Quando a presidenta Dilma
Rousseff instalou a Comissão da Verdade, algumas pessoas e parte da imprensa
tentaram jogar os integrantes da Comissão uns contra os outros, em cima da
exploração de temas como “investigar os dos lados”, “revanchismo” e da Lei da
Anistia. Com o passar do tempo, uma parte das pendências já se esclareceu. Por
exemplo, ficou claro que não existe essa questão dos “dois lados”, e que a
Comissão deve apurar os crimes cometidos pelos agentes públicos que
extrapolaram de suas funções ao praticar tortura e assassinatos.
Outra confusão era que a Comissão
poderia assumir, em alguma medida, o papel de julgar o que aconteceu. Essa
questão também está amplamente esclarecida (veja os posts anteriores sobre a
Comissão da Verdade aqui mesmo, no blog). O ministro Gilson Dipp, do Superior
Tribunal de Justiça e que coordena os trabalhos da Comissão da Verdade, deixou
muito claro, quando da sua reunião com familiares de desaparecidos em São
Paulo, no início da semana, que a Comissão existe tão somente para apurar a
verdade e não se confunde em nenhum momento com o judiciário.
Resta, agora, essa questão da Lei
da Anistia. Tenho escrito aqui no blog que a questão da Lei da Anistia não é
algo resolvido no Brasil. Que ela foi praticamente imposta pelos militares, em
1979, quando estes estavam no poder.
Paulo Abrão e a Lei da Anistia
Paulo Abrão, secretário nacional
de Justiça (Ministério da Justiça), defende a ideia de se rever a atual
interpretação da Lei da Anistia. Ele disse, nesta sexta (15), na Assembleia
Legislativa de São Paulo, que a Comissão da Verdade não será o último passo no
processo da chamada justiça de transição que está em curso no País. Na
avaliação dele, que também preside a Comissão Nacional de Anistia, o resultado
do trabalho iniciado agora para esclarecer fatos ocorridos na ditadura deverá
estimular ações judiciais contra agentes de Estado acusados de violações de
direitos humanos.
Concordo plenamente com o
secretário quando afirma que "a Comissão da Verdade não veio para botar
uma pedra em cima da história” e que, ao contrário disso, ela “poderá gerar
novos efeitos no campo da reparação, novas memórias e, quem sabe, potencializar
os mecanismos de Justiça", assim como "ninguém poderá impedir que o
Ministério Público Federal, no exercício de suas funções, tenha acesso à
documentação produzida pela comissão para ingressar com ações".
Um passo necessário
Segundo o repórter Roldão Arruda,
do Estadão, o secretário Paulo Abrão “criticou acidamente o Judiciário, que não
estaria participando do processo de Justiça de transição”. Um passo necessário
de ser dado, na avaliação dele, seria internalizar os tratados internacionais
que não aceitam nenhum tipo de autoanistia e consideram violações de direitos
humanos crimes imprescritíveis.
Concordo também com o secretário
quando diz que, ao manter a lei de 1979, o Judiciário manda a futuros ditadores
e genocidas uma mensagem do tipo "façam o que quiserem, só não esqueçam
de, antes de sair, aprovar uma lei perdoando a vocês mesmos". A
interpretação da Lei da Anistia dada pelo Supremo Tribunal Federal, de que os
militares que praticaram crimes como tortura e assassinato não podem ser
julgados, pode e deve ser revista.
Mas, até pelo peso de ter sido
uma decisão do Supremo, é preciso haver uma verdadeira mobilização nacional, um
posicionamento do povo brasileiro para que a mudança ocorra. O povo tem essa
prerrogativa, faz parte da sua autonomia e liberdade propor a modificação de
leis e de interpretações dessas leis. Com a divulgação dos fatos apurados pela
Comissão Nacional da Verdade, certamente essa questão se colocará no tempo
certo.
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