrados entre a pequenez pessoal e a grandeza de uma política
que, na profissão, não souberam honrar. E essa gente pequena, loquaz,
escrevente, está sempre nas páginas gráficas e na tevê, para dizer docilmente o
que a pauta da mídia lhes encomenda. São os “especialistas” de que a grande
imprensa carece para abonar sua pauta reacionária. Exemplar desse desserviço é
um ex-embaixador fernandohenriquenho em Washington, em boa hora afastado da
sinecura pelo presidente Lula, e agora aboletado pelo sr. Skaf na Fiesp para
deitar regras contra o interesse nacional e perorar que a indústria paulista,
em crise auto-anunciada, não precisa do mercado venezuelano.
Foram os mesmos “especialistas” a serviço da mesma imprensa
que decretaram o fracasso da Rio+20 antes de sua realização, fracasso simples
de vaticinar: ora ela seria organizada pelos diplomatas tupiniquins, no governo
Dilma, no Brasil e no Rio de Janeiro…
Não poderia dar certo. Mas deu. Que se há-de fazer? Continuar
dizendo que não deu certo, ora bolas. Se a versão ideológica se choca com a
realidade, às favas com esta.
Mas nossa imprensa tampouco gosta de Evo Morales, nem de
Rafael Correa, nem de Cristina Fernandez, como não gostavam de Lugo, embora
fosse simpática a Uribe, como chegou a ser de Fujimori quando o larápio, antes
de ser pego com a mão na botija, era o implacável carrasco da esquerda peruana.
Que haverá de comum entre esses governantes (Morales, Correa e o defenestrado
Lugo) para atrair a má-vontade das quatro famílias? O fato de serem todos
homens do povo, isto é, estranhos aos estratos dominantes, incrustados no poder
há 500 anos? O fato de haverem chegado aos respectivos governos no cume de
processos sociais caracterizados pela emergência das grandes massas? Ou porque
todos estão comprometidos com a defesa da soberania de seus países?
Nos primeiros minutos, para logo corrigir-se, a imprensa
nativa ecoou a correta postura do governo brasileiro de condenação do golpe de
Estado parlamentar que destituiu a soberania do povo paraguaio e cassou – na
24ª tentativa! – o mandato de Fernando Lugo, golpe levado a bom termo pela
aliança entre os Colorados (60 anos de poder) e os Liberais de seu vice,
unificados, no esforço por restabelecer o modelo de país atrasado e de povo
pobre. A partir do momento em que Brasil, Uruguai e Argentina consolidaram o
ingresso da Venezuela, os humores mudaram. O golpe contra o Paraguai, um
repeteco do golpe da “Justiça” hondurenha (em cujo episódio a diplomacia
brasileira teve desempenho igualmente correto), traz para nosso continente a
instabilidade com a qual, há tantos anos, os interesses forâneos o vinham
alimentando, com golpes e contra-golpes e ditaduras, como a ditadura paraguaia
de Stroessner, tão bem compreendida pela “imprensa livre”.
Seja qual for a opinião de cada um de nós sobre Chávez, o
fundamental é que o ingresso da Venezuela no MERCOSUL é do nosso maior
interesse político e econômico: em 2010, enquanto exportamos para a Venezuela
U$ 4.592 milhões, importamos apenas U$ 1.266 milhões. Do total de nossas
exportações (alô, sr. Skaf!), 65% foram manufaturados, 32% produtos básicos e
3% semi-manufaturados (dados: Secex/MDIC). Esta é a realidade: as relações
comerciais se dão entre Estados e não entre governos O resto é mesmo cretinice
ou picaretagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário