O senador Álvaro Dias sabe que a moeda de troca do Paraguai é
abrir seu território para a implantação de uma base militar norte-americana.
Não importa, ou melhor, é certamente o que mais importa. A CIA certamente não
esquecerá o favor do senador do PSDB.
Enio Squeff
A ida do senador Álvaro Dias ao Paraguai e a sua pretensão de
inquirir o governo brasileiro por ter seguido, em conjunto, a recomendação do
Uruguai, do Chile e da Argentina de suspender a presença do Paraguai no
Mercosul e no Unasul, lembra aquele personagem do grande intelectual e
decantado direitista brasileiro, Nelson Rodrigues, que numa das cenas de uma de
suas peças coloca um dos grandes canalhas que compõem seu repertório, a tentar
tirar uma casquinha da viúva no momento mesmo em que o morto está sendo velado.
O senador Álvaro Dias sabe que a moeda de troca do Paraguai é
abrir seu território para a implantação de uma base militar norte-americana.
Não importa, ou melhor, é certamente o que mais importa. A CIA certamente não
esquecerá o favor do senador do PSDB.
"Senza paura" recomenda, em italiano, outro
personagem de uma outra piada: de fato, todos os brasileiros que conhecem
medianamente a história do Brasil, carregam um peso na consciência em relação
ao Paraguai. A guerra da Tríplice Aliança - Argentina, Uruguai e Brasil -
contra o pequeno Paraguai pode ser caracterizada como um massacre. Coube ao
Brasil, aliás, o papel predominante na matança. O conde d'Eu marido da princesa
Isabel, substituto do Duque de Caxias na fase final da guerra, parece ter se
esmerado em matar quantos paraguaios pudesse. Não se duvide de que almejava a
glória de grande general - um galardão que - quem sabe - o poria em pé de
igualdade com alguns de seus pares na Europa, onde a sua fama não ia muito além
de um simples escroque.
Não era, de qualquer maneira, um militar profissional ou
minimamente competente: na sua encenação de grande estrategista, cometeria
atrocidades inomináveis. A morte do ditador Solano Lopez , juntamente com seu
filho de doze anos - este na frente da própria mãe -, não foi, apesar de tudo,
o pior. Antes já tinha mandado matar crianças que foram arregimentados à última
hora por Solano Lopez, para uma resistência àquelas alturas, inteiramente
inútil. Um profissional faria questão de pegar o ditador paraguaio vivo. Seria
bem melhor. Os próprios historiadores militares brasileiros concordam, enfim
que o Conde, não teria sido o comandante militar mais recomendável para
desfazer a má fama de um país escravagista como era o Brasil da época. Mas
Solano Lopez, ainda venerado no Paraguai por sua resistência contra três nações
vizinhas, não foi menos celerado por ter sido um ditador modernizante (que é o
que muitos defendem de seu governo): teria mandado açoitar parentes e a própria
mãe, além de perseguir até a morte alguns de seus possíveis adversário.
Em outras palavras, por mais que se simpatize com o sofrido
Paraguai, não há como imaginar que a declaração de guerra simultaneamente
contra o Brasil, a Argentina e o Uruguai pudesse ter qualquer resultado
favorável para o paraguaios. Foi literalmente uma loucura.
Comparações históricas quase nunca elucidam muita coisa, mas
Solano Lopez parece ter seguido o exemplo de Dom Sebastião o rei que lançou Portugal
numa das mais doloridas e decadentes fases da sua história enquanto nação. A
ditadura salazarista seria apenas o corolário de um país que quatro séculos
antes tinha sucumbido na aventura de um moleque beato e enlouquecido, como foi
Dom Sebastião. Com o Paraguai de Solano Lopez, que também redundou num
Stroessner, por mais que se abomine a crueldade, principalmente brasileira, que
se seguiu à derrocada do país, deu-se o mesmo. Não se duvide de que alguns
competentes generais paraguaios estimassem que a guerra contra a Tríplice
Aliança fosse tão tresloucada quanto a aventura marroquina do rei português que
praticamente encerrou uma fase de glória do país que colonizou o Brasil.
No entanto, Solano Lopez - talvez nem tanto quanto Dom
Sebastião - ainda é venerado. E pior - imitado .
Isso talvez não seja o que foi levado em conta pelo senador,
que deve ter muitos amigo entre os latifundiários brasilguaios - os brasileiros
que levaram suas experiências discricionárias para as terras paraguaias. Foram
eles que se juntaram à elite do País vizinho para o golpe fantasiado de
impeachment, que aconteceu no Paraguai. Qualquer observador minimamente honesto
sabe que o impeachment contra Lugo, perpetrado pelo congresso paraguaio em
apenas trinta horas, não se deu por qualquer "incomensurável incompetência
do presidente; ou por mero capricho do legislativo do país vizinho.
A própria adesão ou indiferença da grande imprensa brasileira
- com a notável exceção de um ou outro comentarista, como Miriam Leitão, na
rádio CBN (Globo) - expõe à luz o que foi perpetrado; mas que não parece ter
sido tramado nas trevas. Desde que prometeu fazer uma reforma agrária, no
Paraguai, o ex-bispo Fernando Lugo contou com a quase unanimidade da oposição
da imprensa latino-americana. Apesar de consabida e esperada, essa oposição
mesmo assim surpreende. No que a América Latina tem de mais atrasado - que é o
sistema de apropriação do latifúndio - aí a grande imprensa - e seus blogueiros
direitistas - unem-se de forma inequívoca em posição de sentido.
Ao que parece, não saímos ainda do estágio da barbárie
colonial. E toda a ação contrária à manutenção do latifúndio contra as velhas
elites das classes dirigentes não só do Brasil- saem da toca, na adesão à
qualquer quartelada - seja em Honduras, na Bolívia, ou no Paraguai. Nada
paradoxalmente novo, aliás. O que há de mais ou menos inédito nos tempos
recentes saídos da ditadura, parece a ação orquestrada de partidos que até
ontem proclamavam sua fidelidade à democracia. E que não hesitam em escancarar
a América do Sul e seus governos de esquerda, às represálias norte-americanas
com evidente perigo para as democracias saídas a duras penas das ditaduras
militares de assustadora memória.
Pode-se, em suma, discutir o direito do senador de fazer o
que seus interesses reclamam: depois da formidável derrocada do DEM, o PSDB
obra bem em aninhar a direita brasileira e contradizer assim a tal "social
democracia que ostenta em seu nome. Mas parece haver uma anomalia num partido
brasileiro que acha de bom alvitre ter norte-americanos e seus mísseis, logo
ali, nas fronteiras do Brasil.
É que as coisas, na verdade, não parecem ter dado muito
certo. Ao derrubar Lugo e ao lograr que o Paraguai fosse suspenso, quem entrou
no Mercosul e no Unasul foi justamente a Venezuela, até ontem impedida de
ingressar no bloco pela negativa do Congresso paraguaio de admiti-la. Ou seja,
consignado o golpe, deu-se um autêntico tiro pela culatra - mais uma trapalhada
da CIA. Pelo menos é o que parece.
Nelson Rodrigues, em suas tragicomédias, sempre se esmerou em
mostrar que o pior das relações familiares brasileiras era o cinismo. O senador
e líder do PSDB, ao argüir o direito do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do
próprio Chile de suspenderem o Paraguai deixa claro que, para ele e seu
partido, vale tudo. Inclusive a troca do grande mercado venezuelano - não foi o
que sempre valeu para o PSDB? - pela clara ameaça que representa ao Cone Sul os
mísseis norte-americanos em território paraguaio. Age dentro do mais puro
cinismo - mas é o que temos. E como "óbvio ululante", para mais uma
vez evocar Nelson Rodrigues em seu frasismo incontinente.
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