quarta-feira, 11 de julho de 2012

"O que houve em Belo Horizonte foi traição"

"O PT não é um partido subalterno, que fica sendo tratado como força secundária na coligação"

 Em entrevista exclusiva ao Brasil Econômico, o presidente nacional do PT acusa o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), de ter rompido um acordo assinado, e reclama da postura do PSB.
Com a credencial de presidente nacional do PT, o deputado estadual paulista Rui Falcão passou os últimos meses rodando o Brasil para montar palanques, apagar incêndios e fazer o ajuste fino no complexo mosaico de candidaturas do partido em 2012.

Na reta final deste percurso, foi surpreendido com movimentos inesperados de antigos aliados em cidades importantes como Recife, Fortaleza e principalmente Belo Horizonte onde, segundo suas próprias palavras, houve uma "traição" do prefeito Márcio Lacera.

Nessa entrevista exclusiva concedida ao Brasil Econômico na sede nacional do PT em São Paulo, Falcão fala de acordos, alianças, metas e "mensalão".
O PT, o PSB e o PSDB mantinham uma sólida aliança em Belo Horizonte em torno do prefeito Márcio Lacerda, que disputa a reeleição. De uma para outra houve um rompimento e o PT decidiu lançar candidato próprio. O que exatamente aconteceu em Minas Gerais?

O que houve foi uma traição. O prefeito Márcio Lacerda tinha firmado um compromisso comigo, que foi colocado no papel e assinado pelos dirigentes locais. Eram três pontos: a vice-prefeitura para o PT, que era uma continuidade do que já ocorria. Uma rediscussão programática sobre algumas áreas do governo, sobretudos as sociais. O terceiro ponto era a coligação proporcional com o PSB (para vereadores).
Isso foi acertado primeiro com o prefeito na presença do Walfrido (dos Mares Guia, presidente estadual do PSB), por mim pessoalmente e depois referendado em reuniões com as forças políticas locais e com o presidente do PT mineiro, Reginaldo Lopes. Em seguida foi colocada no papel. Tanto isso é verdade que no sábado (dia 30) de manhã, o (ministro) Fernando Pimentel e o Reginaldo Lopes foram à convenção do PSB. Estava tudo acertado e o Márcio era o nosso candidato.

Fomos surpreendidos de tarde com uma carta em que o PSB dizia que não faria coligação proporcional. A partir daí tomamos a decisão de lançar um candidato.

Houve intervenção do senador Aécio Neves (PSDB) nesse processo?
Isso é especulação. Eu não tenho conhecimento disso. O que sei é que ao longo do processo vários tucanos questionavam o acordo. Diziam que a gente estava com a vice e que já era demais. É possível que a partir disso o prefeito tenha cedido às pressões.

A direção nacional do PSB, através do Roberto Amaral, no sábado, me pediu um prazo de 12 horas para ver se revertia a decisão. Mas diante da decisão do prefeito de renunciar em caso de mudança da decisão, o PSB desistiu de qualquer tipo de intervenção.
Decidimos então lançar nosso candidato. O PT não é um partido subalterno, que fica sendo tratado como força secundária na coligação.

Aliados de Aécio Neves e Márcio Lacerda ventilam reservadamente a hipótese de que o PMDB tenha optado por apoiar o PT em troca de dois ministérios: Transportes e Minas e Energia. Isso é verdade?
Em hipótese alguma. Houve uma conversa política. O PCdoB, por exemplo, disse que se criou ali uma polarização nacional e eles naturalmente têm lado. Com o PMDB e o PSD foi a mesma coisa. Em vários lugares onde há esse tipo de bloco, tanto o PMDB quanto o PSD tem ficado ao nosso lado.

Isso significa o divórcio definitivo entre o PT e o PSB? Os dois partidos também romperam em Recife, Fortaleza e estão em lados opostos em Porto Alegre...
São circunstâncias diferentes. Em Recife e Fortaleza havia uma expectativa de continuidade da aliança estabelecida na capital. Então, nossas expectativas foram frustradas com a decisão dos governadores Eduardo Campos (PE) e Ciro Gomes (CE) de romper a aliança, que já existia há oito anos no caso de Fortaleza, e quatro, em Recife.
 
No caso de Belo Horizonte foi uma quebra de palavra. Um acordo não honrado. Em Fortaleza, nós propusemos ao governador Cid Gomes que o apoio ao nosso candidato significaria prioridade para ele indicar seu candidato à sucessão. Nós temos alianças com o PSB em várias cidades do Brasil. Não há rompimento.
Onde ainda há aliança?

Em São Paulo, por exemplo, eles estão conosco. Estamos apoiando o PSB em Aracajú, Boa Vista, Macapá, Sete Lagoas, Duque de Caxias, Mossoró, Limeira, São Vicente, Taboão da Serra. E estamos recebendo apoio em outras.

A campanha em Belo Horizonte será a mais nacionalizada do Brasil?
A campanha mais nacionalizada será em São Paulo.

Isso interessa mais ao PT ou ao PSDB em São Paulo?

Para nós interessa que o nosso lado é o da presidente Dilma, do Lula e mostrar como o Brasil mudou. O Serra fala em fazer discussão nacional para evitar debater o desastre que foi o meio mandato dele e a gestão Kassab.
Mas o prefeito Kassab não é hoje um grande aliado do PT?

Em várias cidades sim, mas aqui ele é o prefeito e criticamos o governo dele. Queremos mudanças. Como prefeito ele é nosso adversário. Como presidente do PSD ele tem aliança conosco em várias cidades.

Em 2014 ,Kassab será um aliado importante do PT?
Ele tem dito que vai apoiar o governo Dilma, mas não se manifestou em relação a 2014. Mas se ele se integrar ao nosso esforço de reeleição da companheira Dilma, será bem vindo.

Acha correta essa leitura que o governador Eduardo Campos está se afastando do PT para se viabilizar presidenciável em 2014?
O governador e o PSB querem se fortalecer nessas eleições, o que é natural e legítimo. Mas no caso do Nordeste querem se fortalecer em cima de nós. Fortaleza, Recife e Belo Horizonte são cidades já governadas por nós e pelo PSB. São situações homólogas.

O curioso é que, mesmo tendo havido esse movimento no Recife, nós não tínhamos rompido em Belo Horizonte. Cheguei a dizer aos jornalistas: "vamos manter a palavra em Belo Horizonte. Está feita a coligação".

Em Recife, não seria natural o PT apoiar a candidatura à reeleição do prefeito João da Costa? Porque houve uma intervenção lá?
O PT tem no seu código de ética no artigo 11 uma cláusula, a que todos os militantes estão submetidos, que não existe a figura do candidato nato. Podemos até mudar isso no futuro. Talvez até devêssemos fazer isso. Prévia com candidato que já é prefeito ou governador sempre dá consequências negativas. Mas o fato é que hoje essa regra existe.

Houve uma prévia que foi anulada por nós. Não por fraude, mas porque a prévia não se deu conforme as regras fixadas pelo Diretório Nacional sobre confecção de listas e quem tinha direito a voto. Com a anulação da prévia e convocação de outra, o clima começou a ficar cada vez mais acirrado.
Começou uma disputa muito fratricida. Nós então conclamamos os dois candidatos a refletir sobre a possibilidade de um terceiro nome. O Maurício Rands atendeu nosso pedido, retirou seu nome e apoiou o (senador) Humberto Costa. Ele fez até manifesto.

Já o João da Costa permaneceu. Vimos que não havia mais condições políticas para o prefeito continuar. Então a direção nacional e a municipal referendaram o nome do Humberto Costa.
Depois desse episódio, o Maurício Rands abriu mão do mandato de deputado, do cargo no governo do estado e deixou o PT...

Ele agora alega que houve uma decisão autoritária a partir de São Paulo. Eu estranho isso. Ele abriu mão da candidatura. O João da Costa até poderia dizer que sofreu intervenção. O Maurício Rands não.
Como avalia esse movimento do Maurício Rands?

Foi uma decisão pessoal dele. As motivações eu desconheço. Ele não me comunicou nada. Soube através de uma carta ao povo de Pernambuco. Não vou comentar as razões pessoais dele. Do ponto de vista político, as razões não se sustentam. Ele estava há três mandatos no PT. Nunca fez nenhuma denúncia de autoritarismo, participou de uma prévia e desistiu da candidatura.

Ficou frustrado com a decisão da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) de não ser vice na chapa de Fernando Haddad na capital? Ela ajudaria muito na periferia...
O PT é muito forte na periferia. Tenho certeza que vamos crescer muito também nos bairros intermediários e no centro. Hoje temos a presidente Dilma e o presidente Lula pela primeira vez com mais influência na decisão do voto do que o governador Geraldo Alckmin. Isso é um fato inédito aqui (em São Paulo). Temos uma aliança forte. Creio que, com a Luiza Erundina na campanha, mesmo sem ser a vice, vamos obter um bom resultado.

A aliança do PT com o Maluf repercutiu muito mal na opinião pública e nas redes sociais. Vale mesmo a pena?
O PP (partido de Maluf) participa da base de apoio da presidente Dilma, participou do governo Lula desde 2005 e tem lideranças expressivas no país. O partido tem um ministro jovem e muito atuante, que é o Aguinaldo Ribeiro. Essa aliança traz uma contribuição para a campanha.

Muita gente fala que aquela imagem do Paulo Maluf com o Haddad e o Lula vai ficar marcada na história da política paulistana...
O ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf já teve presente em várias campanhas em São Paulo. Me lembro que em 1998 ele apoiou a reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e apareceu em outdoor com ele e o governador Mário Covas. Eram dois palanques do FHC em São Paulo, um deles com o Maluf e outro com o PSDB.

O Maluf apoia o governador Geraldo Alckmin e seu partido integra o governo estadual. É um político polêmico como outras lideranças nacionais. O que dá norte para nossa candidatura é o programa de governo. Ele restabelece as marcas do modo petista de governar e recupera as realizações dos governos Marta (Suplicy) e Erundina que foram destruídas pelos prefeitos Serra e Kassab. Os aliados contribuem, mas há uma matriz política e ideológica que está consagrada no nosso programa.
O eleitor malufista é historicamente anti-petista e conservador. Ele vai migrar para onde na campanha?

O maior contingente desses eleitores já migrou para o PSDB, que é a direita moderna no Brasil. Não é mais a direita do tanque, da truculência e da tortura. Uma parte continua fiel ao ex-prefeito e algumas lideranças do entorno dele, como o vereador Wadih Mutran.
Há um eleitorado jovem hoje que não tem essas referências do ex-prefeito. Ele ainda tem uma influência grande, mas não mais aquela já teve no passado. Lideranças como Ademar de Barros, Jânio com o tempo vão sendo esquecidas e substituídas por outras figuras.

O julgamento do mensalão acontecerá durante a campanha. Há no PT o temor que ele contamine o processo e prejudique os candidatos do partido?

Não, mas eu quero fazer duas observações. É um fato inédito na história dos grandes julgamentos que ele esteja acontecendo às vésperas de uma campanha eleitoral. A possibilidade de isenção e dele não se contagiado pela disputa política é muito restrita.
O risco de contágio é muito grande. A segunda observação é que, se os ministros do Supremo Tribunal Federal superarem essa pressão política que vai ocorrer e julgarem os indiciados segundo os autos, não haverá provas para a condenação.

Os indícios de recursos de crime não contabilizados que poderiam configurar crime eleitoral, são poucos convincentes. Quando muito, poderia haver uma condenação por crime eleitoral de crimes que já estão prescritos.
Se os principais personagens do PT no caso do "mensalão" forem absolvidos, o que o PT pretende fazer?

Há réus de vários tipos. Esse não é um processo do PT. Há companheiros que estão indiciados de várias maneiras. Com exceção do ex-ministro José Dirceu, todos estão com direitos políticos assegurados. O Genoino foi candidato nas últimas eleições.

O Delúbio chegou a cogitar uma candidatura, mas preferiu não ir em frente. A absolvição deles será muito divulgada pelo partido. No caso do Zé Dirceu, significará a possibilidade de reingressar na vida pública se ele quiser.
Tivemos recentemente uma decisão importante que teve pouca difusão que foi a absolvição do deputado federal José Guimarães no STJ (PT-CE) das acusações do chamado processo do "dólar na cueca". Saíram pequenas notas nos jornais. Difundimos isso bastante no PT. Ele é um dos coordenadores da campanha do PT no Ceará e está com todo gás.

Como está o caixa do partido para a eleição?
Nós apresentamos uma prestação de contas há uns dois meses. Quitamos a maior parte das nossas dívidas. Estamos em ordem com a Previdência Social. As finanças estão equilibradas. O único fato negativo é que esse mês tivemos a perda do Fundo Partidário.

Foi uma punição decorrente da campanha passada. As doações oficiais da campanha começam na semana que vem. A gestão do caixa está em ordem.
O que mudou no procedimento de arrecadação e gestão de recursos do PT depois do episódio do "mensalão"? Que lição ficou?

Todas as doações para o partido são legais e contabilizadas. Na campanha, nossa prática será sempre de receber apenas doações legais. Nós defendemos o financiamento público com um dos itens importantes da reforma política. Ele reduz as possibilidades de corrupção, o custo das campanhas e reduz bastante o peso do poder econômico nas eleições.

A ex-prefeita Marta Suplicy tem relutado em entrar de cabeça na campanha do Fernando Haddad em São Paulo. Ela nem foi ao lançamento da campanha dele. O que acha disso?
Desde que a conheço, ela tem participado de todas as campanhas do PT. Mesmo quando perdeu a prévia para o Aloizio Mercadante, ela participou de todas.

Acredito que ela participará desta também. Ocorre que ela está com atividade intensa no Senado, onde vem se destacando como vice-presidente da casa. Nessa fase da campanha, em que há ainda uma necessidade do candidato se tornar mais conhecido até para o conjunto dos eleitores do PT, a presença dela pode eclipsar o Haddad.
Quando começarem os eventos massivos em agosto, ela estará integrada a campanha. Ela é hoje uma liderança nacional e poderá contribuir com outras campanhas pelo país.

Quantos prefeitos o PT tem hoje e quantos pretende eleger em 2012?
Elegemos 569 prefeitos em 2008. Vimos numa trajetória constante de crescimento desde 1992, na primeira eleição. A gente ganha mais do que perde. Não fixamos uma meta em 2012, mas esperamos crescer e reconquistar algumas que perdemos e aumentar o número de vereadores.

Nas 118 cidades com mais de 150 mil eleitores, que nós consideramos estratégicas, vamos ter candidatos próprios em 83. Nas demais, estamos fazendo alianças.
O PSB é nosso aliado mais frequente: é apoiado por nós em oito cidades, sendo duas capitais. PDT e PMDB terão apoio do PT em seis cidades e o PCdoB em cinco. Das 83 cidades onde temos candidatos, o PCdoB é nosso principal apoiador, seguido pelo PR, PSB e PSD.

E o PSDB? Em Minas Gerais, por exemplo, os tucanos estão aliados com petistas em várias cidades...
Havia uma orientação que não fazer coligação com PSDB, DEM e PPS em cidades pequenas, onde a realidade local borra as colorações partidárias, precisaria de autorização do diretório estadual. Como o Congresso do PT proibiu essas coligações, nós flexibilizamos nas cidades onde já havia a chapa montada. O Diretório Nacional autorizou a aliança para a reeleição nesses casos. Em cidades grandes, você só vai encontrar o PPS com o PT em João Pessoa, Marabá e Londrina.

A presidente avisou que não participará da campanha no primeiro turno. Essa decisão frustrou o PT?
Ela disse em público e para mim pessoalmente. Dilma acredita que a melhor maneira de ajudar o PT é continuar governando bem o Brasil como ela vem fazendo. Nós somos beneficiados eleitoralmente pelo fato do país estar se defendendo bem da crise.

E o ex-presidente Lula, qual será o papel dele?
Ele tem dito que fará a campanha do PT nas principais cidades. Tudo isso depende da sua plena recuperação. Não estou falando da saúde, que está plenamente restabelecida, mas da voz, que é uma dos principais instrumentos dele fazer campanha.

Agora mesmo no ato de lançamento do Humberto Costa em Recife ele gravou um vídeo de quatro minutos para não deixar nenhuma dúvida de que lado ele está. Houve uma confusão lá. Publicaram uma foto dele ao lado do governador Eduardo Campos. Houve uma indução que aquela foto representava neutralidade do ex-presidente na disputa. Disse que ia se empenhar na campanha do Humberto Costa e prometeu ir lá várias vezes.
Lula irá nas cidades onde existem candidatos diferentes de partidos aliados?

A direção partidária vai ser combinada com a equipe dele, que faz a agenda. Imagino que São Paulo vai requerer maior parte do tempo. Mas também Recife, Salvador, Fortaleza, Terezina e João Pessoa. Onde há uma candidatura petista definida, ele vai participar.

Em Porto Alegre ele pode ir também. Quando ele era presidente, ficava constrangido com os partidos da base aliada onde havia muita polarização. Agora ele é presidente de honra do PT. Ele não tem mais aquela imposição que está sujeita a presidente Dilma. Apesar de ser uma eleição municipal, não desejamos fragmentar a base aliada.
O caso do Porto Alegre é emblemático. O PT ensaiou apoiar a deputada federal Manuela D'Àvila, do PCdoB, mas acabou lançando candidato próprio. O próprio governador Tarso Genro foi no lançamento da campanha dela...

No Rio Grande do Sul,  temos uma disputa entre dois partidos além do PT que estão na base aliada. Acho importante que lá a gente possa fazer um pacto de segundo turno com a Manuela D' Àvila, candidata do PC do B à prefeitura. Quem não chegar ao segundo turno, receberá o apoio do outro.

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